Li de uma assentada um documento impressionante sobre o que foi o 27 de Maio de 1977, em Angola. O livro, da autoria de Dalila Cabrita Mateus e de Álvaro Mateus, chama-se Purga em Angola – Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunen o 27 de Maio de 1977 e foi lançado recentemente pela Edições Asa.
Descreve o que foi a tentativa, pouco clara, de um golpe de estado contra o poder de Agostinho Neto e de alguns dos seus apaniguados na Direcção do MPLA, encabeçada pelos nomes referidos no título do livro. Os autores põem mesmo em causa que tenha havido qualquer tentativa golpista e consideram que aqueles foram vítimas de uma provocação organizada pelo grupo dirigente vitorioso.
Mas o que é mais impressionante é o saldo de morto provocado pela repressão desencadeada pela fracção vencedora, que, numa estimativa prudente, chega atingir 30.000 mortos, todos eles executados sem nenhum julgamento e depois da grande maioria ter sido torturada e mantida na prisão em condições deploráveis. Foi verdadeiramente uma purga que se abateu sobre companheiros de armas e de partido e que consistiu numa violação extremamente grave dos mais elementares direitos humanos.
Agostinho Neto aparece à luz destes relatos como uma personagem centralizadora, ávida de poder e de tudo controlar, pouco recomendável como chefe de Estado consensual e defensor do seu povo. É, pode-se afirmar, a desmontagem de um mito para aqueles, como eu, que nunca se debruçaram com grande rigor sobre a história recente de Angola, e consideravam a personagem como um herói da independência, apesar daqui e dali virem alguns avisos sobre o seu comportamento pouco recomendável.
O que é mais interessante é que o livro é escrito de uma perspectiva de esquerda, fazendo uma apreciação favorável dos derrotados e assassinados do 27 de Maio, apontados com gente próxima dos comunistas, em alguns casos como Sita Valles, como ex-militante da UEC e por esse motivo expulsa do MPLA, ou como simpatizantes da União Soviética, como o próprio Nito Alves. Chega-se a insinuar que, para além da afirmação de poder por parte de Agostinho Neto e da sua clique, este massacre visava abrir as portas ao reconhecimento ocidental, principalmente dos americanos. Verifica-se uma certa cumplicidade das tropas cubanas no esmagamento inicial do golpe, mas não participando nos massacres posteriores, e uma neutralidade da União Soviética que parece não interferir nos acontecimentos. O PCP, que foi acusado, há boca pequena, pela fracção vitoriosa, de estar por trás dos acontecimentos e pretender controlar a situação em Angola, segundo os autores, nada teve a ver com o assunto e no rescaldo dos acontecimentos, na sua táctica tradicional de não fazer ondas no campo socialista, aceitou passivamente que alguns dos seus militantes, que foram acusados em Angola de pertencer à fracção nitista, fossem suspensos das suas células para não agastar a direcção vitoriosa do MPLA.
Em Portugal não se deu grande importância aos acontecimentos, tendo o Presidente da República, Ramalho Enes, o PS, a imprensa da época e nossa intelectualidade, excepto Natália Correia, aceitado passivamente o que se passava em Angola.
Lembro-me que há época, um jornal esquerdista, ter lançado a atoarda de que o golpe tinha sido apoiado pela União Soviética com a cumplicidade do PCP e, segundo me lembro, nem uma palavra diziam sobre a repressão que se lhe seguiu. Este assunto, visto não ser citado no livro, mereceria agora ser recordado.
Estamos pois perante um documento impressionante, parecendo-me com grande rigor histórico e documental, que merece ser lido por todos aqueles que sobro passado não querem pôr uma pedra.
Descreve o que foi a tentativa, pouco clara, de um golpe de estado contra o poder de Agostinho Neto e de alguns dos seus apaniguados na Direcção do MPLA, encabeçada pelos nomes referidos no título do livro. Os autores põem mesmo em causa que tenha havido qualquer tentativa golpista e consideram que aqueles foram vítimas de uma provocação organizada pelo grupo dirigente vitorioso.
Mas o que é mais impressionante é o saldo de morto provocado pela repressão desencadeada pela fracção vencedora, que, numa estimativa prudente, chega atingir 30.000 mortos, todos eles executados sem nenhum julgamento e depois da grande maioria ter sido torturada e mantida na prisão em condições deploráveis. Foi verdadeiramente uma purga que se abateu sobre companheiros de armas e de partido e que consistiu numa violação extremamente grave dos mais elementares direitos humanos.
Agostinho Neto aparece à luz destes relatos como uma personagem centralizadora, ávida de poder e de tudo controlar, pouco recomendável como chefe de Estado consensual e defensor do seu povo. É, pode-se afirmar, a desmontagem de um mito para aqueles, como eu, que nunca se debruçaram com grande rigor sobre a história recente de Angola, e consideravam a personagem como um herói da independência, apesar daqui e dali virem alguns avisos sobre o seu comportamento pouco recomendável.
O que é mais interessante é que o livro é escrito de uma perspectiva de esquerda, fazendo uma apreciação favorável dos derrotados e assassinados do 27 de Maio, apontados com gente próxima dos comunistas, em alguns casos como Sita Valles, como ex-militante da UEC e por esse motivo expulsa do MPLA, ou como simpatizantes da União Soviética, como o próprio Nito Alves. Chega-se a insinuar que, para além da afirmação de poder por parte de Agostinho Neto e da sua clique, este massacre visava abrir as portas ao reconhecimento ocidental, principalmente dos americanos. Verifica-se uma certa cumplicidade das tropas cubanas no esmagamento inicial do golpe, mas não participando nos massacres posteriores, e uma neutralidade da União Soviética que parece não interferir nos acontecimentos. O PCP, que foi acusado, há boca pequena, pela fracção vitoriosa, de estar por trás dos acontecimentos e pretender controlar a situação em Angola, segundo os autores, nada teve a ver com o assunto e no rescaldo dos acontecimentos, na sua táctica tradicional de não fazer ondas no campo socialista, aceitou passivamente que alguns dos seus militantes, que foram acusados em Angola de pertencer à fracção nitista, fossem suspensos das suas células para não agastar a direcção vitoriosa do MPLA.
Em Portugal não se deu grande importância aos acontecimentos, tendo o Presidente da República, Ramalho Enes, o PS, a imprensa da época e nossa intelectualidade, excepto Natália Correia, aceitado passivamente o que se passava em Angola.
Lembro-me que há época, um jornal esquerdista, ter lançado a atoarda de que o golpe tinha sido apoiado pela União Soviética com a cumplicidade do PCP e, segundo me lembro, nem uma palavra diziam sobre a repressão que se lhe seguiu. Este assunto, visto não ser citado no livro, mereceria agora ser recordado.
Estamos pois perante um documento impressionante, parecendo-me com grande rigor histórico e documental, que merece ser lido por todos aqueles que sobro passado não querem pôr uma pedra.
5 comentários:
Vivo e trabalho há cerca de catorze anos em Angola, tenho uma família de negros, e ainda não consegui ler documento ou ouvir relato que me esclarecesse o que foi, e as razões que determinaram o 27 de Maio.
O discurso do chamado cidadão comum é, regra geral, pouco esclarecido e contraditório; e a imaginação substitui-se à falta de informação. Quem mais tem para contar é quem de facto menos sabe; e quem supostamente sabe, fala principalmente com silêncios e refugia-se em meias palavras.
Sobre o 27 de Maio é predominante o clima de tabu, que encontra paralelo, por exemplo, na sensibilidade dos franceses quando se fala de colaboracionismo, a propósito da 2ª guerra mundial. Aqui, os factos, têm de ser deduzidos. E, fazendo um exercício desse tipo, não é difícil encontrar na história do MPLA, desde a sua génese, múltiplas situações de tensão e de confronto que deram origem a perseguições e mesmo a assassínios. E esse rol de antecedentes, mesmo não se percebendo com clareza ou tendo conhecimento das razões próximas, era suficiente para potenciar a qualquer altura a possibilidade do que de facto veio a acontecer.
Por outro lado não se deve esquecer o facto de um dos primeiros textos literários que os portugueses para aqui trouxeram – a Bíblia – essencialmente no Antigo Testamento se encontrar repleta de testemunhos de violência. O Deus de Israel era o senhor dos exércitos. Mas o Novo Testamento, com a entrega de Jesus – um judeu – por judeus, ao colonizador romano, também não é propriamente um tratado sobre a paz. E o ódio maior foi sempre entre judeus do que entre estes e o ocupante.
Peço desculpa pelo espaço que ocupei.
Longe de mim qualquer referência menos abonatória em relação a Angola ou ao seu povo. A recensão que faço deste livro e da personagem que dele parece sobressair como bastante negativa – Agostinho Neto –, tem unicamente a ver com os fantasmas da esquerda. Não tenho qualquer nostalgia colonialista, nem considero os seus habitantes como incapazes de se governarem. Simplesmente aquele massacre existiu e foi cometido um grave crime, que é necessário interpretar à luz dos acontecimentos políticos da época.
Será interessante ler:
Dissidencias e Poder de Estado
O MPLA Perante si Próprio
Jean Michel Mabeko Tali
Colecção Ensaio
Editorial Nzila
Não sei se foi editado em Portugal
No 2º Volume tem uma descrição muito boa das causas de consequencias do 27 de Maio
Um Muito bom fim de semana
O livro que cita é muito referenciado na obra por mim recenseada. Parece pois, para quem se interessa por este caso de leitura obrigatória. A editora é angolana o que deve tornar difícil a sua aquisição em Portugal.
Indago-me se os anos trarão clareza a este episódio dramático da História de Angola, a que nos sentimos tão ligados, pelos laços dos anos quentes da nossa Revolução perdida...
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