segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Uma explicação (de novo tipo) para a crise - Cap.1

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Estamos fartos de ouvir dizer que tudo começou com o “sub-prime” nos Estados Unidos. Mas isso como explicação não é muito convincente.
Alguém acredita que a mera incapacidade dos americanos para pagar os empréstimos contraídos foi suficiente para lançar esta crise enorme que fez tremer todas as economias desenvolvidas do planeta?
Não parece possível mesmo que o número de faltosos seja muito grande. Até porque os bancos americanos, os tais que teriam vendido na Europa os activos tóxicos, afinal também tiveram graves problemas.
Têm que ser consideradas causas mais sistémicas para uma explicação credível da enorme crise do “mundo ocidental”.

É preciso gastar tudo
Antes de mais é necessário estabelecer o que constitui o mecanismo essencial de estabilização das economias nacionais no quadro do capitalismo. Devem ser cumpridas as seguintes condições:

1. As empresas, ou pelo menos um número substancial das empresas de um dado país, devem ser rentáveis
2. Os cidadãos, a esmagadora mairoia dos cidadãos, devem encontrar ocupações remuneradas que lhes permitam viver as suas vidas e, em particular, participar no processo social de produção

Pode parecer que bastaria a realização da primeira condição para garantir a segunda mas tal não é verdade como veremos mais adiante.

Se concebermos a economia como uma sucessão de ciclos podemos então dizer que os rendimentos obtidos pelos cidadãos de um dado país no fim de um ciclo, ao serem gastos em consumo ou investimento durante o ciclo seguinte, permitem realizar as condições que enunciámos anteriormente.

Mesmo que admitamos, por absurdo, que toda a gente que obteve rendimentos os gastou integralmente então teríamos uma roda que rodaria sobre si própria, sem crescer nem decrescer, apenas favorecendo determinadas empresas em detrimento de outras no caso de as preferências dos consumidores se polarizarem de algum modo.
Ora nem os rendimentos obtidos num ciclo são integralmente gastos no ciclo seguinte, nem a roda de que falámos pode ficar eternamente a rodar no mesmo ponto. A roda tem uma tendência incontrolável para se expandir.

Para obviar as dificuldades que acabámos de enunciar é que existe o crédito. Numa primeira fase destinado aos investimentos empresariais e depois, cada vez mais, para permitir o consumo em larga escala.
Para a economia crescer, e garantir as condições 1. e 2. de estabilidade o crédito concedido para consumo deve portanto ser superior ao volume das poupanças (que são, no fundo, diferimentos do consumo).

Como é sabido, quanto mais baixo é o rendimento de uma família maior é a parte desse rendimento destinada ao consumo em detrimento da poupança. As economias dos países desenvolvidos seguiram neste aspecto trajectórias idênticas, embora com ritmos diferentes, durante o século XX.
À medida que ía crescendo a classe média, e a sua capacidade de poupar, foram-se também desenvolvendo os mecanismos de concessão de crédito encorajando a gastar já hoje aquilo que hipotéticamente será ganho só amanhã.

Em paralelo com este desenvolvimento foram também tomadas medidas destinadas a convencer os cidadãos a gastar não só os rendimentos presumidos do futuro mas também os rendimentos obtidos no passado e guardados como “pé-de-meia”.
O Estado Social e as suas promessas de acorrer quando o cidadão for surpreendido pelos “azares da vida”- o desemprego, a doença, a velhice- constituiram um bom alibi para dispensar os hábitos de poupança, tornados aparentemente desnecessários, e conduzir ao consumo desenfreado de que o sistema tanto precisava para funcionar.

Os exageros do crédito e do endividamente, são pois inerentes ao funcionamento do sistema. Não são uma aberração dos tempos actuais, inventada de repente por agentes maléficos, que uma “regulação” virtuosa possa controlar.

É preciso gastar bem
Mas a certa altura surgiram dois novos factores que vieram agravar ainda mais os desiquilíbrios descritos anteriormente: a deslocalização da produção (que cria emprego fora das fronteiras) e a automatização em larga escala.
Não basta já assegurar que os rendimentos auferidos voltam ao circuito através da aquisição de bens e serviços, pois o consumo de certos bens e certos serviços não gera necessáriamente emprego, pelo menos numa escala suficiente.

É claro que a exportação de produtos e serviços tem um efeito de sentido contrário. Mas qualquer país que importa mais do que exporta e que, para além disso, pretende modernizar-se tecnológicamente, está sob uma enorme pressão para conseguir gerar emprego suficiente para a sua população.
Os governos, sob pretexto do “estado social”, começaram então a contratar aquelas pessoas que a “economia real” não conseguia absorver o que levou ao disparar do endividamento público, com as consequências que hoje se conhecem.

Em conclusão e como aperitivo para o que se há-de seguir:

1. a forma aguda de deslocalização, na actualidade, chama-se China.
2. a forma aguda de automatização, na actualidade, chama-se “replicação”.

Dentro em breve, num capítulo 2 deste texto, voltarei ao tema para mostrar como o efeito combinado destes dois factores torna o futuro muito mais complexo.
A crise actual é apenas sintoma de um longo acumulado de erros. As formas convencionais de a tentar resolver não levam a parte alguma.

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1 comentário:

Anónimo disse...

Regulador bancário da China adverte para o crescimento "anormal" da concessão de crédito no país e considera que os bancos "deveriam prestar muita atenção ao impacto potencial de uma queda pronunciada da procura de habitação."
A concessão de crédito por parte dos bancos chineses tem sido excessivamente rápida e já alcançou o tecto estabelecido pelos reguladores, segundo afirmou o presidente da Comissão Reguladora Bancária da China, Liu Mingkang, citado no El Economista.

“O volume de novos créditos tem crescido incrivelmente rápido, inclusivamente duplicou num curto período de tempo, porém a habilidade e a eficiência dos funcionários que concedem os empréstimos não pode ter duplicado ao mesmo tempo”, declarou Liu Mingkang em declarações recolhidas pela Reuters.

Os bancos chineses concederam em 2009 e 2010 empréstimos no valor de 17,5 biliões de ienes (1,93 biliões de euros), quase um quarto da produção total da economia nesse período.

O presidente Liu Mingkang prestou as declarações a meio de Janeiro, na sessão de os banqueiros mais importantes do país, numa altura em que um surto de empréstimos está a complicar os esforços oficiais para controlar a inflação, conduzindo a riscos de incumprimento.

O supervisor considera que se trata de um problema que se tem vindo a prolongar há muito tempo, com a intenção de fazer frente à crise financeira global. “Durante os últimos anos, o crescimento do crédito tem sido anormalmente explosivo” e “superou os limites definidos”, acrescentou.

A advertência de Liu também se refere ao mercado imobiliário. Segundo disse, os “factores irracionais” incrementaram-se e os riscos de financiamento acumulam-se.

“Os bancos deveriam prestar muita atenção ao impacto potencial de uma queda pronunciada da procura de habitação”, afirmou o banqueiro, acrescentando que as entidades deveriam “procurar uma forma de aplicarem testes de stress exaustivos [ao sector] de empréstimos hipotecários”.
NEGÓCIOS, 01.03.2011