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Da janela, vejo-os passar. Não se percebe de onde vêm, porque não há via para eles, nem direcção onde se vislumbre um espaço onde pudessem caber. Os ciclistas surgem como se alguém os tivesse colocado ali. Um autocarro que os depositasse, como os dos sindicatos que transportam manifestantes para onde eles são necessários, por encomenda. Mas quem traria os ciclistas? Quem ganharia alguma coisa com isso? Com mais vontade os expulsariam da cidade.
Eles vêm, contra tudo e todos. Às centenas, aos milhares, não se sabe de onde. Invadem a Baixa de Lisboa, a zona ribeirinha, do Parque das Nações a Belém. Na sua maioria, não usam bicicletas de cidade, mas de montanha, mais apropriadas para o tipo de terreno que encontram. Costumavam vir até ao Terreiro do Paço, por montes e vales. Ao longo do rio, desde a Expo, pela via portuária dos camiões, enchendo os pulmões de fumo, ou pelo Cais do Sodré, arriscando a vida no meio do trânsito, ou sei lá de onde, ou como. O importante era chegar ali, à grande praça plana e livre de trânsito.
Via-se que caprichavam no equipamento. Apostavam em bicicletas caras, em capacetes levíssimos, de marcas italianas, em calções e sapatilhas especiais, dispositivos de armazenamento de água próprios de ciclistas profissionais. Apesar de tudo, são os principiantes. Quem realmente me impressiona são os que já adoptaram um estilo pessoal. Que escolhem a bicicleta a condizer com o seu tipo físico e de indumentária, que usam não os acessórios mais caros da Sportzone, mas os adequados às suas necessidades, como um cestinho para as compras ou um atrelado para o bebé.
Lisboa ainda não é Amsterdão, mas já há ciclistas que cultivam o estilo. Para quem a bicicleta é um adereço integrado nos gestos quotidianos, um sinal de atitude, de status, de liberdade pessoal. Um símbolo social, tal como o carro é para grande parte das pessoas. A bicicleta também pode ser isso, com grande vantagem. Ao contrário do automóvel, em que, quanto maior é a sua exuberância, mais desaparecemos no seu interior, a bicicleta forma um todo com quem a monta. A sua escala é humana e por isso torna-se parte de nós, como acontece com um chapéu.
Uma bicicleta permite transformar todos os pequenos rituais que lhe estão ligados em gestos de charme, à vista de todos.
O desfile do "biciclete chique" chegava em grande ao Terreiro do Paço e era algo que merecia ser visto. Mas depois perdia a dignidade, porque não saía dali. Com todo aquele desperdício de material técnico-desportivo ou elegante, os ciclistas passavam o domingo às voltas à praça, porque não havia mais para onde ir. Bom, depois fecharam o Terreiro do Paço, para obras.
Os ciclistas não desistiram. São cada vez mais. Aos fins-de-semana, enchem Lisboa, como se nada fosse. Vejo-os da minha janela e não posso deixar de pensar que existe uma outra cidade, para além dos seus próprios limites físicos. Será que só da minha janela se percebe isto? As pessoas querem respirar, querem viver de outra maneira. Já o fazem e a cidade é cada vez mais um obstáculo.
Paulo Moura, Público 07.08.2009
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E se redescobrissem o campo ?
O Alentejo é imenso.
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Lápis L-Azuli
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1 comentário:
Eu que moro no campo, gostaria imenso de andar de bicicleta em Lisboa. Mas não era nos locais mais ou menos apropriados. Era mesmo na Av. Roma num domingo.
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