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Há dias Robin dos Bosques, a lenda inglesa do século XIII, voltou à ribalta prosaicamente como nome de taxa. Os jornais disseram que Sócrates “pode vir a aplicar um imposto sobre os lucros das companhias petrolíferas, que depois de cobrado será aplicado em causas sociais”.
Qualquer pessoa percebe que se trata de uma medida demagógica que nada resolve e que se destina apenas a fingir que o governo “tira aos ricos para dar aos pobres”.
Não se pense no entanto que esta manobra é um exclusivo de Sócrates e do seu governo, mesmo aqueles que se pretendem revolucionários fazem o mesmo. Quem não se lembra do slogan “os ricos que paguem a crise” e do “imposto sobre as grandes fortunas” durante a campanha eleitoral do BE ?
Pode dizer-se que a esquerda, de uma forma ou de outra, continua a cavalgar a ideia absurda de que os males da sociedade, das classes desfavorecidas da nossa sociedade, se resolvem distribuindo as riquezas dos poucos que as têm pelos muitos que padecem. Esta visão apoia-se no primarismo intuitivo e na inveja espontânea.
Mas os que defendem o “Estado Social”, e pensam estar a praticar a forma mais genuína de militância de esquerda “à Robin dos Bosques”, não percebem que, ao fazê-lo, perpetuam a dependência de um capitalismo forte cujo funcionamento produza os lucros, os salários e os impostos com que se paga o SNS, as Pensões de Reforma, a Escola Pública e uma série de outras coisas com maior ou menor utilidade.
Procedem como quem engorda um porco, neste caso o capitalismo, mas sem nunca chegar a matá-lo; limitam-se a ir cortando umas febras para enganar o estômago.
O que os números mostram é que a “distribuição ao povo” dos lucros da Galp, por exemplo, se traduziria numa redução ridícula de uns poucos cêntimos por litro no preço pago por cada consumidor.
Em 2005 os lucros dos 20 maiores potentados económicos portugueses, num ano de vacas gordas, só chegariam para cobrir cerca de metade dos "prejuízos" do Estado pois o défice orçamental ascendeu a 8.800 milhões de euros.
Prosseguem entretanto as tentativas para rotular e quantificar os ricos e os pobres, sempre sujeitas aos erros e absurdos que a nossa fraqueza estatística induz.
Recentemente a DGCI (Direcção Geral das Contribuições e Impostos) anunciou, para grande escândalo público, que os ricos estão a diminuir. Eram 40.774 , em 2005, e passado um ano já eram só 40.055.
Não convenceu ninguém pois existe a convicção generalizada de que os verdadeiramente ricos nem aparecem nas estatísticas fiscais, andam lá pelos “off-shores”.
Quanto à definição do que é um “rico” as opiniões dividem-se.
O BE a certa altura achava que um património de 750.000 euros já constituía uma “grande fortuna”. É caso para perguntar como se designa então um património como o do Belmiro de Azevedo ou mesmo de um Joe Berardo.
A DGCI acha que os ricos são os que têm um rendimento superior a 100.000 euros anuais mas não parece ter em conta que essas mesmas pessoas, se cumprirem as suas obrigações fiscais, entregarão ao Estado cerca de metade do seu rendimento ficando então com 50.000 euros.
Onde é que se deve traçar a fronteira entre os ricos e os pobres, com que critérios e com que autoridade ? E os “remediados”, ensanduichados entre os pobres e os ricos, são considerados de que forma para este efeito ?
Este tipo de abordagem comparativa é certamente muito estimulante e promete discussões intermináveis mas desvia as atenções do que mais importa.
Uma coisa é pensar-se, com razão, que os ricos se apropriam dos excedentes do sistema e que tudo fazem para manter o status quo; outra, bem diferente e que não convém confundir com a anterior, é pensar-se que para acabar com a pobreza basta repartir os pertences dos ricos.
Uma transformação profunda e sustentável da sociedade humana, com acesso a patamares económicos mais elevados para a generalidade dos cidadãos, só pode ser alcançada reinventando a organização social da produção e as relações de distribuição entre os seus agentes.
A justiça social, pela qual gerações se têm batido, só se realizará pelo advento de formações sociais muito mais produtivas do que alguma vez conhecemos. O capitalismo foi um salto enorme porque, quando surgiu, não se limitou a repartir os feudos; criou o comércio em larga escala e a manufactura.
Agora que está na ordem do dia perguntar-se quem é, ou não é, de esquerda (o nosso primeiro-ministro até acusou o BE e o PCP de terem cartórios para passar certidões) eu avanço com uma hipótese de definição:
Ser de esquerda é acreditar, e procurar, uma sociedade muito mais justa e muito mais produtiva que não se baseie no trabalho assalariado e na empresa capitalista.
Dilemas dos EUA, Rússia e China
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*O prof. **Michael Brenner**, no texto, anteriormente apresentado **(1)**, **referindo-se
à verborreia belicista n**a UE/NATO**,** sem potencial político,...
Há 1 minuto
6 comentários:
Um dos fundamentos onde as formações sociais capitalistas, no seu actual estado de desenvolvimento, pretendem ver legitimado o seu conceito de justiça social, assenta naquilo que é genericamente designado por “igualdade de oportunidades”. Ora, ainda que tal igualdade se verificasse, o que não é o caso em parte alguma do planeta, reverteria sempre em resultados diferentes, decorrentes das diferentes capacidades e aptidões com que a natureza dota cada homem.
Por essa razão, parece-me que enquanto a distribuição do produto for feita com base no critério do valor produzido por cada um, haverá sempre os que ficam com mais e os que ficam com menos. E aos que ficam com menos de todos os outros continuará a chamar-se “pobres”, independentemente da medida desse “menos”. A pobreza, tal como a riqueza, é relativa. Eventualmente, um pobre da Alemanha, da Suécia ou da Finlândia é rico quando comparado com um pobre português. Um pobre da Europa é rico se comparado com um pobre de África. E um pobre do século XX é rico se comparado com um pobre da idade média ou com um escravo.
O aumento da produção, independentemente da medida desse aumento, não me parece ser a chave para resolver a questão. Pelo menos por si só. O aumento da produção, por maior que seja, dará sempre igualmente origem a um correspondente aumento das necessidades, que por sua vez remeterá para a necessidade de um novo patamar de produção, o que constitui uma cadeia infinita e inconclusiva.
Para além do velho critério comunista – “de cada um conforme as suas capacidades a cada um conforme as suas necessidades” - não vejo outra forma de resolver o problema. Mas este princípio coloca a dúvida, levantada pelos críticos e pelos adversários, da sua conformidade ou não com a natureza humana, ou pelo menos da possibilidade da natureza da consciência humana poder vir algum dia a evoluir nesse sentido.
Posto isto, parece-me que uma das primeiras grandes questões a clarificar é: o que deverá ser entendido por justiça social, no quadro de um novo modelo de produção e distribuição a alcançar? – e admito que, relativamente a esta questão, o nível de desenvolvimento da consciência do homem contemporâneo lhe permita pelo menos já entender, como injusto, e por consequência ilegítimo, a apropriação, em proveito individual, da mais valia resultante do trabalho de um colectivo.
Mas, para além da questão do relacionamento do homem com o homem, tornou-se hoje também incontornável a necessidade de um novo modelo de relacionamento do homem com o meio. E isso remete para uma miríade de questões extremamente complexas, que o espaço deste comentário, embora abusivamente alargado, não permite.
nelson anjos
Caro Nelson Anjos,
em resposta ao seu interessante comentário:
- Não creio que a distribuição do produto seja feita, actualmente, "com base no critério do valor produzido por cada um". Primeiro porque não é claro o valor que cada um produziu e, segundo, porque há quem se limite a aplicar o capital e depois também beneficie (e de que maneira) da distribuição.
Penso que fazer corresponder a recompensa ao valor produzido é provavelmente o objectivo a estabelecer na próxima fase do desenvolvimento humano.
Se tal fosse alcançado teríamos as desigualdades baseadas "apenas" na diferente capacidade, aptidão e diligência. Já não seria nada mau.Poderíamos com maior rigor equilibrar socialmente os casos que o justificassem.
Não creio que possamos ter como objectivo razoável a total uniformização; haverá sempre (espero eu) pessoas mais altas, mais bonitas e mais inteligentes. Não queremos "corrigir" isso pois não ?
O carácter relativo e, por causa disso, insanável da "pobreza" é pois uma inevitabilidade.
Eu não disse que o aumento (quantitativo e qualitativo) da produção é suficiente, mas digo que é absolutamente necessário para haver progresso; isto se pretendermos transformar os "pobres do Darfur" em "pobres de Zurique", para usar uma fórmula simplista.
Penso que estamos a lidar precisamente com uma "cadeia infinita e inconclusiva", como sempre fizemos ao longo da história.
Será assim até que a natureza, ou os nossos próprios erros, levem ao desaparecimento da espécie como aconteceu com tantas outras.
Podemos imaginar, num registo mais optimista e longínquo, que os humanos evoluem e dão origem a uma nova espécie mais ineligente e mais justa que inicia uma nova história.
Caro Nelson Anjos,
Não vejo muito bem a relação que faz entre “igualdade de oportunidades” e “distribuição do produto feita com base no critério do valor produzido por cada um”.
Concordo consigo sobre a relatividade da pobreza e os exemplos que apresenta. (Pessoalmente considero que há um conceito absoluto de pobreza que passa por o indivíduo não ter meios para se alimentar, vestir, abrigar e tratar em caso de doença ou acidente; mas não é disso òbviamente que se está aqui a tratar).
O Nelson põe e muito bem o ênfase na “Justiça Social”.
Em nenhum aspecto da sociedade me parece que a Justiça passe por valorizar por igual aquilo que é diferente. Por isso, todas as teorias tendentes à distribuição igualitária são fantasias que a História se tem encarregado de desmontar.
Portanto, posto o “igualitarismo” de lado passemos a dois outros paradigmas de justiça citados no seu texto:
1-“de cada um conforme as suas capacidades, a cada um conforme as suas necessidades”
2- “igualdade de oportunidades”
Em relação ao 1º penso que de facto a natureza humana não vai por aí. Os exemplos são muitos: o “bom selvagem” nunca existiu, o “homem novo” não chegou a nascer, o cristão que ama o próximo como a si mesmo não passou de excepção (como os ermitas)...
A igualdade de oportunidades juntamente com a distribuição do produto com base no valor produzido por cada um parece-me ser o caminho certo.
É evidente que não é isso o que encontramos de facto na sociedade capitalista de hoje!
O sistema capitalista baseia-se na apropriação da mais valia por alguém que não a produziu; baseia-se no assalariamento. Sem um sistema diferente de relações de produção, onde de facto cada um retire dos resultados conforme o valor produzido, não se chega lá.
Bom dia, Rosa e Fernando
1 - Relativamente à suposta relação entre a questão da "igualdade de oportunidades" e os critérios da "distribuição do produto", não sei se existe ou não. É apenas a sintaxe pouco clara do meu comentário que de facto induz ao entendimento de que eu a concluí (a relação).
2 - No que respeita a opinião da Rosa, relativamente à possibilidade, ou não, de concretização do princípio "de cada um segundo as suas capacidades a cada um segundo as suas necessidades", admito-a como hipótese. Mas admito também o contrário. O fundamento historicista avançado pela Rosa deixa pistas que apontam num determinado sentido, e deve ser considerado. Mas não me parece suficientemente consistente para ser tomado como critério de juizo definitivo. Por mim vou continuar a reflectir e a manter a dúvida.
Afinal, até mesmo na ordem capitalista é possível verificar a ocorrência de algumas formas embrionárias de aplicação do princípio. Refiro-me, por exemplo, às formas de redistribuição realizadas através da atribuição dos mais diversos tipos de subsídios: subsídio de desemprego, abono de família, etc.
3 - Quando me referi à questão do valor, tomei-o no sentido que tem no quadro do ordenamento capitalista (por enquanto não existe outro); e, segundo o qual, em igual período de trabalho o valor produzido por um administrador do BCP é oitenta vezes superior ao produzido por um assalariado rural.
Quanto ao resto, no essencial estou convosco.
O que me parece é que estas questões, bem como todas as que se prendem com elas, deveriam constituir objecto de um amplo e continuado debate a todos os níveis da sociedade; e não vejo que os partidos, cada um deles acantonado em torno das suas pequenas verdades e certezas, e das preocupações no que respeita a táctica para as fazer prevalecer, sejam o modelo de instituição mais capaz para o fomentar.
cumprimentos
nelson anjos
Sinto-me ludibriado, eu a pensar que F. Penim Redondo respondia às minhas interpelações no Ladrões de Bicicletas e afinal "espeta" os seus posts nas caixas de comentários.
:-)
Caro João Dias,
umas vezes converto bocados de posts em comentários e, em contrapartida, outras vezes converto comentários em posts.
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