sábado, novembro 10, 2007

Os desvarios ideológicos de um militante do PCP


Publicou o Fernando Penim Redondo um texto controverso sobre Os 90 anos da Revolução de Outubro e entre os comentários ao artigo apareceu um de António Vilarigues (AV), que eu penso que é assumidamente militante do PCP, que indicava um conjunto de endereços electrónicos. Descobri que todos eles remetiam para o seu blog pessoal, onde tinha vindo a publicar um conjunto de post sobre a Revolução de Outubro, que eram quase todos retirados do Militante e do Jornal da ORL do PCP, mas havia um que me despertou particular atenção, a posição do PC Grego sobre a Revolução Socialista de Outubro e que era recomendado por AV.
Fiquei estarrecido, depois da leitura daquele texto, que tinha sido inicialmente publicado em ODiario.info, traduzido pelo próprio Vilarigues, quase que se poderia enviar uma mensagem ao Francisco Martins Rodrigues, um dissidente do PCP no início do conflito sino-soviético (anos 60), e um crítico pela esquerda da orientação do PCP, para que voltasse, porque estava perdoado.
Naquele texto dizem-se coisas tão espantosas, do ponto de vista da ideologia ainda oficial do PCP, como esta: “No Ocidente capitalista, os partidos comunistas não puderam elaborar uma estratégia de transformação da guerra imperialista ou da luta de libertação numa luta pela conquista do poder operário. Eles remeteram o objectivo do socialismo para mais tarde e definiram tarefas que se limitavam a luta na frente contra o fascismo. O ponto de vista que prevalecia na altura, sustentava que era possível a existência de uma forma intermédia de poder, entre o poder burguês e o poder da classe operária revolucionária, com a possibilidade de vir a evoluir para um poder operário.” Ou então, esta outra: “A política seguida por um bom número de partidos comunistas que consistia em colaborar com a social-democracia, fez parte da estratégia da «governação anti monopolista», uma espécie de estado intermédio entre o capitalismo e o socialismo, que se expressava igualmente através de governos que tentaram administrar o sistema capitalista.”
Ou seja, quer queira o AV ou não, isto é a negação das posições desde sempre assumidas pelo PCP na luta anti-fascista, que mereceram sempre uma vigorosa crítica dos, à época, chamados esquerdistas.
Eu acredito que se possa mudar de orientação política, fazer a crítica do passado, não se pode é, quando nada se disse sobre o assunto, assumir que estas posições sempre foram as defendidas pelo PCP. Duma penada deita-se pela borda fora o Rumo à Vitória do Álvaro Cunhal, que explicitamente se referia a As Tarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional ou então, o próprio Programa PCP para Uma Democracia Avançada no limiar do Século XXI, que defende aquilo que é criticado pelo PC Grego.
Mas o mais espantoso de tudo isto é que o site onde esta tradução aparece pela primeira vez é dirigido pelo Miguel Urbano Rodrigues e conta com a colaboração de dirigentes do Sector Intelectual da ORL do PCP, como o Filipe Diniz. Portanto gente que ao divulgar um texto destes deve saber o que está publicar.
Poder-se-ia pensar que afinal há liberdade no PCP para exprimir externamente aquilo que se quer. Penso que isto não é o reflexo da pluralidade de opiniões que existiriam naquele Partido, mas sim, que o PCP já não é capaz de distinguir o que eram as suas posições unitárias e anti-fascistas do passado, da sua posição actual de partido sectário e pouco amigo da unidade. Eu diria que o desvario ideológico tomou conta do Partido.

PS: concordo que este tipo de discussões, que se assemelham àquelas que católicos e protestantes travam a propósito da interpretação de alguns textos da Bíblia, não diga nada a quem sobre esta matéria é completamente leigo ou demasiado jovem para perceber os conflitos ideológicos que se travaram nos anos 60. Alguns eram mesmo guerras de alecrim e manjerona, sem qualquer significado para os dias de hoje. No entanto, há necessidade de certa precisão ideológica para que no debate das ideias não valha tudo e não se venda gato por lebre.

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro Jorge Nascimento Fernandes,
Alguns esclarecimentos:
1. Obrigado por estar atento aos meus «desvairios ideológicos», mas um pouco mais de calma;
2. Chamei a atenção para a posição do PC Grego exactamente por ser uma posição com várias teses(para além das que citou) invulgares no seio do movimento comunista;
3. Como podia chamar a atenção para a posição do PC do Brasil, ou outras, SEM AS SUBSCREVER;
4. No site o diário.info publicam-se inúmeros artigos sobre inúmeras questões de não comunistas e muito menos coincidentes com as posições do PCP. É uma revista on line aberta a diferentes posições. Conviria, caro Jorge, ler isto: http://odiario.info/articulo.php?special=4 para ver o objectivo dos autores. A revista do PCP é, como sabe, «O Militante»;
5. Aquilo que eu penso sobre a orientação ideológica do meu partido, nomeadamente os documentos que refere, está claramente expresso na minha (aí sim A MINHA) polémica com o Tiago do Kontratempos a propósito das FARC e da Festa do Avante! Se quiser verificar o que penso, de facto e não na sua apressada interpretação, pode ir aqui e ler os vários posts aí linkados daquilo a que eu chamei a série do Já Cá Faltava... http://ocastendo.blogs.sapo.pt/47839.html;
6. Se está curioso posso dizer-lhe que sou militante do PCP desde 19 de Setembro de 1970, com 16 anos, funcionário desde 1971 a 1987; funcionário a meio-tempo desde 1987 a 1991. Actualmente, como é público, sou membro da DOR de Viseu e do seu Executivo.
7. Como é óbvio, mas aproveito para deixar bem claro, um blogue pessoal, é um blog pessoal. E há vários (já contabilizei nais de cem - basta ver os meus links)de militantes do PCP. Que como é mais uma vez óbvio, não vinculam em nada o partido a que pertencem. Nem o partido a que pertencem interfere com essa sua actividade. Surpreendido?

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Já esperava essa reacção da sua parte. Tenho consciência que na blosgosfera há, mesmo assim, maior liberdade para exprimir opiniões do que nos jornais oficiais do PCP. Simplesmente, a minha reacção teve a ver não com a sua recomendação para ler as posições do PC Grego, que poderia ser uma originalidade, mas porque esse documento já serve de texto de apoio em algumas reuniões do Partido. E por aqui me fico.

Anónimo disse...

Grande Partido o PCP! Sabe mais do que eu (acredito no que diz), mas não vejo que daí (discutir o texto do PC Grego) venha mal ao mundo. Recordo-me de discutir em várias reuniões ao longo de anos os relatórios ao Congresso do PCUS de Gorbachov, publicados ambos pelas edições Avante!, e já então eram sabidas as reservas, as dúvidas e mesmo as discordâncias, do PCP a muitas das posições expressas por Gorbachov.
Só uma brincadeira para ironizar: certo dia vários militantes e ex-militantes (como era o meu caso que já estava no PCP) da União dos Estudantes Comunistas estivemos à discussão com o Álvaro Cunhal sobre o filme Blow-Up. O Miguel Portas estava 100% de acordo com a leitura que o Álvaro fazia de várias cenas, nomeadamente a da troca de bolas no court de tenis. Eu frontalmente em desacordo. Acabei por dizer que eles viam na cena coisas que eu não via, e assim ficámos, cada um com a sua. Era e é assim o PCP...

Anónimo disse...

Se me permite só um esclarecimento adicional para as jovens, e não só, gerações. Francisco Martins Rodrigues não foi expulso do PCP por defender o que defendia. Votou sozinho contra todo o Comité Central, mas mesmo assim, nas duras e complexas condições de clandestinidade, continuou como membro do CC e da sua Comissão Executiva. Só foi expulso quando começou a fazer trabalho fraccionário e a procurar impor ao PCP as suas teses derrotadas.
É normal no PCP cada um poder defender as suas posições, mas depois submeter-se à maioria. Militão Ribeiro defendeu, com outros camaradas, no IV Congresso em 1946 a chamada linha de transição que foi derrotada. Alguns defensores dessa linha foram eleitos para o CC e Militão para o Secretariado. Nenhum foi expulso ou demitido das suas funções por defender posições diferentes da maioria. Apesar da clandestinidade.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Não estava interessado em alimentar polémicas, mas visto que você invocou a sua longa militância no PCP e a história deste Partido, sinto-me obrigado a responder-lhe.
Primeiro sou mais antigo, porque sou mais velho e portanto mais perto da morte, do que você no PCP. Entrei, não sei ao certo o ano, em meados dos anos 60, e nunca cheguei a sair, pelo menos por minha livre decisão. Fui afastado à socapa por andar talvez a fazer trabalho fraccionário, oh! Pecado dos pecados.
Conheço a história toda, sei que ninguém é expulso por dizer lá dentro aquilo que pensa, pode é na próxima não ser incluído nas listas da Direcção, seja ela qual for. Simplesmente, hoje no ano 2007, vir-se novamente falar em trabalho fraccionário, só ainda nas mentes estalinistas de certos dirigentes do Partido. Se certas coisas se justificavam nos anos da clandestinidade, são completamente espúrias hoje em dia. O Partido funciona ainda como a Igreja, pode-se ter todos os maus pensamentos que se quiser não se pode é fazer escândalo público com eles. Mas passemos adiante.
O que originou esta discussão foi a posição do PC Grego. Eu penso que a divulgação por vários sítios, interna e externamente, não é um acto isolado, corresponde a uma subtil viragem que o Partido tem feito, e que eu tenho classificado como um desvio sectário e esquerdizante, ver para isso o meu texto:
http://www.comunistas.info/?no=4000;ano=2007;mes=7;i=192
Não se lhe pega se de vez enquanto for consultar o site da Renovação Comunista.
Quanto ao “Blow-Up”, que eu me recorde, foi exibido antes do 25 de Abril com grandes cortes da censura e foi muito discutido no Cine-clube de que eu era dirigente (CCUL). Quanto à referência ao Miguel Portas penso que caiem em saco roto, veja para isso as minhas posições sobre os transgénicos quer no site da Renovação Comunista, quer no Dotecome e até num jornal da sua região a “Gazeta das Beiras”.
Penso que por aqui nos ficamos. Se quer saber as minhas opiniões vá consultando os Comunistas.info ou Dotecome, que eu vou lendo as suas, por vezes com bastante desagrado, no “Público”.

Anónimo disse...

Cara Jorge,
Cada qual com a sua opinião e assim ficamos.
O site http://www.comunistas.info/ consta da minha lista de favoritos desde 6 de Abril de 2006, consulto-o com alguma regularidade. O DOTECOME é minha visita diária. E como é óbvio nada se me pegou E já conhecia o seu texto. Mas de qualquer forma obrigado pela atenção.

Anónimo disse...

Ora dois comunas desavindos a chamarem á colação O Blow-Up filme hiper burguês do alienado Antonioni, e passado na sofisticação reaccionária da Swinging London ( já agora gostava de saber o que pensava o Cunhal das cenas de ténis...seriam a materialização cénica de alguma correlação de forças kalashnikov/poder popular? )

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Já se sabe que o anónimo é parvalhão ou então muito jovem. O Antonioni foi um cineasta muito discutido entre gente de esquerda. Não sei se o Cunhal conhecia a sua obra? Mas durante muitos anos os seus filmes foram discutidos nos cineclubes e eram apresentados como exemplo da alienação na sociedade contemporânea. Há um célebre texto de um filósofo italiano de formação marxista a propósito da reificação em “O Eclipse”, que por sinal foi publicado pelo Cine-Clube Universitário quando exibiu o filme, muito antes do 25 de Abril. Portanto, antes de bolsar disparates, informe-se, pois há um passado de discussão e de apreciação crítica, muito para lá dos preconceitos anticomunistas de certos leitores hodiernos.