quinta-feira, setembro 29, 2005

Um instrumento maravilhoso num local fabuloso


(clique na imagem para ver versão ampliada do cartaz)


A Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado
e a Fundação das Casas de Fronteira e Alorna

Anunciam uma série de 6 (seis) Concertos Comentados de Guitarra Portuguesa Tradicional de Lisboa a ter lugar entre Outubro de 2005 e Março de 2006 no Palácio Fronteira Largo de S. Domingos de Benfica.

Datas: 8 de Outubro, 12 de Novembro, 10 de Dezembro, 14 de Janeiro, 11 de Fevereiro e 11 de Março. (2º sábado de cada mês)

É necessária reserva, com atempado pagamento, através dos contactos da

Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado (96 801 64 46)
e da
Fundação das Casas de Fronteira e Alorna (21 778 45 99)

Os instrumentistas são alguns dos melhores intérpretes da Guitarra Portuguesa de Lisboa, com respectivos acompanhamentos de Viola: António Chainho, João Torre do Vale, Paulo Parreira, Ricardo Parreira, José Pracana, José Elmiro Nunes, António Parreira e Carlos Gonçalves.

Preço: 20 euros (número limitado de lugares)

A Guitarra Portuguesa Tradicional de Lisboa tal como definida para estes concertos, é uma forma de tocar a Guitarra Portuguesa, na versão da Guitarra de Lisboa, que encontra cada vez menos praticantes profissionais, mas que mantém um interessante número de apreciadores. Requer uma linguagem não estritamente musical e sobretudo uma dádiva emocional do próprio executante.

Trata-se de uma manifestação rara e esta iniciativa da ACADEMIA DA GUITARRA PORTUGUESA E DO FADO, dedicada à defesa e protecção das nossas melhores e mais específicas tradições culturais, tem o apoio da Fundação das Casas de Fronteira e Alorna. Os Concertos, com comentários didácticos, realizam-se na Sala das Batalhas, no nobre e bonito Palácio Fronteira, ele próprio muito significativo para a apreciação da nossa identidade cultural.

domingo, setembro 25, 2005

O DOTeCOMe faz 5 anos



No dia 1 de Outubro de 2005 completam-se cinco anos de existência do DOTeCOMe (o site em que este blog se "integra", porque este blog é muito mais novinho).

Esta data é apenas uma convenção pois a verdade é que o site foi surgindo durante o Outono do ano 2000, ao sabor das experiências e tentativas.

Para não deixar passar em claro esta ocasião resolvemos tomar algumas iniciativas que poderá conhecer clicando na imagem.

quinta-feira, setembro 22, 2005

Imagens do Japão

Clique na foto para ver as fotografias feitas pela Joana Lopes no Japão.

terça-feira, setembro 20, 2005

Uma questão suína

Tradução de uma carta (VERDADEIRA!) que, segundo consta, o Comissário Europeu da Agricultura recebeu recentemente.




Senhor Comissário da Agricultura,

O meu amigo Robert, que vive na Bretanha, recebeu um cheque de 100.000 EUR da UE para não criar porcos estes ano. Por essa razão eu estou a pensar entrar no programa de não-criação de porcos no próximo ano.
O que eu gostaria de saber era qual é a melhor quinta possível para não criar porcos e também qual a melhor raça a não criar. Gostaria de não-criar Javalis, mas se eles não forem uma boa raça para não-criar, fico igualmente satisfeito se puder não-criar uns Landrace ou uns Large White.
O trabalho pior neste programa parece-me ser manter um inventário preciso do número de porcos que não criámos. O meu amigo Robert está muito entusiasmado quanto ao futuro do seu negócio. Criou porcos durante mais de 20 anos e o máximo que tinha conseguido ganhar foram uns 35.000 EUR em 1978... até este ano, que recebeu o tal cheque de 100.000 EUR para a não-criação de porcos.
Se eu posso receber um cheque de 100.000 EUR para não-criar 50 porcos, então receberei 200.000 EUR por não-criar 100 porcos, etc?
Proponho-me começar por baixo para depois chegar a não-criar uns 5000 porcos, o que significa que receberei um cheque de 10.000.000 EUR para poder comprar um iate e para outras necessidades urgentes.
Mas há outra coisa: os 5000 porcos que eu não criarei deixarão de comer os 100.000 sacos de milho que lhe estão destinados. Entendo, portanto, que irão pagar aos agricultores para não produzir esse milho.
Isto é: receberei alguma coisa para não-produzir 100.000 sacos de milho que não alimentarão os 5000 porcos que não-criarei? Pretendia começar o mais cedo possível, porque parece que esta altura do ano é a mais propícia à não-criação de porcos.

Com os melhores cumprimentos,

(Assinatura ilegível)

PS: Mesmo estando implicado no programa poderei criar uns 10 ou 12 porcos para ter algum presuntito para dar à família?

domingo, setembro 18, 2005

A propósito das "autárquicas" (em que não votarei)




LISBOA

a minha cidade comove-me
pois estes passos que se cruzam
vêm de há séculos caminhando
sobre estas pedras que ressoam

esta teia de gente sem destino
de trabalho de crime ou de cantigas
ponto de encontro átrio e viagem
de quem caminhando pisa sempre o mesmo chão

e não há outra cidade para mim
por mais gente que cruze as suas ruas
pois só minha cidade me alimenta
com a fome e o suor dos que passaram

só aqui se cumpre a minha vida
mais um passo do passado para o futuro
só aqui eu consigo acreditar
que tudo o que fazemos faz caminho

aqui é que eu faço filhos com os meus velhos sapatos
de quem sempre me despeço com desgosto
e nada me anima como subir estas calçadas
arfando e respirando este ar poluído

aqui é que me gasto como quem gasta as solas
e a morte faz sentido junto destas pedras
que me protegerão como uma mãe
sossegada e fresca como um beco

aqui onde o vento cheira a mar
é que apodrecemos voluntariamente
com o desplante dos cigarros
com que queimamos a impaciência

aqui é que os sons e as cores
falam a língua da memória
e só posso desculpar aqueles que partem
para não morrer de fome

aqui é que devemos entregar-nos à vida
para ela fazer de nós o que entendermos
aqui partilhando as ruas com todos
pois na rua somos quase iguais

aqui na nossa cidade não há lonjuras
entre nós só os preconceitos
a nossa cidade é o sonho quase feito
a grande festa que só espera um foguete

nela viajo estas noites clandestinas
que são o fel de cada manhã
na minha boca que não desiste
do segredo escrito pelas solas dos séculos

sobre as pedras lisas como crâneos semi-enterrados
continuaremos a cruzar-nos em todos os sentidos
da rosa dos ventos e da palavra
e só por causa disso eu não me canso

Lisboa, 1979
(Publicado em "O Diário", 1987)

quinta-feira, setembro 15, 2005

Mundos Perfeitos

____________________________________ Estocolmo, 2005 - FPR

Mundos Perfeitos
por Miguel Poiares Maduro

Imagine ter acesso apenas ao que lhe interessa. Acordar pela manhã e ler na Internet as notícias seleccionadas através de um filtro de conteúdos garantidos por uma entidade da sua confiança. Escolher a sua programação televisiva através da classificação de conteúdos feita por essa mesma entidade. Sair de casa e poder deixar os seus filhos numa escola com programas e currículos que reflectem totalmente as sua preferências morais e/ou políticas. Poder investir toda a sua acção política num objectivo social particular (proteger o ambiente ou garantir o direito à sesta por ex.) e viver numa comunidade de pessoas que partilhem essa mesma concepção do mundo. Um mundo perfeito? À primeira vista, nunca estivemos tão próximos de poder maximizar a nossa liberdade e autonomia individuais, construindo os nossos pequenos mundos perfeitos. Mas estes mundos aparentemente perfeitos não fazem um mundo perfeito.
Os custos de ouvir aquilo que nos é desagradável e estar sujeitos a ideias que não são as nossas, são a contrapartida de um espaço público: um espaço em que também podemos fazer ouvir as nossas ideias, tentar convencer os outros delas e, por vezes, nesse processo, ser também convencido por novas ideias (seguindo a tradição socrática de que a verdade é produto da nossa vontade autónoma mas apenas se constantemente questionada e desafiada por concepções alternativas). Acontece que as novas tecnologias, novas formas de organização social e a nossa crescente arrogância intelectual estão a unir-se para, paradoxalmente, promover, numa comunidade cada vez mais global e inter-dependente, comunidades de valores crescentemente insuladas e fechadas em si mesmas.
Infelizmente, esta tendência parece ser reforçada pela crescente irracionalidade do debate público. No mundo que estamos a construir, a arrogância intelectual só tem paralelo no relativismo moral. Uns estão tão seguros da sua verdade que apenas querem saber como a podem proteger e, se possível, impor aos outros. Outros, estão tão convencidos da ausência de qualquer verdade absoluta que apenas se preocupam em saber como fazer predominar a sua verdade relativa. Em ambos os casos, seja porque a verdade é óbvia ou porque não existe de todo, debater e argumentar deixa de fazer sentido. Isto reflecte-se quer na organização do espaço público (que é crescentemente limitado) quer na argumentação que nele prevalece. O que interessa é gritar mais alto ou fazer apelo a uma fé maior (religiosa ou, frequentemente, de outro tipo). Os argumentos da moda são assim os argumentos de “fé”. Estes não se destinam a convencer o outro mas a revelar a verdade. Só que a fé (num Deus, numa ideia ou num partido), apenas pode justificar uma verdade pessoal fundada numa relação individual com algo que racionalmente não podemos provar perante os outros. Por este motivo, não pode servir de base a um processo de argumentação perante aqueles que não partilham dessa fé. Para um argumento ser aceitável no espaço público ele tem de ter a ambição de convencer o outro e, para isso, tem de assentar em bases racionais que possam ser partilhadas por esse outro. Os nossos argumentos podem até não vir a convencer ninguém (suspeito que isso é frequentemente o caso com os meus argumentos...) mas, para serem válidos, têm de ambicionar comunicar com os argumentos e posições dos outros.

A mesma destruição do espaço público e da possibilidade de argumentar e discutir no seu seio resulta do relativismo absoluto que, no extremo oposto, ao aceitar todas as verdades não admite outro critério que não a força para resolver os conflitos entre elas. Não vale a pena argumentar, se não podemos entender os outros nem por eles ser entendidos.

Esta crescente balcanização das ideias no espaço público tem como consequência uma alteração substancial nesse espaço público e na nossa própria auto-determinação individual. Afecta a forma como definimos as nossas preferências individuais e como as tentamos compatibilizar e prosseguir através de decisões sociais que sejam aceitáveis (ainda que não partilhadas) por todos. A ambição do debate racional de ideias é substituída por uma competição entre visões alternativas do mundo que desistiram de nos procurar convencer para se apresentarem antes como verdades reveladas. Exprime-se uma opinião para tomar partido e não para desenvolver uma ideia. As ideias não interessam, o que interessa é quantos são e quantos somos. Já não há ideias no céu e cá na terra muito menos...

Mundos Perfeitos
por Miguel Poiares Maduro

terça-feira, setembro 13, 2005

A Colisão na Comunicação


COLISÃO, “Crash”, é um grande filme sobre a complexidade (improbabilidade ?) da comunicação entre os humanos.

Quase todos as vítimas deste flagelo insistem, no filme, em dizer “eu também sou americano” mas os seus “mundos pessoais” mostram-se irremediávelmente distantes. COLISÃO não trata específicamente das questões sociais e raciais da América mas sim da incomunicabilidade humana; nós podemos dizer “eu também sou humano” mas as dificuldades de comunicação persistem.

Em Portugal notou-se muito a passagem de apenas um posto de televisão para os actuais quatro (agora aumentados pelo cabo). De repente deixou de ser garantido que o colega do emprego tinha visto, na véspera, o mesmo debate ou novela como acontecia antes o que sem dúvida facilitava o diálogo por, ao menos, se partir de objectos idênticos.

Na vida, através dos sentidos, cada um de nós vê constantemente “um programa” diferente. Como se isso não bastasse o nosso mecanismo interpretador do “programa” não funciona da mesma forma que o do nosso vizinho do lado, ou do prédio da frente.

Do “mundo pessoal” do outro o que nos chega são apenas objectos materiais; um papel com signos, umas vibrações do ar, a rugosidade da sua pele, uma expressão do rosto...
Ou seja muito pouco, vestígios que penosamente tentamos decifrar.

Em COLISÃO o que colide não são essencialmente os automóveis mas sim os “mundos” que vogam no vazio de Los Angeles (nas cenas iniciais há uma referência muito interessante ao facto de os habitantes da cidade não terem oportunidade de se cruzar como numa cidade normal).

A sociedade humana, perante a incomunicabilidade, respondeu com as classificações, as categorias, os estereótipos (o preto, o operário, o chinês, o sem abrigo, o árabe, o “pato bravo”, etc, etc.). Em sociedade é quase impossível sobreviver sem estas formas de simplificação/deturpação. Não podemos, óbviamente, falar durante umas horas com todos aqueles com que nos cruzamos para tentar perceber melhor a sua individualidade.

O autor de COLISÃO brinca com o expectador quando, por exemplo, os dois pobres negros vítimas de discriminação se convertem de um momento para o outro em ladrões de automóveis e as pobres vítimas do roubo do automóvel são afinal também desiquilibrados racistas eivados de preconceitos. Ou seja, as taras justificam os preconceitos e os preconceitos justificam as taras, num jogo rotativo que não tem fim.

O drama social reside na transposição para as relações interpessoais das categorias sociológicas, ou dos estereótipos, que são imprescindíveis para a “compreensão” da realidade social: as classes, os grupos étnicos, os escalões etários, as orientações sexuais, e outros.

A cena em que o polícia mata o negro a quem tinha dado boleia por pensar que ele vai puxar uma arma quando se tratava de tirar do bolso uma imagem de um santo, ilustra bem o facto de as circunstâncias nos criarem muitas vezes armadilhas fatais. Neste caso uma decisão baseada no estereótipo mas da qual dependia a vida ou a morte.
Brecht trata este tema do “expectável” em termos sociais e de classe quando, em “A Excepção e a Regra”, durante a travessia do deserto o carregador entra de noite na tenda do patrão para partilhar com ele um restinho de água e é abatido com um tiro.

O patrão é absolvido em tribunal pois o juiz reconhece que nas circunstâncias verificadas, tendo nos dias anteriores o patrão tratado brutalmente o carregador, o patrão nunca poderia esperar deste um acto de generosidade.


Aceder ao Site do Filme

segunda-feira, setembro 12, 2005

Galeria do Poster Polaco



Não resisto a fazer uma recomendação entusiástica para que visitem esta maravilhosa galeria /loja de posters polacos on-line.

Espero que os exemplos aqui apresentados sejam suficientes para activar a vossa curiosidade.

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(clique nas imagens para aceder à galeria)

quarta-feira, setembro 07, 2005

A depressão é a esperança da revolução

Graffiti de Klaus Klinger


A depressão é a esperança da revolução
por Miguel Poiares Maduro


Nos tempos da revolução havia um clássico graffiti ou slogan de parede que dizia que a revolução era a esperança dos oprimidos. Há dias, ao passear por Lisboa, dei de caras com uma nova versão: "a revolução é a esperança dos deprimidos". Nesta mudança de uma palavra está grande parte da mudança que se processou em Portugal. Hoje, os portugueses já não se sentem oprimidos mas sim deprimidos! Talvez seja por isso que a política já não promete soluções mas sim optimismo. É a política prozac: como é difícil curar as causas da doença combate-se a sensação de mal-estar que ela causa.

Muito do que está escrito (frequentemente mal escrito…) nas nossas paredes reflecte muito do que mudou no nosso país desde os tempos da revolução. Os graffitis são um espelho do que se alterou na concepção do mundo dos portugueses, na sua esfera pública e privada.

Em primeiro lugar, a grande maioria das pinturas de parede deixaram de ser políticas para passarem a ser pessoais. Esta é a primeira forma de pessoalização do espaço público. Só que até a natureza das mensagens pessoais gravadas nos espaços públicos mudou: o clássico "Maria amo-te" é cada vez mais substituído por referências explícitas ao fazer amor com Maria…A fazer fé no que se lê nas paredes de Lisboa os portugueses estão hoje muito mais confortáveis com a exposição pública da sua vida sexual: aquilo que antes se lia nas portas de uma casa de banho pública hoje é escrito nas paredes de uma qualquer casa de Lisboa… O amor (talvez porque é muito mais íntimo que o sexo) quase desapareceu dos muros de Lisboa (esperemos, aliás, que não tenha desaparecido de todo!). Do que os portugueses parecem gostar de falar em público é de sexo, o seu e o dos outros. Deprimidos mas entretidos, dir-se-ia.

Mesmo quando as mensagens políticas subsistem elas abandonaram a utopia revolucionária (como dizia outro slogan, não há revolução de gravata…) e o conflito de classes (trabalhadores do mundo, investi, podia ser o novo lema) para passarem a exprimir uma insatisfação existencial (o aborrecimento ou a depressão são os sentimentos mais frequentes na expressão política nas nossas paredes). Também aqui há uma certa pessoalização. Já não são grandes visões do mundo (que destino Portugal?) e de certas ideologias que comandam a relação dos portugueses com a política mas sim uma apreciação centrada no impacto que a política tem em cada um de nós. Esta pessoalização da política, com o consequente abandono do idealismo (um juízo assente no eu e já não num destino comum ideal) é, no entanto e ao contrário do que por vezes se afirma, positiva. É que é através deste interesse individual que a participação e a responsabilidade política melhor funcionam. O que não podemos é confundir esta crescente visão pessoal da política com a negação de um destino colectivo que implica que nem sempre os nossos interesses pessoais prevaleçam.

Hoje, os portugueses, felizmente, já não se sentem oprimidos mas também já não acreditam em promessas de "mundos perfeitos". E ainda bem que as novas gerações já não crêem em utopias. As utopias políticas apenas conduziram a pesadelos. Para parafrasear um outro slogan famoso é a imaginação que deve aceder ao poder e não a utopia. A imaginação, ao partir da realidade, respeita o mundo. A utopia, ao pretender subverter a realidade, instrumentaliza o mundo e os que o habitam ao serviço de uma qualquer ideologia.

A liberdade e a democracia banalizaram-se e, com isso, tomámos simplesmente consciência de que não existem soluções perfeitas ou milagrosas. No entanto, podemos ter conquistado liberdade e autonomia mas ainda não aprendemos a viver com o risco e a insegurança que isso comporta. Portugal é hoje uma sociedade livre cujo povo ainda não se sente totalmente confortável a viver em liberdade. A autoridade oprime mas dá segurança e estabilidade. Daí, o instinto tão forte em Portugal para o proteccionismo e o imobilismo. Quando em Portugal se evoca o passado não é no bem estar que se pensa mas sim na segurança. Não tanto a segurança física mas sim a segurança de conhecer e ter garantida uma certa forma de vida, mesmo que não seja uma grande vida. A depressão de que sofrem os portugueses tem origem na dificuldade em lidar com o risco inerente ao exercício da liberdade e manifesta-se hoje, de forma particularmente forte, devido aos desafios actuais à nossa tradicional forma de vida.

Mas esta depressão traz, no meio do pessimismo generalizado, sinais positivos. Os portugueses cada vez acreditam menos em slogans maniqueístas e cada vez se mostram mais abertos a debater o nosso modelo de sociedade. O verdadeiro dilema português está, como já aqui escrevi uma vez, na dificuldade em optar entre uma sociedade de fidelidades pessoais que protege as posições adquiridas de muitos portugueses mas limita a capacidade de renovação e mobilidade social ou uma sociedade assente no mérito que premeia os melhores e promove a inovação e dinamismo social mas comporta maiores riscos e insegurança nas expectativas da vida dos portugueses. Por um lado, só existe verdadeira liberdade quando sabemos que podemos ser premiados pelas iniciativas que tomamos e as competências que demonstramos. Por outro lado, a concorrência e o risco que essa liberdade traz assusta-nos. O que é também importante notar é que uma sociedade mais proteccionista e menos meritocrática não produz necessariamente mais igualdade. Portugal é hoje um bom exemplo: somos o país com maior desigualdade na distribuição do rendimento dos 25 Estados da União Europeia.

É este questionar colectivo que é o aspecto mais positivo da nossa proclamada depressão. Hoje, a discussão política não é apenas sobre eles (os políticos) para ser também sobre nós (os portugueses). Mas é importante que a culpa que se atribuía sempre aos políticos (esses seres diabólicos de outros planetas que ocupavam o corpo de inocentes cidadãos portugueses…) não seja simplesmente transferida para os portugueses (cujo carácter nos destinaria ao atraso e subdesenvolvimento). Ao contrário do que dizem algumas vozes ilustres: o problema não são os portugueses (e, com isso, eles querem dizer todos os portugueses menos eles), o problema é o nosso modelo de sociedade. Compete aos portugueses decidir que modelo querem. Também aqui, no entanto, é importante não esperar por um qualquer Dom Sebastião. Somos nós e não eles quem tem que decidir alguma coisa.

Para já, a depressão sentou-nos no sofá num processo positivo de psicanálise colectiva. E agora que falamos abertamente dos nossos traumas colectivos, temos duas opções: ou passamos de deprimidos a abatidos ou agimos sobre eles. Eu tenho algum optimismo. Acho que esta depressão é sinal de que os portugueses estão finalmente a descobrir a verdadeira política: desconfiam de messianismos e de grandes utopias, mobilizam-se para lá dos partidos (sem os substituir), esquecem os slogans e concentram-se nos problemas. Falta "apenas" criar confiança no sistema político, de forma a que este possa traduzir essa vontade de reforma em soluções que, mesmo que contestadas por alguns, apareçam como legítimas aos olhos de todos. Como se poderia escrever nas paredes: será a depressão o instrumento da revolução?


por Miguel Poiares Maduro
Miguel.Maduro@curia.eu.int

sábado, setembro 03, 2005

Uma lufada de ar fresco ?...


Professora de música quase candidata


"MANUELA Magno, professora da Universidade de Évora que anunciou a sua candidatura às presidenciais em 29 de Fevereiro de 2004, já conseguiu reunir mais de 4500 proponentes dos 7500 que a lei impõe como mínimo para poder concorrer àquele acto eleitoral.

O seu propósito nunca foi tomado a sério nos meios políticos mas a verdade é que Manuela Magno já tem sede de campanha em Lisboa e conta encerrar a lista de apoios até ao final deste mês de Setembro.

Segundo a própria, trata-se de «uma candidatura independente dos partidos políticos e dos grupos económico-financeiros que faz todo o sentido enquanto projecto colectivo de cidadania». Tem 52 anos e nasceu em Lisboa, onde se manteve até 1978, altura em que se licenciou em Física Nuclear na Faculdade de Ciências. Mas a sua grande paixão era a música, pelo que foi para Nova Iorque, onde se matriculou na Universidade de Columbia. Nos oito anos que lá permaneceu, licenciou-se, tirou o mestrado e doutorou-se em Música, com especialização em Direcção de Orquestra.

No regresso a Portugal, ensinou na Universidade de Aveiro. Há nove anos que mora no concelho de Arraiolos, no distrito de Évora. Na Universidade local, é professora auxiliar no Departamento de Artes (Secção de Música), preside ao Conselho Pedagógico e pertence ao Senado da instituição. As causas cívicas e sociais sempre a mobilizaram. Por isso, é membro de diversas organizações não-governamentais como a AMI (Assistência Médica Internacional), a Amnistia Internacional, a Associação 25 de Abril, a Deco e a Quercus.

Nunca pertenceu a qualquer partido e só despertou para a política há dois anos, em circunstâncias peculiares: «Quando fiz 50 anos, a prenda que ofereci a mim própria foi uma Constituição comentada e anotada, que estudei a fundo. Da sua leitura, concluí que o Presidente da República, eleito, como é, com o patrocínio partidário, não pode ser isento e muito menos garante da estabilidade».

Manuela Magno começou então a pensar numa pessoa independente que pudesse candidatar-se apenas com o apoio dos cidadãos. E resolveu que essa pessoa seria ela própria. Comunicada a intenção a vários amigos, estes incentivaram-na a avançar. O mais conhecido dos seus proponentes - espalhados pelo continente e ilhas e pelas comunidades portuguesas de Amsterdão, Toronto e Newark - é o filósofo José Gil."

Expresso, 3 Agosto 2005

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Tiro o meu chapéu pela coragem da iniciativa e comecei a investigar para ver se posso sucumbir à tentação de apoiar, contra os partidos, uma pessoa "normal" para a Presidência.


Site da Manuela Magno

Blog da Manuela Magno

segunda-feira, agosto 29, 2005

Em tempo de presidenciais...


Sempre me fascinou a obsessão pelo tempo que tinha o malogrado Presidente Américo Tomás!

Ora vejam:

“Decorreu célere, como os que o precederam, o ano que acabou de sumir-se na voragem insaciável do tempo. Outro o substituiu, para uma vida igualmente efémera. Nesta mutação constante, afigura-se haver agora um fenómeno de visível incongruência, pois, quando tudo se processa a ritmo que se acelera constantemente, pareceria lógico que de tal circunstância resultasse um aparente alongamento do tempo e não precisamente o inverso. Mas a verdade é que, quanto mais aumentam as velocidades e o ritmo da vida, mais rapidamente, também, o tempo parece correr, donde se sempre o presente, mal o é, se torna logo em passado, nunca, como nos nossos dias, tão evidente verdade parece mais evidente.”

(Mensagem de Ano Novo, 1/1/1966)

A celeridade da Justiça...



A INFRACÇÃO


O carro que transportava o presidente do Tribunal Constitucional, Artur Maurício, foi apanhado a uma velocidade de 200 quilómetros por hora na auto-estrada do Sul (A2), na passada terça-feira, cerca das 12h00. Segundo noticiou ontem à noite a TVI, a Brigada de Trânsito da GNR detectou a infracção, mas quando o motorista (membro do corpo especial da PSP) do juiz conselheiro recebeu ordens para parar não lhe foi aplicada a coima por excesso de velocidade. A estação televisiva adiantou também que, para além de a multa não ter sido paga no acto da infracção, não foi apreendida a carta de condução do motorista nem solicitados os restantes documentos. Artur Maurício não quis prestar esclarecimentos à TVI, mas o seu chefe de gabinete, Carlos Brito, afirmou que "o presidente não está permanentemente atento à velocidade a que vai o veículo". E acrescentou ser "provável" que tenham sido "ultrapassados os limites exigíveis". Questionado sobre o não pagamento da coima, Brito respondeu: "[O presidente do Tribunal] sentiu que estava a cumprir uma missão de interesse público e que não devia pagar na altura." Num comunicado enviado à redacção da TVI, o Comando da GNR sustentou que a BT não multou o motorista de Artur Maurício porque o condutor invocou uma "questão de urgência". Carlos Brito alegou que o juiz conselheiro se dirigia para uma reunião agendada para as 15h00.

Publico, 27 de Agosto 2005

terça-feira, agosto 23, 2005

Quem diz que a história não se repete?!

A implantação da Républica



Terminou no Domingo passado a LISBOAPHOTO2005.

Não é de ânimo leve que se percorrem as fotografias de Joshua Benoliel.

Perante elas revivemos cenas da nossa infância onde as vivências que as imagens mostram nos foram transmitidas pelos nossos pais e avós, quer nas histórias que nos contavam quer em muitos dos seus hábitos e princípios.

Há uma sensação familiar ao sermos confrontados, literalmente cara a cara, com um país intrinsecamente rural e bisonho muito mais preparado para Fátima do que para a Republica. E o que é arrepiante é apercebermo-nos de que se “lavássemos a cara” aos figurantes e modernizássemos tecnològicamente o cenário, teríamos o país de hoje.

Tocou-me especialmente a fotografia dos lisboetas anónimos apinhados num automóvel que conduz um oficial da marinha durante a revolução republicana.

Tal como em 1910, também no 25 de Abril os lisboetas anónimos subiram para as chaimites e vitoriaram os militares que lhes abriam a porta para um mundo maravilhoso onde os desejos de cada um se iam finalmente realizar!
Tal como em 1910, também em 1974 se criou nas massas uma enorme onda de expectativa que serviu de alavanca para as alterações da super-estrutura politica; tal como então, na ausência de um projecto social e politico coerente, rapidamente se aprofundou o fosso entre os novos senhores da politica e a sociedade.

Quem diz que a história não se repete?!


Greve na CUF

sábado, agosto 20, 2005

Como é possível ?!?



Dois casos paradigmáticos da inépcia cultural.

Há anos que estes dois edifícios emblemáticos de Lisboa, o Pavilhão de Portugal na Expo e a Casa dos Bicos em Alfama, se encontram sem préstimo.

Como é possível ?!?

quarta-feira, agosto 17, 2005

Prisioneiros do Futuro



Prisioneiros do Futuro
por Miguel Poiares Maduro

Há dias foi anunciado que Portugal apenas atingirá o nível económico médio europeu dentro de 110 anos.

Não sei qual é a base para uma tal previsão mas anunciada assim parece ridícula. Em 110 anos, o mundo e Portugal podem sofrer as maiores transformações pelo que sabemos, até podemos ser invadidos por extraterrestres que percebam de economia ou vir a ter uma geração clonada a partir de uma qualquer célula do António Dâmaso! As circunstâncias que podem afectar o crescimento económico da Europa e de Portugal são tantas que uma previsão deste tipo e a tal distância não faz sentido (é provável até que o estudo assente na presunção de que "tudo se manterá como está" e, nessa medida, a sua conclusão é apenas uma análise crítica do nosso actual modelo de crescimento económico).

Sempre me impressionou esta importância que atribuímos à previsão do futuro. Queremos antecipar o nosso destino. Só que conhecer o que o destino nos reserva pressupõe que o nosso destino já está reservado. E é aqui que está o problema querer conhecer o futuro é negar que somos nós que o determinamos. É deixar-se conduzir em vez de tentar conduzir um pouco. Como é que se pode prever a nossa evolução económica para os próximos 110 anos?

Só presumindo que somos prisioneiros de nós próprios e que não podemos mudar. Isto é a negação da nossa própria humanidade e da liberdade que lhe é inerente. Mesmo para quem não é católico, o episódio do pecado original é belíssimo a esse respeito. Porque teria Deus permitido a Adão e Eva que pecassem e porque teriam eles vontade de pecar estando no paraíso? Só encontro uma explicação o acto de rebeldia permitido por Deus é o reconhecimento da liberdade humana. Mas ao libertarem-se, Adão e Eva deixam de estar protegidos no paraíso e passam a ser responsáveis pelo seu destino. São eles e não Deus que o determina. Deus pode julgar mas não escolhe.

Sendo assim, é absurda a importância que na nossa sociedade adquiriu a noção de destino e toda uma indústria de previsões do futuro. Não existindo um futuro pre-determinado, acreditar no destino é acreditar naqueles que nos lêem o destino (escrito nos astros, nas cartas ou até nas borras de café).

Ao acreditarmos nessas previsões ficamos prisioneiros de quem as faz. Tornamo-nos os seus executantes. Nunca demonstraremos que são falsas porque nós mesmos garantimos, através da nossa obediência, a sua concretização.

Admito, por exemplo, que a colocação dos astros quando nascemos até possa determinar alguns tratos da nossa personalidade (há tantas coisas que podem influenciar o que somos, desde os genes que temos à cara da enfermeira que vimos quando nascemos…). Mas não consigo compreender como se passa da influência dos astros na nossa personalidade à previsão de acontecimentos específicos.

Será que de uma concentração de "Balanças" se deve esperar uma grave perturbação pública ou que o facto de o Sporting ter 11 Capricórnios a jogar garante a vitória no campeonato nacional? Por que motivo hão-de os astros permitir prever certos acontecimentos? Não será que a nossa ansiedade em saber o que o futuro nos reserva é antes um escape para o que sentimos ser a nossa impotência em lidar com ele?

A nossa descrença num futuro aberto resulta da nossa dificuldade em saber o que fazer com esse futuro. Não é que nos falte vontade de ter a liberdade de determinar o futuro. Falta-nos é a vontade de escolher o que essa liberdade implica. É que o insucesso resultante da não decisão pode ser atribuído ao destino ao que nos aconteceu ou estava reservado. O insucesso resultante de uma nossa decisão é antes visto como sendo da nossa responsabilidade: "foste tu que fizeste isso a ti próprio!". Daqui resulta uma enorme tendência para imobilidade perante a vida e o destino.

Quem nada faz e é infeliz tem a pena de todos era esse o seu destino. Quem tenta mudar o seu destino é um aventureiro. Socialmente, somos induzidos à inércia. Daí que até a mudança, para ocorrer, tenha por vezes de ser promovida pela antecipação de um destino diferente. Essa é também uma razão para o recurso aos astros e a outras "ordens do futuro": procurar uma responsabilização alternativa ("os astros são quem mais ordena"). Mas essa é apenas uma outra forma de perder a liberdade.

Em Portugal, o futuro é mais irreversível do que a História. Perante a História adoptamos muitas mais liberdades. Paradoxalmente, achamo-nos donos da História e escravos do destino. Mudamos a História de acordo com a nossa necessidade de justificar ou legitimar diferentes opiniões ou sentimentos. É que a História, ao contrário do futuro, não é vista como sendo da nossa responsabilidade e até serve para nos demitir de responsabilidades ("foi sempre assim").

Frequentemente, a História muda não porque muda o nosso conhecimento dela mas sim porque mudam as nossas necessidades quanto ao que concluir com base nela. É curioso como em Portugal uma pessoa teimosa, ortodoxa, fundamentalista, passa, após a morte, a ser definida como coerente, íntegra, corajosa. Não há nada como a morte para mudar a história de uma vida. A História não muda, mas o que muda é a nossa história da História.

Exercemos a nossa liberdade na forma como contamos diferentes Histórias da nossa História. É que a História é uma construção da memória e, como tal, sugestionável. É mais fácil reescrever a História do que escrever o futuro. E quanto mais distante a História mais fácil é de nos apropriarmos dela. Ninguém pode lá voltar para controlar a nossa versão.

Não temos medo de manipular a História mas temos um enorme receio de tomar conta do destino. Exercemos a nossa liberdade para justificar onde estamos mas não para determinar onde vamos. E, no entanto, só há uma coisa certa no nosso destino a morte. E mesmo essa, se puder, evito-a.


por Miguel Poiares Maduro
Miguel.Maduro@curia.eu.int

domingo, agosto 14, 2005

O destino da Colecção Berardo



Mais uma coisa a correr bem.
A 19 de Maio denunciámos as hesitações do Governo em relação a "uma casa para a colecção Berardo".

Agora, segundo o Expresso, a situação parece resolver-se:

O Antigo Museu de Arte Popular, em Belém, é o mais provável destino da Colecção Berardo. O empresário madeirense que fez fortuna na África do Sul ameaçou levar para o estrangeiro a sua colecção - uma das mais valiosas do mundo em arte contemporânea - no caso de o Governo português não assegurar um local condigno para a expor. Actualmente, parte da colecção está em exibição em Sintra, no edifício do antigo casino, e no Centro Cultural de Belém.

O antigo Pavilhão de Portugal, no Parque das Nações, seria uma solução satisfatória, mas Berardo prefere a que está actualmente a ser trabalhada e contempla um enriquecimento da zona envolvente do Mosteiro dos Jerónimos.

O edifício do Museu de Arte Popular, um legado da Exposição do Mundo Português de 1940, albergará o núcleo central da colecção, que terá uma extensão no CCB.

A cereja no topo do bolo desta proposta consiste na sugestão de Berardo de instalar ao ar livre, na zona entre a Torre de Belém e o Padrão dos Descobrimentos, uma obra de arte pública de grandes dimensões.

«Sonho com uma obra de grande qualidade e impacto que possa tornar-se um ex-líbris de Lisboa, tal como a Torre Eiffel é de Paris ou o Empire State Building é de Nova Iorque», explica Joe Berardo.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Aviso à navegação











Soube agora mesmo que "A Ópera de Três Vinténs", no Teatro Aberto, só estará em cena até Domingo dia 15 de Agosto.

Quem ainda não viu esta versão do clássico de Brecht, com a esplendorosa música de Kurt Weill,


que se apresse....

quarta-feira, agosto 10, 2005

A carta que escrevi a mim mesmo (há 40 anos)

Num outro Agosto, há exactamente 40 anos, publiquei no Diário de Lisboa este poema...



ANTEVISÃO

Ponho-me a pensar
na recordação que perdurará desta tarde
quando o momento-agora
se precipitar no abismo guloso
que é o futuro

É uma tarde vulgar
com conversas banais
com a criada a passar a ferro
num canto do quarto
com a miudagem a gritar lá fora no quintal
brincadeiras que eu já não entendo
com alguém a chamar da varanda
um chamamento sem resposta
que desiste
e entra batendo a porta atrás de si.

Nisto tudo só o vento destoa
como se fosse lá fora um grande búzio
gritando e gemendo simultâneamente
num vendaval
que eu sei que não existe.

Daqui a muito tempo terei eu talvez
perdido este espanto-sempre
que colho como uma flor de vez em quando
e alinho em versos rabiscados.

Estarei talvez um homem de meia idade
obeso e careca
com a carne flácida e sem frescura
já na curva descendente
que acaba sempre no mesmo sítio.

Talvez toda a minha angustia de agora
que não tem razão (pelo menos aparente)
se transforme nessa altura
numa raiva surda
pela mocidade que já não volta
por esse estranho sabor
de ter o corpo todo em flor
cantando hinos ao sol e ao mar
que so sente na juventude
e eu me tome alguém sádico
e vulgar
e estranhamente convencido de mim
e só de mim
e tenha um riso velho
e goste só de chispe e cozidos
e dobrada e aguardente.

Talvez até me ria
ao saber que alguém tem a mania de escrever versos.

Talvez até me ria
e diga piadas
e faça força cá dentro
para sepultar as recordações
de tardes como esta.

E se acaso algum dia estiver só
e sentir a minha vida escoando-se vazia
talvez procure numa velha mala
estas páginas com versos rabiscados
e consiga num momento de abstracção e sonho
ouvir o vento desta tarde banal.

Fernando Penim Redondo
Diário de Lisboa, 27/8/1965

segunda-feira, agosto 08, 2005

Oito mil discos de 78 rotações



Finalmente alguma coisa corre bem. Parece que o Ministério da Cultura e a CML, ajudados por mecenas, vão adquirir a fabulosa colecção de discos de fado do inglês Bruce Bastin. Nas palavras do DN:

Manassés de Lacerda, Reinaldo Varela, Luís Petroline, Júlia Florista, Roberto Catão, José Bastos, Isabel Costa, Almeida Cruz, Eduardo de Souza, Rodrigues Vieira, Delfina Victor, Maria Vitória. Nomes de velhas glórias do fado inscritas na memória popular, sobre a maioria das quais não havia sequer certeza de que alguma vez tivessem gravado a sua arte. O único testemunho documental dessa importante parcela da história cultural portuguesa encontra-se em Inglaterra, entre o espólio de oito mil registos em discos de 78 rpm que o coleccionador Bruce Bastin acumulou ao longo das últimas três décadas. Um acervo dedicado ao fado, mas onde se guarda também algum repertório de revista, de outras formas de música popular tradicional e até encenações históricas - como uma gravação do texto da proclamação da República. Os títulos mais antigos remontam a 1903 e esta é unanimemente considerada a mais valiosa e importante coleccção de fado do mundo.

Um número significativo dos registos em posse de Bastin representam as únicas cópias conhecidas de algumas gravações e só se soube da sua existência através da sua colecção. De algumas delas, o coleccionador inglês guarda até mais que um exemplar.

"É uma colecção deslumbrante que permite reconstituir uma importante parte da nossa história cultural", explica Rui Vieira Nery. "Com ela vamos finalmente conseguir aferir com certeza a evolução do fado que fados se cantavam no século XIX ou nas décadas de 10 e de 20, período de grandes transformações sociais e culturais? Que tipo de formas musicais e poéticas se usavam?"

O espólio encontra-se rigorosamente organizado e catalogado, como de resto foi testemunhado pela primeira delegação enviada a Inglaterra em Novembro de 2001 pelo então ministro da Cultura, Augusto Santos Silva. No parecer resultante dessa primeira visita, Joaquim Pais de Brito, director do Museu Nacional de Etnologia dava testemunho da "importância única deste acervo". Em 2003, uma segunda delegação liderada por elementos da Egeac - empresa da Câmara Municipal de Lisboa que gere a Casa do Fado - aconselhou a compra do espólio, então constituído por cinco mil discos de 78 rpm. Nessa altura, a Casa do Fado possuía apenas 50 registos deste tipo.

Coleccionador compulsivo de discos desde a juventude, Bastin detém começou a perseguir registos de música portuguesa rara na década de 70. Em Inglaterra, nos Estados Unidos e um pouco por toda a parte, onde quer que o circuito dos coleccionadores o levasse. Mas também em Portugal. Em 1990 garimpou uma importante parte do seu espólio num velho armazém do Porto. Centenas de discos postos de parte há anos, desde que novos equipamentos os deixaram de ler. Abandonados por quem não lhes percebia o valor. Bruce Bastin percebeu.


ver mais sobre a influência na candidatura à UNESCO

sábado, agosto 06, 2005

Hiroshima, 6 de Agosto de 1945, 8:15 A.M.




Museu de Hiroshima

domingo, julho 31, 2005

Descobrir Josef Koudelka


A magnífica exposição Espelho Meu no CCB, para além de outros fotógrafos importantes, levou-me à descoberta de Joseph Koudelka.

As fotos aqui mostradas nem são, quanto a mim, as mais significativas. No CCB ele tem toda uma série de "paisagens desertas" que é simplesmente fabulosa.

Uma maneira de gozar o Agosto em Lisboa e aproveitar para perceber que Portugal continua, como antes, a não rimar com cosmopolitismo.

sexta-feira, julho 29, 2005

Salazar preocupado com o PREC


“As letras estão fundidas no bronze ou simplesmente aparafusadas? É que se estão fundidas no bloco de bronze vão dar depois muito trabalho a arrancar”.

(Salazar, 6 de Agosto de 1966, dia da inauguração da Ponte sobre o Tejo, quando viu o seu nome num dos pilares)

Olha quem voltou



Publicado no genial "Inimigo Público":

Américo Tomás pode ser a surpresa da direita

Perante dois candidatos de centro-esquerda, a direita procura afanosamente um presidente e, à hora do fecho desta edição, já ia em Américo Tomás.
Com Paulo Portas ausente nos Estados Unidos e Sidónio Pais oficialmente morto, a direita portuguesa sente-se desamparada e não se revê nos candidatos que se perfilam no horizonte, especialmente em Freitas do Amaral, que considera uma espécie de Rosa Luxemburgo com um latifundio na Quinta da Marinha e três Rolex.

quarta-feira, julho 27, 2005

Are you talking to me?




por Miguel Poiares Maduro

Are you talking to me?
Esta frase, proferida pelo personagem de Robert de Niro em Táxi Driver, é um clássico. Recentemente, numa eleição do American Filme Institute, foi considerada uma das frases mais marcantes da história do cinema. E, no entanto, em si mesma, esta frase é de uma banalidade confrangedora: "Estás a falar comigo?" Foi o contexto (a que propósito foram ditas mas também como foram ditas, como foram escutadas, e a quem e por quem foram ditas) que deu um significado particular a estas palavras. No filme de Scorsese as palavras do taxista Travis Bickle são mais uma expressão da sua intolerância crescente para com o mundo que o rodeia. Mais um indício da detonação iminente da sua loucura homicida: uma bomba prestes a explodir que Scorsese sugere de forma magistral através de múltiplos símbolos, como o contador de táxi que recorda o tick-tack de uma bomba.
A linguagem é feita de texto e contexto: o que dizemos não são apenas as palavras que proferimos mas também o seu contexto. Neste sentido, a linguagem do cinema, é apenas uma metáfora dos diferentes significados e usos paradoxais da linguagem na vida: ela tanto aproxima como afasta, tanto procura ser clara como se refugia na ambiguidade, tanto democratiza como é um instrumento de autoridade. Eis alguns exemplos:
What we have here is a failure to communicate (Cool Hand Luke, 1967)
A linguagem é acima de tudo entendida como um instrumento de comunicação. De acordo com a sociologia da evolução a linguagem existe para responder à nossa necessidade de cooperar. Para agirmos colectivamente necessitávamos de prever o que os outros iriam fazer e isso exigia um instrumento de comunicação. A linguagem surgiu assim como um instrumento de cooperação e acção colectiva. Não é por acaso que, no episódio da Torre de Babel do Génesis, a forma que Deus encontra para a impedir as ambições do povo que pretendia construir uma torre até ao céu é acabar com a sua língua comum.
Só que a linguagem é hoje também um instrumento de identidade e diferenciação. A nossa linguagem (que é mais do que apenas a língua) identifica-nos com um povo ou com uma classe social ou cultural. Diferentes línguas não são apenas diferentes sons são também diferentes formas de conceber as mesmas coisas. I love you, te quiero, ich lieb dich, não são apenas diferentes traduções do amor, são diferentes formas do entender (como abandono, conquista ou prazer).
As nossas linguagens são uma forma de reconhecermos "os nossos" e, por vezes, excluirmos os outros. A especialização e codificação da linguagem podem ser positivas: são atalhos de reconhecimento daqueles que nos são mais próximos, uma forma de construção de identidade e de comunicação mais profunda entre aqueles que partilham um certo código linguístico. Mas também podem ter muito de negativo: estratificam a comunicação e impedem um diálogo aberto. Nesta segunda dimensão, a linguagem separa em vez de unir.
Toto, I've got a feeling we're not in Kansas anymore (O Feiticeiro de Oz, 1939)
Este exemplo máximo do que os ingleses chamam um understatement (que a linguagem não me permite traduzir…) reflecte um dos paradoxos da linguagem: por vezes é através da ambiguidade que ela nos aproxima. Muitas vezes não se busca a clareza nas palavras que proferimos.
É assim no amor, onde existe essa enorme tensão entre a necessidade de comunicar profundamente mas, também, de preservar algum segredo. Wittegenstein dizia que as palavras disfarçam os pensamentos. Eu acho que, por vezes, elas também disfarçam os sentimentos.
Mas é assim também na nossa vida pública. Muitas vezes, a única forma de concordarmos não é sequer concordarmos em discordarmos. É sim, concordarmos em certas palavras atribuindo-lhes significados diferentes: as mesmas palavras, duas linguagens. Isto não evita o conflito mas pacifica-o e racionaliza-o. Deixa de ser um conflito entre valores diferentes a dirimir através de uma relação de forças para passar a ser um conflito de interpretação a resolver através de mecanismos de decisão racionais aceites por todos.
You can't handle the truth (A Few Good Men, 1992)
Mas linguagem também pode ser utilizada como um instrumento de poder. Uma forma de excluir os outros de certos círculos de conhecimento e decisão ou de se arrogar uma posição de superioridade. É isso que exprime a frase do general representado por Jack Nickolson em A Few Good Men: a incapacidade de alguns para lidar com certa informação justifica que lhes seja negado o acesso a ela. Subjacente, está uma tomada de poder por quem detém um certo código linguístico a cujo conhecimento é atribuída uma autoridade superior.
É a linguagem desprovida de outro sentido que não o impor um certo sentido da vida. Esta arrogância é hoje muito comum, se bem que de forma não claramente assumida, em certas comunidades intelectuais, culturais e científicas. Dizer, por exemplo: "sofri uma metamorfose existencial na minha inteligência crítica aplicada" em vez de… "mudei de ideias". Ou utilizar citações para impor uma pretensa supremacia (não é o meu objectivo aqui…). A linguagem complicada, erudita, difícil, é frequentemente usada como um instrumento de intimidação. É um pouco como aquelas pessoas que confundem o autoritarismo com a autoridade ou que vêem na doçura e gentileza um sinal de fraqueza e insegurança.
As palavras são também poder enquanto forma de reconhecimento social ou político. Ao contrário do que defendeu, a certa altura, Wittgenstein as palavras têm significado mesmo que o significante (a realidade que é suposto elas identificarem) não exista. Elas afectam a nossa percepção da vida mesmo que não existam nela. Num filme dos Monty Python há um personagem masculino que passa o tempo a exigir ter o direito a ter um filho. A certa altura, os seus companheiros, fartos de o ouvir, dizem-lhe: "mas tu és um homem, não podes ter filhos!" Ele responde: "pois, mas quero ter o direito a tê-los na mesma".
É por isso que hoje se batalha tanto pelas palavras. Quanto ao seu género por exemplo. E é verdade que as palavras, por vezes, reflectem mais uma estrutura de poder do que um significado neutral. Hoje, no nosso subconsciente, Deus é uma imagem masculina, mas na versão hebraica da bíblia (bem como noutras religiões) a palavra Deus tende a ser neutral do ponto de vista gramatical. Será que a tradução latina de Deus, atribuindo-lhe um género masculino, reflectiu uma estrutura social de poder ou foi uma pura coincidência? E será que essa atribuição de género masculino se reflectiu noutros aspectos da religião? Trata-se de um debate sobre o poder das palavras.
Oh Jerry, don't let's ask for the moon. We have the stars (Now, Voyager, 1942)
Diferentes expectativas traduzem-se em diferentes compreensões das mesmas palavras. Como escrevia Shakespeare na Tempestade: "disse mais do que queria dizer ou entendeu mais do que eu queria que entendesse." Traduzimos tudo o que ouvimos, no sentido em que o filtramos de acordo com os nossas expectativas ou os nossos desejos. A verdadeira comunicação é aquela em que a linguagem escrita consegue ser também uma linguagem de emoções. Em Lost in Translation, o filme de Sofia Copolla, não sabemos o que Bill Murray segreda ao ouvido de Scarlett Johansson na cena final: terá sido adeus ou até breve? As palavras que lhe atribuímos dependem da nossa leitura de todo o filme. Para mim é uma parábola sobre a dificuldade da linguagem das emoções. Johansson encontra em Murray alguém que consegue traduzir os seus sentimentos. Murray encontra em Johansson alguém que desafia os seus. Terá esse amor futuro? Ambos têm de abdicar de alguma coisa.
Não sei se ao falar de linguagem não utilizei uma linguagem demasiado complicada ou até várias linguagens. Escolha o leitor a sua. Este texto é seu. Por mim, e para citar novamente Wittgensten, "quando já não se tem nada para dizer, deve ficar-se calado!"

por Miguel Poiares Maduro
Miguel.Maduro@curia.eu.int

segunda-feira, julho 25, 2005

Às arrecuas



Depois de várias trapalhadas e de muitos dedos no ar tudo leva a crer que nas próximas presidenciais nos vão obrigar a escolher entre Cavaco e Soares.

Trata-se por um lado da demonstração da decadência da nossa democracia, que já progride às arrecuas, e por outro de uma autêntica provocação perpetrada pelos dois maiores partidos.

Numa altura em que o regime, tendo tomado consciência da sua profunda crise, devia estar a gerar novas ideias, novos políticos ou mesmo novos partidos, eis que nos é apresentado um menu aonde constam os dois principais responsáveis pelo “estado a que isto chegou”.

Bem diz José Gil que os nossos males resultam no essencial de nunca sermos capazes de responsabilizar ninguém.

Ao votar no Cavaco ou no Soares, a grande maioria do povo português como que ilibará a classe política das suas responsabilidades e, sem o dizer expressamente, aceitará para o povo as culpas do cartório. Só se for pelo “deixa andar”...

quinta-feira, julho 21, 2005

Um socialismo da birra ?



"Há "um capitalismo predador e selvático" que "só pode ser substituído por uma sociedade socialista""
Francisco Louçã, Publico 21/07/2005


Faz uma semana fiquei horrorizado com a entrevista do Público ao Jerónimo de Sousa, que considerei paradigmática da pobreza da reflexão e teorização da esquerda em Portugal.

Hoje, após ter lido a entrevista com o Francisco Louçã, em especial a sua parte "teórica", vejo-me obrigado a reeditar o meu desencanto pois ela confirma todos os meus receios.

A salganhada de conceitos, a fuga às definições claras e responsabilizantes, a falta de rigor na caracterização da situação actual e de perspectivação do futuro são a marca de uma política que navega à vista e para a câmara.

Não há uma única referência às relações de produção que parecem ter perdido o protagonismo para as relações sexuais (o homem diz que é marxista ?).

Quando perguntado "E o que é que é ser socialista no século XXI ?" apenas sabe referir aquilo que não quer, não há qualquer laivo de um mundo novo.

Trata-se então de um socialismo da rejeição ? da exclusão de partes ? um socialismo da birra ?

Mais inacreditável só a campanha do Louçã contra as "grandes fortunas" que ele avalia em 750.000 euros.

quarta-feira, julho 20, 2005

A Providência já não é o que era...


Num dia em que fomos bombardeados pelos media com minudências sobre os vários possíveis candidatos à Presidência da República, caiu-me sob os olhos esta pérola:

“Por felicidade do País, ao desempenhar-se do encargo constitucional da eleição, não tem que escolher: felizes as nações que nos momentos cruciais da sua vida não são obrigadas a escolher, e às quais a Providência com desvelado carinho dispõe os acontecimentos e suscita as pessoas de modo tão natural a-propósito que só uma solução é boa e essa a vêem com nitidez no íntimo da sua consciência todos os homens de boa vontade! Felizes porque não se debatem em dúvidas angustiosas, porque não se arriscam em desmedidas contingências, felizes sobretudo porque não se dividem!.”

(Do discurso proferido por Salazar em 7/2/1942, véspera da reeleição de Carmona para PR.)

Estou a ver este filme...


...aqui, agora, 10 anos depois....


Raffarin - Munch



Cada primeiro-ministro prometia conciliar o liberalismo económico e o progresso social; todos falharam nessa tarefa e a opinião pública, depois de ter acreditado neles, retirou-lhes a sua confiança.
Finalmente, Jacques Chirac, encurralado pela próxima criação da moeda única europeia, encorajou Alain Juppé a fazer uma política de redução dos défices públicos que se traduziu numa forte baixa dos rendimentos e, portanto, num novo agravamento do desemprego.
A grande crise que rebentou no fim de 1995 não se deveu nem a um movimento social portador de uma visão de futuro nem foi puro efeito da resistência das vantagens adquiridas; sancionou o desmoronamento de uma sociedade política que, decididamente, não conseguia realizar as transformações económicas necessárias de maneira a reduzir desemprego, mantendo intacto o sistema de segurança social.
A crença suicida na incompatibilidade da abertura económica e da integração social empurrava a França para a beira do precipício.

Alain Touraine em "Como sair do liberalismo ?"

segunda-feira, julho 18, 2005

Paraíso perdido ?



Tróia - Sines, 50 km de areia e mar


"Interesse público" de projectos em Grândola pode levar a queixa em Bruxelas


Presidente da câmara acusa Ministério do Ambiente de ceder a interesses da Quercus

Se os ministérios do Ambiente e da Economia emitirem um despacho conjunto declarando a utilidade pública para viabilizar o empreendimento turístico Costa Terra, previsto para Melides, no concelho de Grândola, a Quercus "não terá outra alternativa" senão avançar para os tribunais e para a Comissão Europeia.
O presidente da Quercus, Hélder Spínola, que ontem se reuniu com o ministro do Ambiente, conta que a declaração de impacte ambiental (DIA) do projecto foi emitida, mas que, apesar de favorável, é condicionada à emissão de uma declaração de utilidade pública por aqueles ministérios. "Estamos a estudar os mecanismos legais mais adequados para impedir a concretização do empreendimento, porque consideramos que há matéria e argumentos jurídicos suficientes para o fazer", diz o presidente da Quercus.
Em causa está a construção de um empreendimento com perto de três mil camas num sítio classificado na rede Natura. "Aquele tipo de investimento não se pode confundir com utilidade pública e, a ser feito, tem de ser fora da rede Natura", considera Hélder Spínola. Fonte do Ministério do Ambiente adiantou ainda que, para além da utilidade pública, o despacho conjunto terá de reconhecer que "não há alternativa ao loteamento" e que "são cumpridas as medidas de minimização e planos de monitorização" indicados no estudo de impacte ambiental. O campo de golfe terá de ser compatível com o regime da Reserva Ecológica Nacional.
Um outro projecto previsto para a mesma freguesia do litoral alentejano, conhecido como Herdade do Pinheirinho, também está na mira da associação ambientalista. "Os estudos de impacte ambiental foram feitos com intervalo de dias e é provável que se venha a aplicar o mesmo princípio", antevê Hélder Spínola. Só estes dois empreendimentos prevêem, numa extensão de três quilómetros, 410 moradias, três hotéis, uma estalagem, sete aldeamentos/apartamentos e dois campos de golfe. Dada a dimensão dos projectos, a Quercus exige a realização de uma "avaliação conjunta dos impactes ambientais cumulativos". Para Hélder Spínola, "não basta avaliar os projectos isoladamente, é preciso aferir as suas implicações em conjunto". Tal mecanismo, adianta, "está previsto na lei" e deverá ser conduzido pelo próprio Instituto de Conservação da Natureza, em articulação com o Instituto do Ambiente e com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo.
Para o presidente da Câmara de Grândola, a exigência agora feita pelo Ministério do Ambiente não é mais que "um novo entrave" ao andamento de um processo que se arrasta há 15 anos. Carlos Beato garante nunca ter sido abordada, em reuniões com o ministério, a questão do interesse público. "Fala-se tanto em interesses, esta também é uma cedência a interesses dos ambientalistas", critica o autarca, acrescentando ser "lamentável não ter sabido disto através dos órgãos próprios", o que configura uma "violação da confiança entre os diversos níveis da administração".
O presidente da Câmara de Grândola tem sido a face mais visível na defesa dos projectos turísticos para o seu concelho. A necessidade de uma declaração de utilidade pública para que o processo avance é, em seu entender, "uma mudança de regras a meio do jogo". Todos os procedimentos legais têm sido "rigorosamente cumpridos", pelo que a decisão é "mais um duro golpe para as oportunidades de desenvolvimento do Alentejo litoral", considera Carlos Beato.
A Herdade do Pinheirinho, um loteamento para 200 hectares da empresa Pelicano, apoiado pelo programa One Planet Living, da World Wildlife Fund, contempla 204 lotes para moradias, dois lotes para hotéis, quatro lotes para aparthotéis e três lotes para aldeamentos ou apartamentos turísticos. Associados estarão ginásio, centro de convívio, capela e áreas de comércio. Para a zona sul da área habitacional está projectado um campo de golfe com 27 buracos, em 90 hectares.
O Costa Terra prevê um investimento de 450 milhões de euros, noutros 200 hectares da freguesia de Melides. Terá 2912 camas, distribuídas por 204 moradias e 862 apartamentos, que não ultrapassarão os oito metros de altura e que respeitarão a traça original alentejana. Contempla centro de talassoterapia, centro hípico, clubes de ténis, zonas comerciais e um campo de golfe de 18 buracos.

Cláudia Veloso
Publico, 16/07/2005

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quarta-feira, julho 13, 2005

"Bits" e "Bytes" nos idos de 70


Já que o Fernando Redondo resolveu desenterrar histórias de computadores, lembrei-me de pôr no “blog” este texto, escrito já há algum tempo. São recordações da minha primeira experiência como informática. Limitei-me a alterar os nomes das pessoas.

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O Sr. Santos aperta a mão a cada um dos colegas, como todos fazem quando chegam de manhã.
O Sr. Silva vira a página do calendário e enfia as mangas de alpaca pretas, com elástico em cima e nos punhos, para poupar o casaco cinzento que comprou no Natal.
O Sr. Martins tira o meio lápis que já tinha guardado atrás da orelha e pega no escantilhão para continuar a desenhar o complexo fluxograma que colocará mais tarde na corticite a que encosta a cadeira.
A Célia começa a perfurar um programa novo em cartões azuis.
A Leonor queixa-se das insónias da noite anterior.
As duas doutoras verificam cuidadosamente os maços de cartões que a Célia pôs nas suas secretárias e voltam a colocar elásticos em cada um. Nessa noite, seguirão de avião para a Bélgica os seus primeiros programas.


É assim que se prepara a chegada de um novo computador, numa cave de Almirante Reis, numa manhã da Primavera de 1970, numa empresa dita de “Service Bureau” - e que, se tivesse existido trinta anos mais tarde, estaria a fazer “Outsourcing”.
O chamado material clássico e os pesados computadores a cartões, todos cinzentos, continuam a executar as aplicações de salários e de contabilidade dos clientes. Mas não chegam para satisfazer as exigências e a visão que o Dr. José Azevedo tem para a sua empresa, no início de uma nova década.
Por isso vem aí “O” computador que ainda precisará de cartões, mas que terá também discos e bandas magnéticas e 30K “bytes” de memória! O seu espaço já está reservado e devidamente envidraçado, o chão falso colocado e a instalação de ar condicionado não tardará. Por isso também admitiu as duas doutoras.

O Sr. Silva combina mais uma almoçarada com frango de churrasco e tenta convencer as doutoras a participarem. (Só é costume irem homens: as perfuradoras levam comida de casa e as doutoras fazem companhia uma à outra num restaurante perto da Praça do Chile.) Elas dizem que talvez para a semana.
O Sr. Martins explica às doutoras por que razão é preciso utilizar tantas instruções de condensação nos programas: há que poupar meios “bytes” sempre que possível, todo o desperdício pode ser fatal, mesmo com o grande sistema que aí vem.


O Sr.Martins é o chefe da Programação e Análise. Só tem a 4ª classe, mas todos acham que ele é um génio. Nem percebem para que servem doutores, o exemplo do Sr. Martins mostra bem que não são precisos canudos para lidar com computadores.

A Drª Júlia telefona para o fornecedor do novo computador para que mande buscar os cartões com os programas. Estes serão compilados em Bruxelas – tem que ser assim já que o dito computador será o primeiro da sua espécie, o maior, o mais rápido a ser instalado em Portugal.
O Sr. Santos pergunta a todos se acreditam que o arranque do novo sistema se fará em Maio como previsto. Ninguém responde porque toda a gente duvida. Ele volta para a sua Separadora.
A Leonor diz à Célia (que é a responsável pela Perfuração, ou seja por ela própria e pela Leonor) que o papel higiénico de reserva não vai chegar até ao fim do mês se não houver um esforço colectivo de poupança.


É 6a feira, 1h da tarde. Os homens atravessam a avenida e vão comer o tal frango de churrasco numa tasca com azulejos brancos na parede. Já está calor desde manhã, mas eles não sabiam porque não há janelas na cave de Almirante Reis.
Os eléctricos passam devagar, meios vazios. Os portugueses continuam tristonhos, mas há algo de diferente nas ruas. As raparigas encurtaram muito as saias, há mesmo algumas de “hot pants”.

O Sr. Martins e o Sr. Santos retomam a codificação dos seus programas.
As duas doutoras não têm nada que fazer porque as listagens de Bruxelas só chegarão lá para 3ª feira. O tempo custa a passar.
A Célia recorda que há um lanche às 5h no átrio da casa de banho das senhoras porque a Leonor faz anos.
A Drª Júlia telefona ao namorado e combinam ir ao cinema. A Drª Rita pergunta-lhe o que vai ver. Diz que ainda não sabe: parece-lhe demasiado esotérico explicar que será “A Paixão de Joana d’ Arc”, numa retrospectiva de Carl Dreyer no Palácio Foz...
A Leonor diz que está desejando que o dia acabe para ir buscar a filha que só vê aos fins de semana: de 2a a 6a fica em casa dos avós na Malveira.
Há menos barulho porque ninguém trabalha com a Separadora – para ela já é sábado...


Acabou o fim de semana, passou-se mais um mês.
É noite e Marcelo Caetano entra pela casa dos portugueses com mais uma “Conversa em Família”. Em Alfama, preparam-se as ruas para a noite de Santo António.

O computador chegou entretanto. Foram abertas dezenas de caixotes, os técnicos do fornecedor esticaram muitos metros de cabos. Já piscam luzinhas desde a véspera.
É tarde mas ninguém se vai embora. Finalmente, “o sistema “arranca”! Vem o Dr. Azevedo, abre-se uma garrafa de champanhe. As perfuradores põem batom, o Sr. Silva tira as mangas de alpaca.
O computador só compila e só executa um programa de cada vez (modernices de multiprocessamentos só virão mais tarde), mas tem 30 K, é grande, é bonito e fica muito bem na sala envidraçada.

Afinal, Portugal não é tão atrasado como dizem!