segunda-feira, outubro 28, 2013

O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 3)



O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 3)

Parece estranho o percurso que levou a esquerda a transformar-se numa defensora acérrima do Estado, depois de Marx o ter caracterizado como a expressão do domínio classista. 

Esta tese do Marx foi muito facilmente assimilada por mim, na juventude, pois na minha família, ao longo de pelo menos cinco gerações nunca ninguém viveu do erário público, nem como empregado, nem como subsidiado nem como fornecedor.
Para uma família como esta, que na minha infância rondava o neo-realismo, o Estado era o polícia e a multa, o guichet mal encarado, a repressão política, a arrogância do médico e do professor perante a modéstia do doente e do aluno.

O Estado é sempre o espelho da sociedade onde existe. Não é a sociedade que espelha o Estado que tem.
Mas a Revolução Soviética de 1917, operando num país atrasado e imenso, recuperou uma deriva utópica e apoderou-se do Estado para, diziam, melhor poder gerir a transição para o Socialismo e o Comunismo. Andou setenta anos a dizer que o Estado um dia acabaria, mas a verdade é que enquanto a URSS existiu o Estado não parou de engordar. Ainda hoje a esquerda está ensopada de ilusões acerca de insurreições que, derrubando os símbolos do poder, darão acesso instantâneo a um “mundo novo”.

A sensação de impotência para levar as pessoas a produzir riqueza e a distribuí-la em novos moldes é que leva o vanguardismo a refugiar-se no Estado para, a partir dessa trincheira, obrigar a sociedade a adoptar as suas ideias iluminadas. Essa quimera ficou definitivamente desmentida quando na China, o país mais preparado e adequado para o exercício do poder absoluto, o Partido Comunista reconheceu a necessidade de recorrer a métodos “capitalistas” para seguir em frente, até que a situação amadureça.

Na Revolução Francesa de 1789, apesar de tudo, a transformação de fundo económica e social já estava madura quando a superestrutura política foi revolucionada. Mas na Rússia de 1917 e na China de 1949, tal não era o caso. O Estado deveria então operar “em cesariana” aquilo que, em “parto natural”, demora séculos.

Mas o Estado não é uma espécie de “modo de produção” que, através do voluntarismo, interferindo a todos os níveis da sociedade, se possa substituir ao livre jogo dos interesses e à criatividade dos cidadãos.
Sempre que tal aconteceu os resultados foram perversos.

A crescente incapacidade para lidar com as metamorfoses do capital, por um lado, e a importância eleitoral do funcionalismo público, por outro, convergiram com o saudosismo da URSS.O resultado foi esta amálgama em torno do “Estado Social” a que estamos a assistir.
Uma social democracia indiferenciada e contra-natura em que mergulharam todas as forças de esquerda, mesmo as revolucionárias e radicais.

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