domingo, dezembro 04, 2011

O EFEITO "TITANIC"




Miguel Sousa Tavares no Expresso de hoje


A Itália está na iminência de pedir tam­bém resgate financeiro e a Espanha e a Bélgica estão apenas em fila de espera. A Inglaterra vai proceder a novo corte brutal da despesa publica para controlar o défice, ao mesmo tempo que tenta evitar a entrada em recessão, tal como a Franca e... a Alemanha. Os Estados Unidos, sem as limitacoes impostas ao Banco Central Europeu, fazem moeda sem querer saber da inflação mas apostados em evitar a todo o custo que o défice seja controlado á custa da economia. 


Neste mundo em desagregação, onde o poder politi­co se transferiu dos Estados pa­ra os mercados e a crise das dividas soberanas e o único factor económico que conta, os lideres politicos estão paralisados — uns por incompetência, outros por falta de coragem, outros por teimosia irracional. Sarkozy é um palhaço nas mãos de Angela Merkel e a chanceler alemã, com o navio a meter água por todos os lados, só se interessa em discutir as regras de navegação e castigar quem deixou entrar água a bordo. Vamos ao fundo, parece inevitável. O euro, segundo o "Financial Times", tem apenas mais umas semanas de vida; depois dele, vai a União Europeia e, depois dela, vai todo o sistema económico globalizado em que vivíamos como no melhor dos mundos.

Não e preciso ser particularmente inteligente para perceber que Portugal, no meio deste naufrágio geral, é menos do que um camarote de terceira classe a bor­do do "Titanic". Se o naufrágio se consumar, vamos perder tudo o que conquistámos nos ultimos vinte anos: euro, Europa, ajuda externa, crédito barato, bem-estar, reformas garantidas. Vamos retroceder vinte anos, mas nao te-mos, obrigatoriamente, de retro­ceder quarenta: não é preciso também sacrificar a democracia. 

A ultima coisa de que precisamos é de entrar em guerras fratricidas, do tipo "se me tiram o 13º mês tambêm têm de tirar o do meu vizinho". Esta estupida guerra antipatriótica (inaugurada por quem tinha a responsabilidade de dar o exemplo oposto, o Presidente da Republica) não vai conduzir a nenhuma repartição equitativa de sacrificios, mas apenas a uma luta feia e suicidária por um lugar a bordo dos salva-vidas do "Titanic". Já foi explicado, mas, pelos vistos, há quem faça questão de fingir que não entende: a razão pela qual o Governo vai retirar os subsidios de Na­tal e de férias à função publica e não aos trabalhadores privados, é porque os funcionários públicos são despesa do Estado e os outros não. E do que agora se trata é de diminuir a despesa públi­ca e não de sobrecarregar ainda com mais impostos uma econo­mia moribunda. Podia-se, de fac­to, acrescentar a receita do Esta­do com um imposto extraordinário que retirasse os subsidios a to­do o sector privado, mas isso ape­nas serviria para conduzir a me­nos poupança, menos consumo, mais falências no comércio e serviços, mais desemprego e mais recessão.

Na esteira das reflexões intempestivas do Presidente e abrigados por elas, logo tivemos ou­tros sectores, como as Forgas Ar­madas e a magistratura, a confundirem o corte dos seus subsi­dios com a questão central do momento e até com uma ofensa à Constituição e uma ameaça à democracia. Eles e o professor de Finanças Públicas que nos preside ignoram, por certo, o que seja a vida fora da protecção de um emprego público garantido para sempre, porque nunca a experimentaram. De certo não sabem que, antes mesmo de os funcionários públicos serem atacados pelo orçamento, já muitos trabalhadores do sector privado tinham visto os seus salários diminuídos e 300.000 deles viram o seu emprego acabar. Nao sabem que, "lá fora", e ao contrário do que acontece nas empresas públicas, a regra do jogo é simples: se uma empresa não consegue receitas que cubram as despesas, fecha.

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Aliás, no turbilhão planetário em que estamos envolvidos, imaginar que a reposigao dos subsídios da função pública ou a mera invocação do boi sagrado que é a nossa Constituição, ajudaria a re-solver o que quer que fosse é menos do que ingenuidade. 
A Inglaterra vai despedir 700.000 fun-cionários públicos nos próximos três anos. Despedir: não é apenas cortar-lhes o vencimento ou os subsídios, o que já foi feito, também. E, apesar disso, que ninguém tenha dúvidas de que a Constituição inglesa, nao escrita, e a democracia inglesa vao resistir a isso, como resistiram a coisas bem piores. E seguramente que os tribunais ingleses não vão avocar um direito especial de serem oposição a um governo eleito. Porque, na hora em que o país está ameaçado, a nação une-se, para defender o essen­tial. 


A última vez que, a pretexto da crise financeira, nos esquecemos de que o essential é a demo­cracia e a liberdade, aconteceu o 28 de maio de 1926 e cinquenta anos de ditadura. É facil matar o mensageiro, quando não gostamos da mensagem: já o fizeram os gregos, os irlandeses, nós, os espanhóis e os italianos. Nenhum governo resiste a esta cri­se, mas, ao menos, caem por meios democráticos ou semelhantes. Mas, se forem os magistrados, os militares ou a rua a derrubar os governos legítimos, entregamos o poder a quem — ao Otelo? Aos meninos indignados? Ou a um novo Salazar?

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