segunda-feira, julho 14, 2008

Tratamento de choque para eurocentricos

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O Público, em dois dias consecutivos (12 e 13 de Julho), publicou dois textos muito importantes para nos fazer perceber a transformação do mundo e nos prepararmos para ela. Enquanto isso, no Parlamento Europeu, havia eurodeputados que se entretinham a dissertar sobre como boicotar a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim.
Aqui ficam alguns parágrafos ilustrativos dos artigos de José Pacheco Pereira e de Francisca Gorjão Henriques:

Quem nos ouve fica com a impressão de que o mundo caiu num buraco monumental, de que não se consegue sair, e com o mundo todos nós atrás. E, no entanto, não é verdade. O mundo não está em "crise". Somo nós, países industrializados ocidentais, na Europa e nos EUA, que estamos em "crise", não é o mundo. Bem pelo contrário, o mundo está bem e recomenda-se.
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Na verdade, há uma gigantesca transferência de recursos entre os ricos do passado e os pobres do passado. Essa deslocação não se faz sem sobressaltos, sem que muito não fique pelo caminho e sem que muito vá parar a mãos pouco recomendáveis, mas nem por isso deixa de se estar a dar uma verdadeira revolução na qualidade de vida de milhões e milhões de pessoas, a começar pela China e pela Índia.
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A "crise" nos EUA e na Europa não é apenas económica - aliás, nada é apenas económico -, mas sim social, cultural, política, civilizacional e, só quando se vê neste conjunto, se percebe a sua importância e profundidade.
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Como todas as grandes mudanças, é turbulenta, há quem ganha e quem perca. Na actual "crise" estamos nós a perder, mas muito mais gente a ganhar e por isso convinha dobrar a língua quando falamos de crise. A nossa lamentação sobe aos céus, mas para muitos milhões de homens são palmas que se ouvem.

Pacheco Pereira, "A nossa "crise" e a (r)evolução deles", Público 12.07.2008


A classe média chinesa - entre 100 e 150 milhões de pessoas - é uma novidade com uma década, o tempo suficiente na China para várias mudanças que no Ocidente levaram 50 anos.
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Não é fácil integrar a expressão classe média no léxico de um regime que foi criado a partir do princípio da abolição de classes. Para não ferir sensibilidades políticas, tornou-se mais frequente empregar termos como "estrato de rendimento médio", "grupo de rendimento médio" ou apenas "estrato médio", escrevia o China Daily (jornal anglófono oficial) num artigo de 2004, onde era referido que o tema tinha saltado das notícia dos jornais para os documentos do Governo. E definia classe média como "um grupo de pessoas com rendimentos estáveis que podem comprar casas, carros e pagar os custos da educação e das férias".
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A pergunta que habitualmente se coloca a seguir é: o regime irá acompanhar a abertura com mudanças políticas? As respostas variam entre os dois extremos.
Por um lado, o regime passará a contar com uma larga camada da população que está feliz com a vida que leva e a quem, aparentemente, não falta nada. Por outro, também há quem defenda que esta nova geração de chineses, com mais estudos e mais habituados a obter o que desejam, leve a um aumento da pressão para que lhes sejam dadas outro tipo de escolhas, como por exemplo, a eleição dos seus líderes.
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Outras das interrogações: o planeta tolera as consequências deste aumento de produção? Annie Wang não dá hipótese. "Não venham dizer aos chineses que eles não podem andar de carro e que fiquem com as bicicletas. Eles têm que passar por isso." E é isso que explica que todos os dias se vendam mil carros em Pequim.
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Um dos fenómenos que tem contribuído para o aumento da classe média é a mobilidade dos camponeses para os centros urbanos. Nos próximos dez anos é previsível que haja 100 cidades na China com mais de três milhões de habitantes, e 700 milhões de pessoas com um razoável poder de compra (algo em que o Governo tem estado disposto a apostar para garantir que o crescimento da economia se mantém).

Francisca Gorjão Henriques, "A República Popular do Consumo", Público 13.07.2008

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