sexta-feira, novembro 06, 2009

As duas justiças

.



Sócrates, a propósito da Face Oculta, voltou a debitar as banalidades do costume acerca da impossibilidade de se pronunciar sobre casos que estão nos tribunais.
Mas ao poder executivo o que está vedado é influir no funcionamento da justiça (como parece ter-se verificado no caso Lopes da Mota). Sócrates usa esse pretexto para evitar falar de um caso muito desconfortável.

Os casos que saltam para o domínio público são políticos por natureza e, quer se goste quer não goste, é impossível fugir-lhes ainda que por omissão. Com a justiça que temos (demorada e inoperante) é impossível evitar uma segunda justiça, paralela, em que a população faz os seus julgamentos a partir dos dados disponíveis. O caso Face Oculta já foi julgado pelo público tal como o caso Isaltino Morais e todos os outros. É inevitável.
Quando os infractores vão a votos, como o Isaltino, ficamos com uma ideia aproximada de qual foi a sentença do povo. No caso de funcionários e gestores públicos nomeados a coisa é mais complicada.

Na verdade os tribunais quando não condenam não passam nenhum certificado de inocência; limitam-se a dizer que, de acordo com as regras processuais em vigor, não foi exequível a condenação.

Os tribunais que vão julgar a Face Oculta hão-de um dia, daqui a vários anos, sejamos optimistas, decretar a penas previstas na lei. Os tribunais, como os cidadãos, podem eventualmente condenar inocentes ou absolver culpados pois em muitos casos isso depende fundamentalmente de questões processuais.
Os meandros e estratagemas jurídicos podem eventualmente levar à impotência, ou ao protelamento infinito das sentenças dos tribunais, mas os crimes cometidos não deixarão de existir por causa disso.

As escutas feitas pela polícia e escarrapachadas em todos os jornais e TVs não permitem grandes dúvidas e são mais do que suficientes para qualquer cidadão perceber o essencial do que se passou (se a polícia não fosse de confiança então nem valia a pena continuar qualquer discussão).
Sócrates, que é o responsável máximo pela nomeação dos seus amigos políticos para os cargos de gestores, claro que também já percebeu.

O Governo que nomeou arbitráriamente os arguidos não precisa de qualquer sentença transitada em julgado para os desnomear, como nos quer fazer crer. Tem a obrigação de fazer a leitura política da situação e de tomar as medidas necessárias para repor a confiança dos cidadãos.

Há realmente uma responsabilidade política nas nomeações por compadrio de gestores não só incompetentes como, confirma-se agora, corruptos. Foi isso que Pacheco Pereira disse ontem na AR.
Que Sócrates se atreva a responder a um deputado, seja ele quem for, com ataques pessoais dignos da discussão numa tasca é sintomático da decadência do actual regime.
.

4 comentários:

Anónimo disse...

Mesmo que a justiça funcionasse bem, a popular é muito mais rapida, e já julgou... como por exemplo: "confirma-se agora, corruptos" ... onde vais tu oh presunção da inocência! Neste país quem for arguido, é assumido como culpado, mesmo que daqui a muitos anos seja absolvido; nessa altura já ninguém se lembra e a vida profissional fica com as pernas cortadas. Também não fica bem a ninguém falar com um amigo que passou à condição de arguido, e então se o gajo for 1º ministro, nem se fala. Mas por outro lado se o mesmo tipo deixasse de falar ao dito arguido, logo as vozes se levantariam apontando o dedo por essa deslealdade. Com cão ou sem cão um gajo vai sempre preso neste país. FCouto

F. Penim Redondo disse...

Fernando,
se eu vir um tipo matar outro, a sangue frio, devo esperar que um tribunal o condene e que a sentença transite em julgado para ter a certeza de que ele é assassino ?
Mesmo que o tribunal, por questões processuais, absolvesse o autor do crime para mim ele seria, apesar disso, um assassino.
Os tribunais têm o poder de aplicar as penas definidas na lei mas não têm poder para transformar a realidade.

Anónimo disse...

Eu peço imensa desculpa por esta minha posição irracional, mas no que respeita ao Pacheco Pereira só se perdem as que caem no chão; aliás, o próprio, que sabe muito bem aquilo que faz, até ficaria admirado e quiçá ofendido se fosse de outra maneira, pelo que eu não quero deixar de lhe prestar este saboroso favor.

Quanto ao resto, ainda bem que a justiça popular em Oeiras funcionou de forma tão exemplar, uma vez que o resto do pessoal tem aqueles outros casos complicados para deslindar.

F. Penim Redondo disse...

Eu também não morro de amores pelo JPP mas isso é indiferente. Não aceito que o Sócrates desça o nível da AR seja com quem for.
Neste caso o JPP até fez uma perguta correcta e relevante.

Em Oeiras, pelos resultados eleitorais, ficámos a saber que há um número muito substancial de pessoas que entende que os crimes do Isaltino não são impeditivos do exercício da presidência da Câmara.
Eu não concordo mas nada posso fazer contra a opinião deles.

O caso do Vara é diferente pois o julgamento popular acaba por ser platónico. Ele foi nomeado pelo amigo Sócrates e até pode voltar a ser nomeado no futuro.
Ninguém te hipótese de votar sobre isso.