sexta-feira, janeiro 11, 2008

Um Camelot du Roi à portuguesa


Fui assistir na quarta-feira ao doutoramento no ISCTE do jovem José Neves – a quem dou os parabéns – sobre o tema Comunismo e Nacionalismo em Portugal – Política, Cultura e História no Século XX. No final da sua dissertação afirmou que, com a sua tese, quis também escrever a história na perspectiva dos vencidos e citou, como contraponto à sua intenção, uma frase que tinha lido nesse dia e que atribuiu ao "historiador do Público": Luís Pacheco, recentemente falecido, tinha vivido entre duas ditaduras a de Salazar e a do PCP. Fiquei espantado, tinha lido naquele jornal os textos necrológicos que normalmente são reunidos quando alguma personalidade relevante morre e não tinha encontrado nada que se pudesse assemelhar a tão estranha, mas corrente afirmação.

Descobri que José Neves já tinha lido o Público desse dia e que frase era do historiador Rui Ramos, que semanalmente, às quartas, tem uma crónica naquele diário.

A frase, que depois encontrei, referia-se ao drama dos "jovens intelectuais" da "colheita literária de 1945" – Cesariny, O’Neil e outros, incluindo Luís Pacheco –, que "passaram os trinta anos seguintes a ser moídos entre a ditadura política do Estado Novo e a ditadura cultural do PCP". Ou seja, por outras palavras, confirmava-se o que eu tinha ouvido da boca do José Neves.

Já se sabe que para reforçar esta provocação o “historiador do Público” tinha que recorrer à bênção de algumas prestimosas figuras intelectuais: Eduardo Lourenço, que segundo o autor explica bem esta situação, ou então ao diário de Virgílio Ferreira ou à correspondência de Jorge de Sena. Os dois últimos estão mortos e não podem vir desmentir o que se lhes atribui. Provavelmente Virgílio Ferreira até concordaria, quanto a Jorge de Sena, tenho dúvidas. Em relação a Eduardo Lourenço considero-o probo de mais para aparecer misturado com este pequeno provocador de direita.

Mas analisemos a prosa deste camelot du roi de trazer por casa. Os trinta anos a seguir a 45, altura em que surgiu o surrealismo, que desalinhou com o "nacionalismo salazarista e o neo-realismo comunista", vão parar a 1975, o que só por manifesta ignorância se pode considerar como a época "colonizada por “antifascistas” e académicos, todos muito respeitáveis". Todos sabemos, os que vivemos aquela época, que em 75, vá lá nas vésperas do 25 de Abril, há muito que o neo-realismo como corrente literária tinha esgotado a sua capacidade de intervenção, e que se de facto os grandes escritores portugueses eram antifascista, o que deve desagradar muito a este corifeu da direita, a verdade é que novos caminhos literários e com outras problemáticas tinham surgido. Não falando do Virgílio Ferreira, temos, no entanto, o Cardoso Pires, o Augusto Abelaira, o Stau Monteiro, o Nuno de Bragança, o próprio Urbano Tavares Rodrigues, que estava longe de ser neo-realista. Ou gente que veio do surrealismo, como o Ernesto Sampaio, o Virgílio Martinho ou o Mário-Henrique Leiria, e depois, como o Luís Pacheco, se aproximaram do PCP.

É difícil a um historiador, que tinha meia dúzia de anos em 74 perceber este meio literário, cheio de pequenas intrigas, que tinha ódios de estimação, recordava memórias e picardias de há vinte ou trinta anos atrás. Mas uma coisa era certa não usufruíam das sinecuras, dos bons lugares, dos convites para a rádio e a televisão, não reforçavam de certeza o seu fim de mês com a prosa escrita para os jornais do regime. Por isso, para os bens instalados de hoje este meio pode parecer claustrofóbico, mas a única ditadura que havia era de Salazar, com a PIDE a vigiar os cafés e a fazer relatórios sobre o que aqueles “irados” diziam.

Mas depois desta prosa do Rui Ramos, o mais espantoso é lermos o Avante! desta semana, dedicando um longo texto ao Luís Pacheco, escritor e comunista, com um discurso do José Casanova, no seu enterro, lembrando que uma das condições que ele exigiu para se tornar membro do Partido, é que tivesse um enterro como o Ary, com bandeira do PCP e discurso.

Pode o Sr. Rui Ramos tentar recuperar para a sua ideologia o Luís Pacheco, o provocador dos grupos “nacionalistas e neo-realistas”, mas na sociedade dominada pela beatice e pelo respeitinho o Luís Pacheco tinha sempre que ser subversivo, coisa de que está longe ser o “historiador do Público”.

PS.: Camelots du Roi, grupo de provocadores católicos e monarquistas, adeptos da Action française, de Charles Maurras, que pontificavam entre as duas guerras e que participaram activamente nos motins provocados pela extrema-direita em França, no dia 6 de Julho de 1934.


Este texto foi publicado inicialmente em Trix-Nitrix, um novo blog que eu criei.

2 comentários:

Anónimo disse...

Na morte de Luiz Pacheco

Segunda-feira, 07 Janeiro 2008

A Comissão Nacional do PCP para a Área da Cultura lamenta profundamente a morte de Luiz Pacheco e a perda que ela significa para a Cultura Portuguesa. Editor e escritor, assegurou um lugar na história da literatura portuguesa. Luiz Pacheco, autor em que vida e obra se confundem e se ampliam mutuamente, em que a ficção, a crítica literária e a crítica da mundanidade literária se respondem e ecoam um fundo insistente e desassombradamente autobiográfico, tornou-se em finais da década de oitenta, por sua iniciativa, militante do PCP - qualidade que manteve até morrer.

Na morte de Luiz Pacheco
Nota da Comissão nacional do PCP para as Questões da Cultura

Editor e escritor, Luiz Pacheco assegurou um lugar na história da literatura portuguesa. Enquanto editor, deve-se-lhe a publicação de obras de vários autores importantes, de Mário Cesariny a outros surrealistas e a Herberto Helder. Enquanto escritor a sua obra, em grande parte ainda dispersa - foi autor, entre outros títulos, de "Comunidade", "O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor", “O Teodolito", "Exercícios de estilo" e "Memorando, mirabolando" - dá testemunho de uma prosa depurada e segura, ágil e capaz de recriar a palavra oral e popular, e o calão.

Luiz Pacheco é um autor em que vida e obra se confundem e se ampliam mutuamente, em que a ficção, a crítica literária e a crítica da mundanidade literária se respondem e ecoam um fundo insistente e desassombradamente autobiográfico. Autor satírico, a sua obra combina a ironia e a subversão das convenções do moralismo conservador e hipócrita, com a capacidade de revelar o rosto agredido do ser humano, entre a opressão e o sofrimento da miséria e a alegria insurrecta.

Espírito livre e independente, personalidade lúcida e irreverente, Luiz Pacheco soube reconhecer no PCP o partido dos trabalhadores, o partido consequente, longa e tenazmente fiel aos seus princípios e objectivos, o seu Partido. Assim, em finais de década de oitenta, tornou-se por sua iniciativa militante do PCP - qualidade que manteve até morrer.

A Comissão Nacional do PCP para a Área da Cultura lamenta profundamente a morte de Luiz Pacheco e a perda que ela significa para a Cultura Portuguesa e manifesta aos seus familiares sentidas condolências.
http://www.pcp.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=31069&Itemid=1

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Espero que este anónimo comentador, que resolveu transcrever para aqui a nota da Comissão Política do PCP, não esteja a pensar que eu duvidava que o Luís Pacheco se tenha tornado comunista no fim da vida ou que o meu espanto se refira ao Avante! e não à contradição que existe entre o que diz o Rui Ramos e a notícia daquele jornal?
Mas ficar-me-ia pela ideia de um proselitismo militante que em toda parte vê a necessidade de transcrever as notas do PCP e fazer propaganda ao Partido. Penso que é um mau caminho, que aborrece e degrada a intervenção política.