Na sua Mensagem de Ano Novo, Cavaco Silva resolveu interrogar-se “sobre se os rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos seus trabalhadores”.
Foi, sem dúvida, o assunto mais falado da sua comunicação, até porque num discurso cinzento e de meias palavras, foi aquilo que sobressaiu como mais explícito. Assim, e sem referir os múltiplos comentários que foram escritos na imprensa, destacaria os dois programas da SIC Notícias que lhe fizeram pormenorizadas referências: Quadratura do Círculo e Expresso da Meia-Noite.
O primeiro constituído por um grupo de comentadores, todos a puxar para o mesmo lado, referiu-se lhe criticamente, o segundo mais matizado, prestou, quanto a mim, até algumas informações úteis.
Mas passemos aos factos. Na Quadratura do Círculo, António Lobo Xavier, claramente o representante do grande capital e da alta finança, foi muito crítico sobre aquela passagem. Achava que o Presidente da República não tinha nada a ver com isso. E na sequência de intervenções anteriores do mesmo jaez, achou que na vida privada das empresas ninguém se devia meter. Elas são donas e senhoras daquilo que administram. Foi o mesmo personagem que no caso da menina Esmeralda se insurgiu contras as críticas que foram feitas ao Tribunal, que decidiu que aquela deveria ser entregue rapidamente ao pai biológico, sem ter em conta os problemas psicológicos e afectivos que essa decisão iria causar na pequena. Considerou que o Sargento, o pai afectivo, era um raptor e que não havia pais biológicos, havia unicamente pais. Revelando uma insensibilidade típica das gentes bem nascidas, que consideram que têm desde a nascença direito de pernada sobre o comum dos mortais. E isso tanto se aplica aos filhos como às empresas que administram ou de que são consultores.
Pacheco Pereira, mais político, não se indigna tanto com as palavras do Presidente da República, mas considera que elas traduzem a posição ideológica de Cavaco Silva, que não se consegue libertar totalmente da tralha do Estado Social, que para Pacheco Pereira é a raiz de todos os males e a causa do empobrecimento da Nação. E apesar destas afirmações, que são ridículas aplicadas a este Governo, nunca vi Jorge Coelho fazer o mais pequeno esforço para se demarcar delas.
Por fim, este último, usando uma daquelas tiradas demagógicas, que são apanágio do PS, diz que o que está mal é haver tantos a ganharem tão pouco e não os ordenados chorudos dos administradores. Ou seja, neste caso, porque lhe convém, para não destoar dos seus companheiros de debate, quer nivelar por cima, ao contrário dos seus camaradas de Partido e de Governo, que no dia a dia vão nivelando por baixo, afirmando sempre que os que têm umas migalhitas a mais são uns privilegiados e que há pôr todos por igual.
Quanto ao Expresso da Meia-Noite a corrente era outra. Excepto Inês Serras Lopes que no princípio, ainda embalada pela opinião de vários comentadores de direita, criticou aquelas palavras do Presidente da República, todos os outros, apesar de terem posições ideológicas diferentes, se manifestaram favoravelmente em relação a elas. Afirmando, com conhecimento de causa, que este assunto está a ser debatido noutros países.
Na Alemanha, por exemplo, a chanceler pretende até legislar sobre o assunto. Nos EUA é também objecto de discussão. Por outro lado, as empresas cotadas na bolsa devem fornecer o vencimento dos seus dirigentes, dado que quanto maiores eles forem menores serão os lucros dos seus accionistas. Ou seja, traçaram um perspectiva sobre o assunto que foge á tradicional reflexão dos nossos liberais de trazer por casa, que quando se critica a sacrossanta propriedade privada e a gestão das suas empresas, aqui D’el-rei que estão a limitar a liberdade dos patrões.
Por outro lado, chegou-se a insinuar que as palavras de Cavaco Silva se referiam aos ordenados desmedidos dos administradores do BCI, agora que começaram a ser conhecidas as trapaças que aqueles cometeram.
Quanto a mim, aquelas afirmações de Cavaco Silva, que, ao contrário do que alguns têm dito, não se converteu à esquerda, vêm na linha, não da social-democracia, de que alguns dizem que Cavaco Silva é um lídimo representante, mas sim do ensinamento social da Igreja, que sempre achou que a riqueza desmedida de alguns, é uma ofensa a Deus e os pobrezinhos” e que os que muito têm devem ajudar os que menos têm e isso se pode desde logo aplicar às empresas que administram.
Reconhecendo que este discurso não resolve nada, tem pelo menos o mérito de opor ao neo-liberalismo vigente, algumas preocupações socais, que hoje estão completamente ausentes do discurso dominante.
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6 comentários:
Estou convencido de que as motivações de Cavaco são de tipo moral e profissional.
Ele não disse que o excesso ganho pelos gestores deveria ser distribuído pelos restantes trabalhadores.
Ele acha é que é imoral a diferença entre os salários dos gestores e os dos meros trabalhadores.
Ele também pensa, provavelmente, que muitos gestores são incompetentes e por isso não justificam o seu vencimento.
Parece-me portanto que tu te equivocas quanto à bondade social deste discurso.
Cavaco nada disse sobre os lucros dos accionistas. Os gestores, pelo menos em teoria, contribuem para o sucesso da empresa. Nesse sentido são, em muitos casos, também trabalhadores assalariados.
Para equilibrar os salários dos gestores com os dos trabalhadores ele podia ter, em alternativa, proposto a diminuição dos lucros.
Em resumo: Cavaco não tocou nos lucros dos proprietários, e tentou reduzir os salários de uma parte, a mais bem paga, dos trabalhadores.
Mais uma medida de proletarização das camadas médias ?
Lamento, mas não percebeste nada do que eu disse.
Primeiro critiquei os nossos ultraliberais, que acham que nunca se deve criticar, pelo menos ao nível institucional, a as medidas tomadas pelos patrões e dei exemplos.
Segundo, parecendo que isto era uma particularidade do nosso Presidente é um assunto bastante abordado lá fora, e não por comunistas ou gente de esquerda, mas pelo próprio “sistema”.
Terceiro, parece que isto tinha destinatário: os gestores do BCI. Ou não sei se era essa a sua intenção?
Quarto, que não era uma conversão à esquerda do Cavaco, como alguns insinuaram, por exemplo no Eixo do Mal.
Quinto, que a sua posição não resultava de um discurso social-democrata de que ele era um lídimo representante, coisa que alguns afirmam.
Sexto, que, quanto a mim, o discurso dele coincide com o da Igreja, que sobre isto às vezes, quando não está a falar do preservativo, também se pronuncia.
Sétimo, digo que este tipo de preocupações não levam a nada, mas sempre são melhores do que o discurso ultraliberal dos nossos aprendizes de capitalistas.
Por isso, proponho-te que faças uma leitura mais atenta do que eu digo.
Tu terminas o teu texto com:
"...tem pelo menos o mérito de opor ao neo-liberalismo vigente, algumas preocupações socais, que hoje estão completamente ausentes do discurso dominante."
Ora eu acho que o texto do Cavaco não tem "preocupações sociais" e até favorece os empresários já que terão que pagar menos não só aos trabalhadores como aos próprios gestores.
Só falta ameaçar substituir os gestores por outros importados da China, mais baratos. Se isto não é neo-liberal então...
Acho que tu é que estás a confundir os gestores com os detentores do capital. Esses é que, sem qualquer esforço, ganham muito mais do que os gestores.
Primeiro, apesar de eu não estar interessado em aprofundar este assunto, há no entanto muitos teóricos marxistas que consideram que os administradores fazem parte da classe que detém o capital e não são simples assalariados.
Segundo, é simplificar e ridicularizar o discurso do Cavaco dizer que ele queria com aquelas afirmações aumentar os lucros dos accionistas. De facto ele foi criticado pelos nossos ultraliberais e não pela esquerda.
PS. como é que se consegue alterar, editar, uma mensagem já escrita. A minha anterior, está cheia de erros.
se calhar "ele foi criticado pelos nossos ultraliberais e não pela esquerda" porque, quer uns quer outros, ouviram não o que ele disse mas o que queriam ouvir.
(continuação do anterior)
Ou então nem uns são realmente ultraliberais nem os outros são verdadeiramente de esquerda.
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