segunda-feira, janeiro 10, 2011

Democracias com vergonha na cara

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O antigo deputado Trabalhista David Chaytor foi hoje condenado a 18 meses de prisão por ter reclamado o reembolso de despesas falsas no valor de 22 mil euros.
O antigo político, de 61 anos, torna-se assim no primeiro político a ser condenado na sequência do escândalo das despesas dos deputados que surgiu em maio de 2009. A sentença foi hoje anunciada no tribunal de Southwark, em Londres, por um juiz, que considerou os actos do político "um desrespeito da confiança" atribuída pelos eleitores.
Chaytor já se tinha declarado culpado de três acusações de contabilidade falsa, no valor de 18. 350 libras (22 mil euros). Uma das acusações refere-se às despesas de 5425 libras (6,45 mil euros) que teria feito entre Setembro de 2007 e Janeiro de 2008 pelo arrendamento de uma casa que se descobriu mais tarde ser propriedade da mãe.
O ex-deputado acabou por confessar que não tinha pago à mãe, que vivia numa casa de repouso e entretanto morreu, e reconheceu que arrendar uma casa de um familiar não era permitido. David Chaytor também reclamou de forma irregular quase 13 mil euros (15,4 mil euros) pelo arrendamento de um apartamento perto do Parlamento, em Westminster, que afinal era propriedade dele. Finalmente, reclamou 1950 libras (2,3 mil euros) com faturas falsas por serviços de apoio informático que nunca chegou a receber.

O escândalo rebentou no Verão de 2009, quando o jornal "Daily Telegraph" teve acesso a um CD onde estavam listadas todas as despesas dos deputados com a segunda residência, aquela que usam no exercício das suas funções, seja em Londres ou no círculo pelo qual foram eleitos. Os deputados podiam pedir o reembolso por despesas directamente relacionadas com trabalho político, mas soube-se então que o Parlamento pagava frequentemente trabalhos de jardinagem e decoração, mobílias cara e outras extravagâncias.
Alguns deputados venderam com lucro casas que recuperaram com dinheiros públicos e as investigações concluíram que seis parlamentares cometeram ilícitos criminais. Chaytor, entretanto expulso do Labour, tornou-se o primeiro a ser condenado.
Extractos das notícias do DN e do Público

Felizmente há democracias em que basta pouco mais de um ano para se punir quem, apesar de ocupar cargos políticos de relevo, deita indevidamente a mão a recursos que pertencem a todos os cidadãos. Felizmente há partidos e parlamentos que, em prazo ainda mais curto, expulsam tal tipo de prevaricadores.

Infelizmente há outras democracias em que este tipo de desfecho, mesmo ao fim de muitos anos, nunca acontecerá (e nunca aconteceu). Basta lembrar, a título de exemplo, o famoso caso das viagens dos deputados que, como todos os outros, se esvaiu e acabou por eclipsar.

Nestas democracias, quando alguém levanta questões sobre eventuais falcatruas é apenas para animar campanhas eleitorais descrentes da vitória.
Não lhes passa pela cabeça, deus nos livre, punir seja quem for.
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8 comentários:

Manuel Vilarinho Pires disse...

E sabes uma das diferenças entre esta democracia e a nossa?
Nesta, cada deputado só é eleito se vencer a sua eleição. Pode fazer fretes aos correlegionários, mas arrisca-se a perder a eleição seguinte se os eleitores souberem e não gostarem.
Na nossa, a maioria dos deputados é escolhida inapelavelmente pelo partido quando os coloca em lugares elegíveis, sobrando alguns que são eleitos em função do resultado da eleição atribuir mais lugares às suas listas, mas não individualmente. Se não fizerem fretes aos correlegionários, na próxima eleição podem ser colocados em lugares não elegíveis.
Nestam os deputados são independentes, porque são eleitos directamente pelos eleitores.
Na nossa, os deputados são dependentes de quem os elege, o seu partido.

Vitor M. Trigo disse...

Se bem que entenda a intenção, não estou de acordo.

Qualquer falcatrua deve ser denunciada, e, se for comprovada, devidamente punida. Se envolver políticos, ainda por cima de topo, pior.
Não estou nada de acordo que, pelo facto da justiça não funcionar como deveria, não se toque nos assuntos importantes para o país. Porquê? Porque desce o nível das campanhas?

O caso BPN/Cavaco p.e. é, a meu ver, muito importante, e não pode ser esquecido por causa das eleições. Muita gente falou deste embróglio muito antes do período eleitoral. Inexplicável porque a justiça não actua, e a sociedade permite que estes casos aconteçam e não sejam devidamente esclarecidos. Se alguns só se lembraram disto agora, de facto, também não está bem.
E se se continuar a falar deste caso depois da (possível) vitória de Cavaco, em que situação fica o país? Que ele não tenha vergonha, é uma questão pessoal. Eu, tenho.

O caso BPP/Alegre parece-me, por outro lado, muito menos importante. Se bem que me tivesse parecido que o próprio não tivesse dito toda a verdade desde início, acredito que não tivesse reparado num movimento bancário de 1500€. Estou bem à vontade para comentar isto, pois ainda há 3 anos fui alertado por um fornecedor que eu não lhe pagava há 24 meses. O montante total em causa era praticamente o dobro - 3700€. Tinha dado intruções ao banco para proceder à transferência mensal automática, e aconteceu que o banco se esqueceu de o fazer (nunca soube o que se terá passado)... e eu não dei por isso. Acredito que MA também não se tenha aprecebido. Outros detalhes, poderão, contudo, justificar outra análise.

De qualquer forma, os casos estão vivos e não devem ser retirados da discussão pública.
E, aconteça o que acontecer, após as eleições, não devem ser esquecidos.
Se tal vier a acontecer ficarei mais uma vez triste com o meu país. Já são tantas.
Mas tenho esperança de ainda ver um país melhor para os meus netos.

F. Penim Redondo disse...

Vitor,

acredito que a tua intenção, ao contrário de outros, não seja apenas mais uns pontos percentuais nas próximas presidenciais.

Há dias li as tuas perguntas politicamente incorrecta e, sinceramente, lembrei-me das perguntas ao Sócrates que os procuradores do Freeport incluiram no seu relatório final.
São perguntas que já sabem que não terão resposta, que são feitas para produzirem consequências independentemente da ausência da resposta.
Como tu bem sabes as acções não cotadas transaccionam-se pelo preço que os contratantes bem entendem.
Mesmo que tenha havido uma "atençãozinha" ao amigo Cavaco, e eu acho que houve, isso nunca poderá ser demonstrado.
Na ausência de uma confissão compete aos acusadores apresentar elementos incriminadores.
Foi o que fizeram os ingleses no caso das falsas despesas contado neste post.

Dito isto acrescento o seguinte: a relevância dos comportamentos e das denúncias tem que ser vista no contexto da sociedade em que acontece.
Numa sociedade onde as falcatruas sejam sistemáticamente denunciadas e punidas é uma coisa. Numa sociedade em que as falcatruas se sucedem e nunca são punidas parece pelo menos hipócrita escandalizar-se apenas com uma delas.
O caso das acções de Cavaco, embora criticável, parece-me relativamente pouco importante.
1) não era à data detentor de cargo público
2) o valor em causa é quase insignificante quando comparado com os défices e prejuizos totais do BPN
3) o hipotético favor de que beneficiou só indirectamente e muito mais tarde pode ter afectado as finanças públicas
4) este tipo de mais valias é bastante comum no nosso país e, apesar de tudo, menos gravoso do que os autênticos roubos constantemente perpetrados ao nível das adjudicações de obras e serviços de consultoria.

Assim sendo as intervenções que de modo subliminar tentam convencer o público de que Cavaco é responsável pelo enorme buraco do BPN são pelo menos irresponsáveis quando não desonestas.

A não ser que, como há dias referi, a actual gestão do banco encontre evidências em contrário.
Mas ainda hoje ouvi o presidente actual do BPN falando na AR e cheguei à conclusão de que nunca saberemos quem roubou aquilo que todos vamos ter que pagar.

Vitor M. Trigo disse...

Ferando, o que mais me escandaliza não é o que referes, embora apontes verdades.

1. Nunca, nem na nota de Setembro de 2009 que te enviei, confundi o buraco do BPN com o negócio das acções do Cavaco.
2. Se o montante em causa com o Cavaco é irrisório, então que dizer dos 22 mil € do deputado inglês?
3. O tal deputado está aposentado, Cavaco prepara-se para voltar a ocupar o mais alto cargo da nação. O seu nome não pode estar ligado a O. Costa e D. Loureiro.
4. Dizes bem que as acções de empresas não cotadas são valorizadas entre as partes. Mas será normal que o preço para accionistas fosse superior ao proposto a Cavaco e mais três pessoas, segundo a Antena1?
5. Acções criticáveis não perdem estatuto porque existem outras mais graves. Os roubos a que aludes, obviamente, merecem ser investigados rapida e eficazmente a fim de colocar na cadeia os ladrões e ilibar os injustamente acusados.

Tento ver tudo isto sem paixão, mas não sou imúne à preocupação.
Ficou mais clara a minha indignação?

F. Penim Redondo disse...

Vitor,

eu sei que procuras ser rigoroso. Concordo em geral com o que dizes.
Só tens uma ou outra imprecisão:

1. O montante do caso Cavaco é irrisório, como eu digo, quando comparado com o tamanho do buraco BPN.
De qualquer modo, mesmo que estivesse a ser alvo de um favor, na altura quando muito estaria a prejudicar outros accionistas privados e não o erário público.
A coisa aconteceu vários anos da polémica nacionalização dos prejuizos do BPN.

2. O tal deputado inglês não está "aposentado", ele foi sim expulso do parlamento e do partido.

3. O Cavaco não se "prepara para voltar a ocupar o mais alto cargo da nação". Ele prepara-se para ver se o povo português atribui ao caso das acções a mesma importância que tu lhe atribuis.

4. É natural, e parece que é comum, oferecer a pessoas VIP preços especiais para poder dizer que eles são accionistas de uma dada empresa. O Eanes disse no outro dia que passavam a vida a convidá-lo.
O que convém perceber é se foi dada alguma coisa (nossa) em troca.

J Eduardo Brissos disse...

"Mesmo que tenha havido uma "atençãozinha" ao amigo Cavaco, e eu acho que houve, isso nunca poderá ser demonstrado."

Por decisão da SLN na altura as acções da SLN para não accionistas eram a 2,2 euros, para accionistas a 1,8, e para Oliveira e Costa a 1 euro.

As acções que Cavaco comprou a 1 euro vieram deste lote. Até agora não se sabe de mais ninguém que OC tenha beneficiado com este preço.

Podes ver mais sobre o caso BPN/Cavaco, incluindo links para fontes referidas, aqui:

http://aessenciadapolvora.blogspot.com/2011/01/afinal-nao-foi-na-feira-do-relogio-foi.html

http://aessenciadapolvora.blogspot.com/2011/01/calimero-cavaco-em-exibicao-numa.html

F. Penim Redondo disse...

Brissos,

Que o Cavaco comprou as acções a 1 euro parece ser um facto assente.
O que não está demonstrado é que ele deu alguma coisa de ilícito em troca desse favor. Nem me parece que seja fácil demonstrar.

J Eduardo Brissos disse...

Sim, inocente de dar alguma coisa em troca.

Mas responsável de receber um beneficio. Como diz o Dédé:

Será que o NÃO HÁ ALMOÇOS GRÁTIS só se aplica acima de 147 500 euros ?