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Era uma vez um país que descobriu, subitamente, uma enorme injustiça: os muros.
Alguém se lembrou de que os muros, pelo menos os que têm entre um metro e dois metros de altura, dividem a população em dois grupos: os que vêem e os que não vêem por cima do muro.
Trata-se de uma intolerável discriminação, com base nas características físicas, de todos aqueles que são mais baixos do que o muro. Qualquer pessoa sabe, ou devia saber, que ter horizontes largos é um direito inalienável de todos os cidadãos, mesmo dos baixinhos.
Instalada a polémica, entre os que eram a favor e os que eram contra, estes últimos tentaram apaziguar a querela aceitando abrir umas ranhuras nos muros para que todos pudessem ver para lá deles. Nada feito, isso era prolongar a discriminação pondo os baixinhos a espreitar a paisagem através de orifícios o que não era nada dignificante.
Houve também quem dissesse que a paisagem era quase sempre um montão de lixo e que, dado o adiantado estado de degradação dos muros, em breve todos acabariam por ruir resolvendo o problema naturalmente. Foi-lhes respondido que cada um devia poder olhar para onde quisesse, mesmo que para o lixo, e já.
Os políticos, sempre atentos aos votos flutuantes, resolveram legislar que os muros deviam ser reconstruídos por forma a terem menos do que um metro ou mais do que dois metros de altura. Foi um alvoroço pois, alertou-se, isso não resolveria o problema dos anões nem dos basquetebolistas estrangeiros que amiúde nos visitam.
Os limites foram então alterados para os cinquenta centímetros e para os dois metros e meio. Apesar de uma petição reaccionária a legislação foi finalmente aprovada. Mas tudo recomeçou pois alguém se lembrou de dizer que os muros de dois metros e meio criavam uma distinção entre os que passavam a cavalo e os que passavam a pé.
Foi então aprovada a proibição total de qualquer muro, sebe ou vedação em todo o país.
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