Dilemas do pão
Público 16.11.2007
Passam a vida a assustar-nos e muitas das vezes com razão. Então não é que agora se descobriu que o pão, o nosso pão, a vulgar carcaça que há muito nos povoa as mesas e as mais variadas dietas, pode ser uma ameaça à nossa saúde? É verdade. Não tanto pelo pão, mas pelo excesso de sal com que o carregam. O dobro do que é habitual nos países europeus, esses nossos imaculados vizinhos de continente, todos eles plenos de regras, normas, medidas, padrões sadios e recomendações cumpridas a preceito. Portugal não, habituámo-nos a excessos e adoramo-los. Não nos basta andar tensos, também temos que ser hipertensos e como isso nem sempre nos está na massa do sangue, como é hábito dizer-se, foi parar à massa do pão. Pãezinhos sem sal, nunca. Por aqui, só com muito sal. Um estudo apresentado ontem, e a que o PÚBLICO já se referiu no início da semana, conclui que a maior parte do pão vendido em Portugal tem cerca de dez gramas de sal por quilo, o que significará que qualquer criatura que coma duas carcaças atinge facilmente a dose máxima de sal recomendada pelos médicos: 5,5 gramas. Como junto às carcaças vai sempre mais qualquer coisa (fiambre, presunto, queijo, manteiga) e como nas refeições mais substanciais do dia há quem chocalhe o saleiro com o vigor de um sino a toque de rebate, escusado será dizer que é como se bebêssemos directamente dos oceanos. Sal, na verdade, não nos falta. Fosse ele dinheiro e seríamos riquíssimos. Falando em dinheiro: parece que é por causa dele que o pão tem mais sal. Assim, retém mais líquido na fabricação, exige menos farinha e pode exibir o requerido peso sem grandes gastos. Por outro lado, também dá jeito a quem vende cerveja ou afins. Um dia ainda o põem em cubinhos ao lado dos tremoços. Quanto ao dinheiro poupado nestes artifícios, pode sempre ser gasto em cardiologistas. Se ainda se for a tempo, claro. "Ó pão salgado, quanto do teu sal são doenças de Portugal?" O jeito que nos dá a poesia...Jeito não é coisa que possa ser invocada para o problema que se segue, também ele relacionado com o pão. Por causa dos nossos imaculados vizinhos de continente, os tais das regras, medidas & etc., vai ser um problema continuar a fazer açorda. Uma norma qualquer, decerto higiénica e ponderada, proíbe que se deixe pão a secar de um dia para o outro e que se faça comida com ele. Por causa disso, e de outras normas igualmente severas, a Misericórdia de Faro teve de deixar a dieta mediterrânica e aderir à cozinha "plástica", onde tudo tem carimbo e certificado de garantia, pode não saber a nada, mas ao menos tem inscrita a validade. Os idosos, que remédio, lá tiveram que habituar-se. O problema é que havia o hábito semanal de fazer açorda. Mas como, se o pão seco vai contra as normas? Ou fazem açorda com pão mole ou deixam de comê-la.O sal é um problema, já se sabe. Mas banir a açorda ou as migas é uma calamidade cultural sem nexo. Um conselho: tirem sal ao pão mas deixem-no secar.E não digam a Bruxelas.
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