sexta-feira, dezembro 23, 2011

"Estados de direitos" e "Estados de deveres"



Grande parte dos mal-entendidos nas relações com a China resultam de não se assumir que o estado chinês é um estado de outro tipo.
Digamos que há os "estados de direitos", que se ocupam de garantir o exercício de direitos, e os "estados de deveres".


Os "estados de deveres" consideram que a sua missão essencial é a prossecução estratégica daquilo que definem como interesse da sua nação. 
Os interesses particulares, mesmo que económicamente poderosos, são calibrados pelo estado à luz do objectivo primordial. Esse objectivo é tão relevante que faz qualquer dissenção aparecer como indesejável, quando não criminosa. 
Por isso os "estados de deveres" assumem formas ditatoriais mais ou menos violentas.
O "estado de deveres" existe para proibir ou condicionar e não para garantir a sustentabilidade dos modos de vida ou a subsistência das famílias. 


Os "estados de direitos" correspondem normalmente a nações que, por razões históricas, consideram estar ultrapassada a questão da sobrevivência ou independência da nação. Ou nunca foram colonizados ou as experiências de subordinação nacional já se perderam na memória colectiva.
Os "estados de direitos" converteram-se em meros gestores das poupanças nacionais, ou do endividamento nacional, e declaram como sua principal missão a promoção da "justiça social". 
Funcionam normalmente como democracias. A concessão de direitos e garantias constitui o mecanismo básico das mensagens eleitorais em que geralmente é omitida a questão da sustentabilidade das propostas. 
Restrições ou limitações impostas pelo estado são, em geral, mal vistas.
Concedem enorme liberdade aos agentes empresariais poderosos na modelação da estratégia económica, sejam quais forem as consequências sociais, mas depois montam um esquema complexo de redes de "solidariedade" para socorrer as vítimas.


Qualquer pessoa pode fácilmente imaginar as diferenças entre os comportamento dos cidadãos que vivem nos "estados de deveres" e os que vivem nos "estados de direitos"; tais diferenças são notórias no que toca ao trabalho, às poupanças, às reivindicações, às expectativas, à organização das suas vidas etc.


Temos razões para nos vangloriar da nossa qualidade de vida ocidental e do conforto de que disfrutamos (que só foi possível através da pilhagem de outros continentes) mas só um tolo pensa que tais vantagens estão garantidas independentemente da riqueza dos nossos "estados de direitos". 


Na conjuntura actual o "estado de deveres" chinês surge como protagonista de um enorme sucesso económico que, para além do mais, por comparação, serve para tomarmos consciência da precariedade do nosso modo de vida.


Num mundo instável e perigoso levanta-se a questão de saber se o método chinês é exportável, nomeadamente para outros países "emergentes".
Mas a verdade é que a China não é um país qualquer. Embora subalternizada no fim do século XIX e na primeira metade do século XX pelas "potências ocidentais", a China é um colosso populacional e detentora de uma cultura complexa e antiquíssima que sobreviveu a todos os acidentes da sua história milenar.


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