Mundos Perfeitos
por Miguel Poiares Maduro
Imagine ter acesso apenas ao que lhe interessa. Acordar pela manhã e ler na Internet as notícias seleccionadas através de um filtro de conteúdos garantidos por uma entidade da sua confiança. Escolher a sua programação televisiva através da classificação de conteúdos feita por essa mesma entidade. Sair de casa e poder deixar os seus filhos numa escola com programas e currículos que reflectem totalmente as sua preferências morais e/ou políticas. Poder investir toda a sua acção política num objectivo social particular (proteger o ambiente ou garantir o direito à sesta por ex.) e viver numa comunidade de pessoas que partilhem essa mesma concepção do mundo. Um mundo perfeito? À primeira vista, nunca estivemos tão próximos de poder maximizar a nossa liberdade e autonomia individuais, construindo os nossos pequenos mundos perfeitos. Mas estes mundos aparentemente perfeitos não fazem um mundo perfeito.
Os custos de ouvir aquilo que nos é desagradável e estar sujeitos a ideias que não são as nossas, são a contrapartida de um espaço público: um espaço em que também podemos fazer ouvir as nossas ideias, tentar convencer os outros delas e, por vezes, nesse processo, ser também convencido por novas ideias (seguindo a tradição socrática de que a verdade é produto da nossa vontade autónoma mas apenas se constantemente questionada e desafiada por concepções alternativas). Acontece que as novas tecnologias, novas formas de organização social e a nossa crescente arrogância intelectual estão a unir-se para, paradoxalmente, promover, numa comunidade cada vez mais global e inter-dependente, comunidades de valores crescentemente insuladas e fechadas em si mesmas.
Infelizmente, esta tendência parece ser reforçada pela crescente irracionalidade do debate público. No mundo que estamos a construir, a arrogância intelectual só tem paralelo no relativismo moral. Uns estão tão seguros da sua verdade que apenas querem saber como a podem proteger e, se possível, impor aos outros. Outros, estão tão convencidos da ausência de qualquer verdade absoluta que apenas se preocupam em saber como fazer predominar a sua verdade relativa. Em ambos os casos, seja porque a verdade é óbvia ou porque não existe de todo, debater e argumentar deixa de fazer sentido. Isto reflecte-se quer na organização do espaço público (que é crescentemente limitado) quer na argumentação que nele prevalece. O que interessa é gritar mais alto ou fazer apelo a uma fé maior (religiosa ou, frequentemente, de outro tipo). Os argumentos da moda são assim os argumentos de “fé”. Estes não se destinam a convencer o outro mas a revelar a verdade. Só que a fé (num Deus, numa ideia ou num partido), apenas pode justificar uma verdade pessoal fundada numa relação individual com algo que racionalmente não podemos provar perante os outros. Por este motivo, não pode servir de base a um processo de argumentação perante aqueles que não partilham dessa fé. Para um argumento ser aceitável no espaço público ele tem de ter a ambição de convencer o outro e, para isso, tem de assentar em bases racionais que possam ser partilhadas por esse outro. Os nossos argumentos podem até não vir a convencer ninguém (suspeito que isso é frequentemente o caso com os meus argumentos...) mas, para serem válidos, têm de ambicionar comunicar com os argumentos e posições dos outros.
A mesma destruição do espaço público e da possibilidade de argumentar e discutir no seu seio resulta do relativismo absoluto que, no extremo oposto, ao aceitar todas as verdades não admite outro critério que não a força para resolver os conflitos entre elas. Não vale a pena argumentar, se não podemos entender os outros nem por eles ser entendidos.
Esta crescente balcanização das ideias no espaço público tem como consequência uma alteração substancial nesse espaço público e na nossa própria auto-determinação individual. Afecta a forma como definimos as nossas preferências individuais e como as tentamos compatibilizar e prosseguir através de decisões sociais que sejam aceitáveis (ainda que não partilhadas) por todos. A ambição do debate racional de ideias é substituída por uma competição entre visões alternativas do mundo que desistiram de nos procurar convencer para se apresentarem antes como verdades reveladas. Exprime-se uma opinião para tomar partido e não para desenvolver uma ideia. As ideias não interessam, o que interessa é quantos são e quantos somos. Já não há ideias no céu e cá na terra muito menos...
Mundos Perfeitos
por Miguel Poiares Maduro
O Governo com o maior número de Calimeros da história da democracia
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Alguém devia dizer a Luís Montenegro, por exemplo Marcelo II, O Velhaco, e
ao grupo de incompetentes por si nomeados para ...
Há 1 hora
1 comentário:
Antes de se resolver a "balcanização das ideias no espaço público" são precisas politicas no sentido de cada vez um maior controlo de cidadania participativa sobre os fundos públicos, que são a base material que sustentam as ideias
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