sábado, outubro 31, 2009

A insuportável riqueza de pertencer

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.Quem dá nome às operações policiais? A mais recente chama-se "Face Oculta", mas ninguém dá a cara pelo baptismo. É pena, queria dar-lhe os parabéns.
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Em Aveiro, onde começou o caso que agora enche os jornais, há uma casa de alterne que se chama "Face Oculta". Bem escolhido para esta operação! O que se faz numa casa de alterne? O mesmo que a corrupção faz a um povo inteiro.
Ferreira Fernandes, DN 31.10.2009

Tem graça, mas eu preferia dar os parabéns a quem escolheu o nome por outra razão: é que ao dizer "Face Oculta" insinua-se que existe uma face visível. E essa face visível é a que passa todos os dias, nas televisões, à frente dos nossos olhos.
O Homem primordial aprendeu a proteger-se das ameaças da natureza através do agrupamento de famílas, clãs e tribos. Mas depois percebeu que também é em grupo que mais eficazmente se ataca e caça. E passou a agrupar-se também para obter privilégios, desapossar outros, e em geral, para exercer domínio.
O "homem é o lobo do homem" não por ser egoísta e ambicioso mas fundamentalmente por actuar, como os lobos, em forma de matilha. Os lobos solitários não podem fazer grande estrago.
Vem tudo isto a talhe de foice para dizer que a Face Oculta que nos choca é apenas a outra face da enorme moeda em que vivemos. A organização social, com as suas inúmeras formas de associação é, por muito que nos custe, o caldo de cultura ideal para todo o tipo de desmandos.
O egoísmo "natural" dos indivíduos é uma brincadeira de crianças quando comparado com a capacidade predadora das "organizações humanas". Mesmo quando elas invocam as mais nobres causas (tal como o arguido Manuel Godinho que se notabilizou por ajudar os Bombeiros e o Clube de Futebol de Esmoriz).
Por isso nutro uma enorme desconfiança pelas agremiações; quer sejam partidos ou clubes, tertúlias ou grupos de antigos "qualquer coisa", maçonarias ou Opus Dei, fãs do Tony Carreira ou sindicatos, igrejas ou clãs de académicos, corporações dos médicos, dos professores ou dos juízes. Em geral existem para vender o voto ou ser eleito, impressionar o chefe ou o patrão, pedir favores, privar com estrelas mediáticas, arranjar emprego para o próprio ou para os filhos, receber casa dada pela Câmara, arranjar padrinhos e cunhas, ficar bem visto pelos vizinhos e amigos, desbloquear as promoções ou os contratos, comprar a vida eterna pelo sim pelo não, sentir-se intelectual e culto e, em geral, ser políticamente correcto.
O cidadão, para o ser integralmente, precisa de fugir de tais esquemas como o diabo da cruz.
Marx falou dos proletários como "aqueles que nada têm a perder". Hoje, se queremos preservar a diginidade, é preciso não pertencer para nada ter a ganhar.
Hoje, quando a náusea se torna insuportável e nos apetece voltar à simplicidade primitiva só nos resta fugir para o Alentejo profundo ou para algum serrania transmontana.

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sexta-feira, outubro 30, 2009

As lições de Moçambique

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Os resultados preliminares das eleições presidenciais, legislativas e provinciais de quarta-feira em Moçambique apontam para uma vitória folgada da Frelimo, desde 1975 no poder, e para um segundo mandato do Presidente, Armando Guebuza, eleito em Dezembro de 2004 para substituir Joaquim Chissano.
Os primeiros resultados oficiais, divulgados ao princípio da noite de ontem, mostravam que, com 17 por cento dos votos escrutinados, a Frelimo conseguiria 76 por cento dos votos, enquanto Armando Guebuza surgia com 77 por cento, muito à frente dos candidatos da oposição.
Público 30.10.2009
É caso para felicitar os moçambicanos por terem realizado as eleições de forma impecável. A sua maturidade é tal que conseguiram votar no mesmo dia as presidenciais, as legislativas e as provinciais enquanto que os portugueses não se abalançaram sequer a ter em simultâneo as legislativas e as autárquicas.
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quinta-feira, outubro 29, 2009

Luxos de quem não está endividado

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A linha ferroviária de alta velocidade Pequim-Xangai, a maior do mundo, com 1.318 quilómetros de comprimento, deverá estar operacional em 2012, noticia hoje a imprensa chinesa.
A construção deste projecto entrou já na "crucial fase final" e estará concluída em 2011, revela o jornal "China Daily", a propósito da conclusão de uma ponte com um arco de 108 metros nos arredores de Xangai, há cerca de um mês.
A linha férrea de alta de velocidade Pequim-Xangai vai encurtar para apenas cinco horas (metade do tempo actual) a viagem entre as duas principais cidades chinesas, e terá capacidade para transportar 80 milhões de passageiros por ano e mais de 100 milhões de toneladas de carga, segundo o Governo chinês.
Esta obra, orçada em 220,9 mil milhões de yuan (21,7 mil milhões de euros) é a mais cara do Governo comunista nos últimos 60 anos.
A China planeia construir 13 mil quilómetros de linha férrea de alta velocidade nos próximos três anos, mais do que a rede existente actualmente em todo o mundo.


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quarta-feira, outubro 28, 2009

O Crepúsculo dos Deuses

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A fabulosa música de Wagner, e várias horas de deuses e heróis, para quem conseguir aguentar.

O Crepúsculo dos Deuses foi a última jornada do Festival Cénico "O Anel do Nibelungo" no S. Carlos, com uma encenação (de Graham Vick) e uma cenografia arrojadas e por vezes belíssimas.


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terça-feira, outubro 27, 2009

A nova complexidade do casamento

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As coisas estão a tornar-se progressivamente mais complicadas. De exagero em exagero, extrapolando este caso de carácter moderado, podemos vir a ter nos jornais histórias do tipo:

um padre que afinal era muçulmano, oficiou um baptizado que afinal era um casamento, entre uma noiva que afinal era um homem e um noivo que afinal já casara 7 vezes.

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segunda-feira, outubro 26, 2009

Português de Yale critica estagnação do superior

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Miguel Poiares Maduro, ex-advogado geral no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e professor da Universidade de Yale diz que universidades nacionais continuam muito conservadoras e pouco dadas a valorizar o mérito.
Apesar do "investimento" dos últimos anos, as universidades portuguesas continuam muito fechadas em si mesmas, eternizando a cultura da "substituição do professor pelo seu assistente" , "conservadoras" no ensino e pouco dadas a procurar e valorizar o "mérito" no seu corpo docente. Quem o afirma é Miguel Poiares Maduro, o primeiro professor português na Universidade de Yale, nos Estados Unidos.
Em conversa com o DN, Poiares Maduro - que terminou recentemente um mandato de seis anos como advogado geral no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (ver texto ao lado) confessou "alguma desilusão" com a falta de evolução das universidades portuguesas nos anos que passou no Luxemburgo.
"Portugal teve nos últimos anos um investimento em termos de recursos financeiros no ensino superior que, do meu ponto de vista, não teve os frutos que deveria ter", considerou, defendendo que, se no plano da "investigação", houve melhorias assinaláveis, no que diz respeito à qualidade da oferta educativa das universidades nada se alterou.
"Há até de certa forma quase duas culturas em Portugal", explicou. "Uma cultura científica nos projectos de investigação, muito mais europeia, muito mais internacional, muito mais meritocrática, muito mais avançada . E outra, nas universidades, de um ensino que é muito mais conservador e tradicional e que não evoluiu", lamentou.
Para Poiares Maduro, as reformas do sector nos últimos anos - do regime jurídico das instituições ao novo sistema de graus e diplomas de Bolonha - não produziram ainda efeitos ao nível da qualidade da oferta educativa.
E mesmo as parcerias internacionais no ensino e investigação promovidas pelo Governo - por exemplo com o MIT e as universidades de Austin e Carnegie Melon - foram projectos "com alguns benefícios" mas não soluções.
Segundo defendeu, as medidas do Governo deveriam ser orientadas, isso sim, para se criarem "mecanismos de incentivos correctos para se alterar a cultura" das instituições.
Entre eles propôs a obrigatoriedade de as instituições "recrutarem a maioria do seu corpo docente fora da universidade, para se fazer uma selecção com base no mérito", e de se criarem instrumentos que permitam "flexibilizar" as remunerações dos professores, "premiando os que têm paralelamente uma carreira melhor em forma de ensino e investigação".
O jurista defende que, actualmente as instituições capazes de se afirmar internacionalmente "são ilhas".
Uma categoria onde incluiu a Universidade Católica de Lisboa - na qual vai também orientar agora um projecto de pós-graduação internacional da área do Direito.

DN, 26.10.2008

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Pequim em 2 ou 3 rodas

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Como é sabido as biciletas, com duas ou três rodas, têm múltiplas aplicações na China.


Veja AQUI um conjunto de fotografias que realizei em Pequim no passado mês de Setembro.

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domingo, outubro 25, 2009

China será a segunda maior potência global em 15 meses

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PEQUIM - Em algum momento dos próximos 15 meses, a China deverá ultrapassar o Japão e se tornar a segunda maior economia do mundo, no mais extraordinário processo de ascensão de um país na história da humanidade. A ultrapassagem ocorrerá pelo menos cinco anos antes do que se previa anteriormente e será acelerada pelo impacto da crise financeira que abalou o mundo a partir de setembro de 2008.
As previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o próximo ano colocam a China no segundo lugar do ranking de países por Produto Interno Bruto (PIB), com US$ 5,263 trilhões, acima dos US$ 5,187 trilhões do Japão.
Para alguns economistas, a troca de lugares só não ocorreu ainda em razão da persistente valorização do iene japonês, que infla o tamanho do PIB do país quando ele é convertido para o dólar. Na China, o yuan está no mesmo nível desde meados de 2008, o que limita o valor em dólar da economia.
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sábado, outubro 24, 2009

Saramago. A forma e o meio


Tenho a impressão de que a Saramago falta a compreensão da diferença entre os livros que escreve e os grandes meios de comunicação de massas onde opina.
Ele não pode supor que quem o ouve na TV vai posteriormente ler os seus livros para compreender o alcance daquilo que ele disse. Na verdade só uma escassa minoria dos milhões de espectadores que o vêem no ecran lê os livros dele.
Esta distinção é muito importante dada a justa fama que rodeia o autor de Caim.
O surgimento de uma estrela mediática como José Rodrigues dos Santos, com o seu livro "Furia Divina" vai, pela coincidência temporal, contribuir ainda mais para depreciar as declarações avulsas de Saramago sobre a Bíblia. De repente as opiniões bombásticas de Saramago vêem-se enredadas com uma bomba atómica da Al-Qaeda e o público deixa de perceber onde termina a dissertação ensaística e começa o sensacionalismo ficcional.
Quando alguém alcança um estatuto como o de Saramago tem que gerir um difícil equilibrio comunicacional. As suas falas são como os remédios que têm que ser tomados em pequeníssimas doses porque, de outro modo, convertem-se em venenos.
Quem tem muito prestígio quando fala, se não tiver em conta a forma e o meio, corre o risco de parecer ter o rei (ou Deus) na barriga.
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As grandes fortunas viajam muito

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O dinheiro das fortunas portuguesas colocado nos paraísos fiscais para escapar aos impostos não pára de aumentar. Só até Agosto, foram mais de nove mil milhões de euros, diz o Banco de Portugal. Louçã diz que está aqui a prova que a crise orçamental "é uma farsa".
"Se temos 9 mil milhões de euros que não vão pagar impostos para 'offshores', quer dizer que é uma farsa toda a grande crise orçamental do país, porque isso é mais do que o dinheiro suficiente para corrigir o excesso do défice orçamental e é por isso que não aceitamos que nos digam que não há recursos para uma melhor educação ou para reduzir as taxas moderadoras na saúde e acabar com a injustiça social em relação aos desempregados", afirmou Louçã em declarações aos jornalistas sobre o futuro governo.
O montante do dinheiro aplicado este ano em off-shores corresponde a 5,5% do PIB nacional e revela um crescimento de 47,4% em relação a igual período do ano passado. A duplicação das aplicações enviadas para offshores entre Fevereiro e Março - de 646 milhões de euros para 1,3 mil milhões - coincide com o período do pagamento de dividendos por parte de muitas empresas.
Partilho absolutamente a indignação de Louçã acerca desta descarada (e tolerada) fuga aos impostos que a todos nós penaliza.
Só é pena que Louçã não veja que, precisamente por causa desta expatriação dos capitais, as propostas do BE para agravar a taxação das "grandes fortunas" mais não farão, se adoptadas, do que aumentar carga fiscal da classe média. A classe média que não tem condições para mandar as suas modestas fortunas para os paraísos fiscais.
Aproveito para acrescentar que as definições de "grandes fortunas" que vêm sendo anunciadas pelo Bloco constituem autênticas anedotas. Louçã parece ter uma ideia muito vaga do que é ser rico.
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sexta-feira, outubro 23, 2009

Do modo funcionário de viver

ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Um Adeus Português (Alexandre O'Neil)
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Um amigo alertou-me para que "todo o governo é parido no sector público". Mas se virmos bem é isso que sucede também com os deputados e os dirigentes dos partidos. A "classe política" é cada vez mais constituída por académicos, professores e advogados.

Fazer política, do BE ao CDS, é cada vez mais um hobby de funcionários da Administração Pública. Nesse sentido pode dizer-se que vivemos numa espécie de socialismo, dada a presença bastante exígua de pessoas do sector privado, quer empresários quer trabalhadores assalariados, nas cadeiras do poder.

Interrogo-me se as pessoas que nos governam, nascidas e criadas a gastar o dinheiro de um orçamento que parece cair do céu, poderão algum dia ter uma ideia, que não seja vaga, dos mecanismos económicos essenciais. Se algum dia entenderão que a discussão política não pode, como vulgarmente acontece, incidir apenas em como gastar os impostos sem cuidar de saber quando, como e com quem se assegura a criação de riqueza.

O governo não existe para resolver os problemas dos funcionários mas sim os do país. O que é bom para os funcionários não é necessáriamente bom para o país.

Quando temos uma ministra da educação que é funcionária professora , uma ministra da saúde que é funcionária médica e uma ministra do trabalho que é funcionária dos sindicatos dá-nos a impressão de que Sócrates abandonou neste mandato qualquer veleidade de impôr o primado do conjunto dos cidadãos.

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quinta-feira, outubro 22, 2009

O Chato acusa Saramago de plágio

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O Chato, do programa televisivo "Os Contemporâneos", está a pensar processar Saramago por este ter alegadamente plagiado o seu sketch do confessionário. Para se vingar o Chato também ameaça escrever um romance.
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Vêm aí os talibãs ?

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A grande maioria dos portugueses não leu, e nunca lerá, os livros de Saramago mas ouviu-o na TV. A discussão em curso é, ou devia ser, sobre as afirmações desgarradas de Saramago que, essas sim, quase toda a gente ouviu.

O que está em causa não é a liberdade de expressão de Saramago, que ninguém pode retirar-lhe mesmo que queira. Saramago é até um dos poucos portugueses que terá eco nos meios de comunicação diga o que disser. (Infelizmente nos dias que correm é raro que as discussões sejam realmente sobre o tema aparente; estamos sempre a discutir outras coisas, por interposto pretexto, ou a tentar levar a água a algum moinho que não tem nada a ver com o caso em apreço).

O que está em causa também não é saber se Saramago tem ou não tem razão. Aquilo que Saramago disse já o disseram incontáveis intelectuais e artistas. Pode-se, como eu, achar que as teses dele são perfeitamente defensáveis e no entanto ter dúvidas sobre a bondade das afirmações feitas no lançamento do novo livro.

O que devia estar a ser discutido era por que razão decidiu Saramago, neste momento, começar a gritar coisas que estão fartas de ser ditas. Houve alguma modificação importante na sociedade portuguesa ? estamos em risco de ser manietados por algum tipo de fanáticos religiosos ? Parafraseando "Vêm aí os russos?" apetece dizer "Vêm aí os talibãs?"

Aquilo que eu observo é o que todos podemos ver: a esmagadora maioria dos cidadãos vive o seu dia a dia como se Deus não existisse e tem com a igreja uma relação institucional e rotineira. Na vida social são raras as referências à religião e às suas práticas e não tenho detectado qualquer proselitismo militante excepto da parte das Testemunhas de Jeová.

Por isso eu considero que a actuação de Saramago é surpreendente e difícil de interpretar, uma espécie de "vem aí o lobo" pela milésima vez.

Considero "O evangelho segundo Jesus Cristo" uma obra prima e admito que "Caim", que não li, seja também um excelente livro. Não tenho qualquer dúvida sobre a validade e importância de produzir tais obras literárias.

Já outro tanto não posso dizer desta recente campanha eleitoral contra Deus iniciada em Penafiel. Depois das europeias, das legislativas e das autárquicas não precisamos de umas "presidenciais trancendentais" entre Saramago e Deus. E muito menos que sejam uma espécie de primeira volta das verdadeiras presidenciais.

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quarta-feira, outubro 21, 2009

Saramago no Olimpo

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Se defendemos, justamente, que Saramago tem o direito de expressar as suas opiniões sejam elas quais forem, então há uma coisa que não podemos fazer: negar esse mesmo direito a quem o critica.
Mas é isso que têm estado a fazer muitos críticos dos críticos de Saramago.

Se Saramago pode dizer: “Deus é vingativo, rancoroso e não é de confiança" então, para sermos coerentes, os seus críticos podem igualmente usar adjectivos pesados para qualificar o escritor.

Não podemos defender a liberdade de expressão, por um lado, e pretender limitá-la, por outro.
Se assim não fosse, se negássemos a possibilidade de o criticar, então Saramago gozaria de um estatuto superior às igrejas e a Deus.
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Ocidente felicita Karzai ? mas exige segunda volta credível ?

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Ocidente felicita Karzai ? Um tipo faz uma fraude de mais de um milhão de votos e é felicitado ? E em vez de ser encarcerado vai a uma "segunda volta credível" ?
Depois disto o Ocidente e a ONU vão pregar democracia a quem ? com que lata ?
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terça-feira, outubro 20, 2009

Saramago e Barois

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No DN de hoje Ferreira Fernandes invoca o Jean Barois a propósito da polémica que envolve Saramago.

"Jean Barois foi um rapaz do meu tempo, porque no meu tempo de rapaz (anos 60) ainda se liam histórias do princípio daquele século. Roger Martin du Gard escreveu, 1913, O Drama de Jean Barois, a história de um jovem católico que, em adulto, descrê porque a Ciência lhe explica tudo; mas, velho, Barois retoma a fé antiga. Martin du Gard, que será Nobel em 1937, conta o drama sem tomar partido, mas deixando-nos com a suspeita de que o trajecto é inevitável."
Também eu, como tantos da minha geração, li este romance na adolescência, altura em que abandonei a religião para sempre.
O jovem que eu era ficou muito impressionado com a possibilidade de voltar a ser crente por efeito da velhice e dos medos da morte. Hoje, com os meus 64 anos, esses receios parecem-me descabidos.
Por isso não acompanho Ferreira Fernandes quando diz:
"Ser velho e continuar a tentar (acabar com as religiões) - e nessa coisa tão íntima e temível que é a religião, e indo a contracorrente - é simplesmente admirável."
Para quem, como eu, deixou há muito de se atormentar com a questão religiosa o regresso recorrente de Saramago ao tema soa a questão mal resolvida. Algo com que ele se continua a confrontar penosamente.
A mim o que me atormenta são os fanatismos, o vício humano de querer impor aos outros, de forma mais ou menos violenta, os comportamentos "correctos". E, como Saramago devia saber, os fanatismos não são exclusivo das religiões.
O retorno cíclico de Saramago à questão religiosa, mesmo que a pretexto de a negar ou até de provocar os seus actores, pode sobretudo significar que o problema não está resolvido no seu espírito.
Por isso a imaginação mostra-me um cenário a que eu não me atreveria: a conversão de Saramago no seu leito de moribundo.
Barois saltaria assim da ficção para história do século XXI como um tsunami cultural de grande magnitude.
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segunda-feira, outubro 19, 2009

O evangelho segundo Saramago


Postei em Julho de 2007:

Descobri Saramago com "Levantado do Chão", que me maravilhou, muito antes de ele se tornar famoso. O "Memorial...", o "Ricardo Reis..." e o "Evangelho..." deixaram em mim marcas muito fortes.
Nos últimos anos tenho cada vez mais dificuldade em ler os seus livros. Estou convencido de que, em arte, é muito mais importante mergulhar nas dúvidas, nas perguntas e na complexidade do que partir de uma base simplista de certezas.
A grandiosidade das metáforas de Saramago cada vez mais me parece inquinada por uma arrogância apologética que é, por natureza, o contrário da arte tal como a concebo.
Por alguma razão Saramago convenceu-se de que lhe competia vestir-se como um misto de juiz e de pitonisa o que costuma, tarde ou cedo, levar à produção de obras chatas.
Passados dois anos, no lançamento do seu novo livro "Caim", Saramago volta a causar polémica.
Não me passa pela cabeça questionar o direito que ele tem a exprimir as suas opiniões mas julgo que não adianta nada à velha polémica religiosa a vinda a terreiro de um génio da literatura afirmar ostensivamente o óbvio, em jeito de despedida.
Quem leu o "Evangelho segundo Jesus Cristo" e se maravilhou com as dissertações que ele contém não pode gostar do primarismo da entrevista dada em Penafiel. Antes havia (mais) arte e mais eficácia na subversão dos espíritos.
Esta nova fase de Saramago é uma potenciação do vício que vem atacando o pensamento progressista, ou que assim se julga.
Numa deficiente interpretação da dialética de classes muitos partem do princípio que todas as chagas sociais têm um autor e um autor que actua de má-fé.
Explicando melhor com um exemplo futebolístico: são como aqueles avançados que tendo à sua frente espaço para progredir, ou boas "linhas de passe", insistem em ir ao encontro dos defesas para os fintar e acabam por perder a bola.
Cada vez menos gente acredita em Deus e vêm diminuindo os que praticam os rituais e ortodoxias religiosas. Por isso talvez seja mais inteligente construir e disseminar novas respostas espirituais e morais em vez de gastar energias com provocações ao caduco poder religioso.
Paralelamente, no plano económico, mais valia procurar e incentivar formas económicas alternativas do que ficar eternamente a execrar os exploradores ao mesmo tempo que se lhes pede que nos garantam o emprego.
É esse o progressismo que tarda.

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domingo, outubro 18, 2009

É tudo malta do Técnico

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A portaria 1226/2009 acaba de frustrar o meu sonho de viver com um casuar, um manatim ou até um monstro-de-gila. A portaria, aliás, veda o meu direito constitucional a comprar numa loja uma baleia ou mesmo “outros cetáceos”. Atenta ao bem-estar dos animais, a portaria até me proíbe de coabitar com centopeias compradas em loja — embora não proíba as que entram pelos canos e se tenha esquecido de estender a proibição a baratas, formigas e outros animais domésticos. Ah, e esqueceu-se de proibir os camelos e outros dromedários, os quais podem assim actuar nos circos — de onde ficarão banidos elefantes, leões, tigres e outros felinos, ursos, lobos, otárias (acho muito bem), hipopótamos, rinocerontes, pinguins, cobras várias, aligators e escorpiões. E varanos. Sim, varanos.
Mas a sábia portaria (resultado do lóbi da Associação Animal — a mesma que há uns anos fez apresentar no parlamento uma lei que visava controlar as ‘condições psicológicas’ em que viviam os animais domésticos, bem como o seu acesso aos transportes públicos, entre outros mimos do género), também proíbe a reprodução daqueles animais em cativeiro. Como bem nota o proprietário circense Miguel Chen, não estão porém disponíveis na praça preservativos para os tigres, o que vai implicar que o ministro, ou alguém que o represente dignamente, se afoite a fazer cumprir a lei, interpondo-se entre tigres e tigresas, em plena época de cio: vai ser um número a não perder, num circo próximo de si.
Eis mais um retumbante triunfo da cultura urbana, moderna e civilizada. Porque o fundo da questão está no que diz Victor Hugo Cardinali — um honrado nome de uma família que tem feito sonhar gerações e gerações de crianças, com os seus tigres, leões e elefantes, saídos da televisão e dos joguinhos de computador para a tenda do circo: “Eu também posso fazer algo como o Cirque du Soleil, para os intelectuais de Lisboa e do Porto. Mas experimentem levar isso a Portalegre e eles vão perguntar ‘que porra é essa?’”. É contra este Portugal da porra que em boa hora surgiu a portaria a defender as centopeias, os aligators e também, já me esquecia, os nandus e os crotalos. Somos assim o primeiro país da Europa a proibir as espécies ‘exóticas’ ou ‘selvagens’ nos circos. É motivo de orgulho pátrio: em alguma coisa somos, afinal, os primeiros. Mesmo que estejamos a criar uma geração de criancinhas a quem ensinam que só os ‘maus’ dos caçadores é que matam animais e que julgam que todos os outros animais morrem de morte natural e que os bifes nascem na horta, junto com as alfaces e as salsichas, e que a galinha não tem filhinhos destinados ao churrasco, mas apenas produz ovos e já estrelados.
Este engraçadíssimo texto de Miguel Sousa Tavares no Expresso de ontem fez-me pensar que a proverbial anedota "é tudo malta do Técnico" pode voltar a ser realidade.
Para quem não saiba: numa época de escassez de emprego um recém-licenciado no Técnico só conseguiu empregar-se num circo onde lhe mandaram envergar uma pele de leão e entrar na pista.
Ele lá foi, cheio de medo das feras que o rodeavam, até que uma delas levantou a ponta da máscara e lhe sussurrou: não tenhas medo, é tudo malta do técnico.
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sábado, outubro 17, 2009

O Metro de Pequim

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O metro de Pequim, que eu não usara quando em 2006 visitei a cidade, presta um excelente serviço. Nos primeiros dias de Setembro de 2009 usei o metro intensivamente para me deslocar pela imensa cidade.

A organização da rede é muito intuitiva e tira partido da orientação norte-sul de Pequim, definida pela linha Torre do Tambor-Cidade Proibida-Praça Tian An Men-Qian Men. Mesmo para os turistas mais desorientados a rede é muito amistosa pois os sinais dentro das estações estão escritos em mandarim e inglês e, dentro das carruagens, o percurso do combóio é representado pelo acender de luzinhas no diagrama da rede e os altifalantes anunciam o nome da estação seguinte também em inglês.
Outra coisa que facilita a vida dos passageiros é o acesso aos combóios ser feito a partir de um cais central. Há bilhetes recarregáveis que nos dispensam de comprar em cada viagem (o bilhete normal custa o equivalente a 40 centimos de euro).



A rede é enorme mas, apesar disso, há várias novas linhas em construção.
Uma das coisas que me impressionou foi o grande número de televisores instalados nas estações e mesmo dentro das carruagens.
As mensagens publicitárias encontram-se por todo o lado e até, como eu nunca vira em parte alguma, instaladas nas paredes dos túneis de forma a serem vistas como um "filme" através das janelas das carruagens em andamento.
Frequentar o metro é uma boa forma de perceber o quotidiano de uma cidade. Em Pequim é fácil fazê-lo e estas informações aqui ficam para o demonstrar.
Se quiser ver mais fotografias do metro de Pequim feitas por mim vá aqui.





sexta-feira, outubro 16, 2009

Mais uma análise dos resultados em Lisboa

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A ideia é comparar os resultados para a CML, no dia 11 de Outubro, com o resultado nas legislativas de 27 de Setembro no Concelho de Lisboa.
A primeira nota importante é que os 322.192 votantes de Setembro se reduziram para 280.310 passados 15 dias. Pode cojecturar-se que a realização simultânea das autárquicas e legislativas teria provavelmente evitado 41.882 abstenções na capital.
Mas estes números também nos dizem que os votantes para as autárquicas em Lisboa correspondem a 87% do votantes para as legislativas. Se partirmos do princípio que todos os partidos sofreram de forma idêntica com a debandada dos votantes é possível determinar qual seria a votação "normal" para cada partido.

O PS, por exemplo, teve nas legislativas 112.076 votos. Se calcularmos 87% desse valor chegamos à conclusão de que "normalmente" deveria ter tido para a CML 97.507. A verdade é que teve 123.372, portanto mais 25.865 do que seria "normal".
Aplicando a mesma lógica aos outros partidos podemos verificar o seu comportamento relativamente ao "normal":
O PCP perdeu 1.352 votos (partindo de 27.557)
O BE perdeu 14.709 votos (partindo de 31.613)
A direita (PSD+CDS) perdeu 4.737 votos (partindo de 130.107)
A esquerda (PS+PCP+BE) ganhou 9.804 votos (partindo de 171.246)

Visto deste ângulo conclui-se que houve um partido muito acima do espectável (PS) e um partido muito abaixo do espectável (BE). Os outros não se desviaram significativamente do resultado espectável à luz da muito maior abstenção.
Pode-se evidentemente especular sobre quem teria ganho Lisboa se em 11 de Outubro tivessem votado mais 41.882 lisboetas.
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quinta-feira, outubro 15, 2009

Estudo para a Política Fiscal

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Maria Rosa Redondo

Por aquilo que os jornais divulgaram, o Estudo para a Politica Fiscal, não toca em quase nenhum dos problemas que as pessoas e as empresas realmente sentem.
Limitando-nos ao caso do IRS, apenas a hipótese de declaração individual para casados vai no sentido de uma maior justiça (e mesmo assim haveria que ver se o regulamento das deduções familiares não anula o eventual benefício).
Não há proposta de subir os limites superiores dos escalões para deixar de tributar como ricas as pessoas da classe média.
Não se propõe uma actualização das deduções relativas ao criar os filhos e ao cuidar dos idosos.
Em França, p.ex. existe o sistema C.E.S.U. para pagar serviços prestados por particulares: amas, mulheres- a-dias, enfermeiros, auxiliares domésticos para acompanhamento de crianças ou idosos. Com a vantagem de assegurar automaticamente os descontos obrigatórios para o prestador do serviço e permitir ao pagador o desconto de 50% no seu imposto.
Em Portugal, quem tiver uma empregada doméstica tem todas as obrigações financeiras de um empresário, sem nenhuma das facilidades fiscais! A mensalidade de um lar de 3ª idade é dedutível, o salário de quem presta cuidados no domicílio não é...
Continua-se a englobar as rendas no rendimento colectável dos senhorios enquanto as aplicações financeiras têm taxas liberatórias. E querem dinamizar o mercado de arrendamento?
Propõem aumentar a tributação das mais-valias, nomeadamente em Bolsa, com a desculpa de que é imoral que os especuladores paguem tão pouco.
O que é imoral é que governantes e especialistas nos tratem como atrasados mentais!
Não sabem que quem paga sobre as mais valias é o pequeno investidor cujo património não justifica o uso de uma “off-shore” ou a criação de uma fundação?
O nosso sistema fiscal continua baseado no “espremer” da classe média; começando logo na ridícula “definição” do que são as grandes fortunas.
Este Estudo que não sugere mais do que dar uma demão de tinta sobre o edifício em ruína, poderia ao menos servir para trazer o assunto à discussão publica.

Deveria ter servido para os Partidos em campanha eleitoral se pronunciarem. Mas por coincidência, só veio a lume depois....
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quarta-feira, outubro 14, 2009

O fino verniz da retórica sobre democracia

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No último dia da campanha para as autárquicas os media precipitaram-se sobre umas patetices de Carmona Rodrigues a propósito do seu apoio a Santana, ansiosos por descobrir mais uma "trapalhada" para animar os noticiários.
Já na noite de contagem dos votos a cobertura da sede de campanha de Santana concentrou-se num facto totalmente irrelevante: o candidato deslocava-se de vez em quando de um edifício para outro. Um jornalista mais arguto chegou mesmo a perguntar a Santana se tais deslocações tinham como objectivo "ir à casa de banho".
Até um defensor acérrimo da liberdade de imprensa como eu é assaltado por perguntas incómodas como "por que raio é dado o privilégio da comunicação jornalística a cidadãos incompetentes, ignorantes ou mesmo imbecis" ?
Outra questão que se coloca é a seguinte: por que é Santana impunemente objecto de achincalhamento público ? Mesmo quem, como eu, não é apoiante de Santana tem dificuldade em perceber por que razão ele é muito pior do que a generalidade dos políticos da nossa praça.

Ele pode ter falado nos concertos de violino do Chopin mas não assinou projectos de arquitectura pimba.
Ele pode ter sido "menino guerreiro" mas jamé fez corninhos no parlamento.
Ele pode ser populista mas não fez carreira académica na Independente à pala de um professor beneficiado na Cova da Beira.
Ele pode ter tido colaboradores corruptos (o que ainda não foi demonstrado) mas nunca ninguém o acusou de corrupção.
Ele pode ter "andado por aí" mas não foi para a Mota Engil depois de ser primeiro ministro. Apenas para dar alguns dos muitos exemplos possíveis.

Mas esta verdadeira moda de achincalhar Santana ataca mesmo em momentos impróprios.
António Costa, na noite da vitória em Lisboa, tendo-lhe sido perguntado por um jornalista matreiro o que pensava de vir a ter Santana como vereador, fez um sorriso alarve e disse "ele anda sempre por aí...".
Não teve portanto pejo de ridicularizar um adversário que nesse mesmo dia obtivera mais de 38% dos votos lisboetas e que, no seu discurso de derrota, usara de grande urbanidade em relação ao vencedor da noite.

Pode, justamente, António Costa queixar-se daqueles que menosprezaram a sua vitória por ele ser goês. Mas, mesmo por isso, como vítima desse racismo, deveria pensar mais sobre a sua atitude relativamente a Santana que sempre tem tratado como se pertencesse a uma casta inferior.
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terça-feira, outubro 13, 2009

“A homossexualidade precisa de inventar uma linguagem amorosa”

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Álvaro Pombo é o avô "cool" que o mundo das artes espanhol adoptou. Romancista, poeta, é um homossexual que atravessou décadas de repressão franquista. Onde forjou um caminho para a sua sexualidade que nasceu clandestina. Sente-se perplexo com tanta manifestação do orgulho gay. O romance "Contra- natura" dá voz à sua perplexidade.


"Contra - Natura" é um manifesto?
O livro é muitas coisas ao mesmo tempo, mas é muito grande para ser um manifesto [o romance tem 573 páginas]. É antes de mais uma tomada de posição sobre a homossexualidade, sobre a forma como eu, homossexual assumido, me posiciono na sociedade actual sobre as questões políticas e estéticas que nos dizem respeito. Tudo isto sem deixar de ser um romance.
Inventei duas personagens, um protagonista e um antagonista, ambas da minha idade, que são, simplificando, o bom e o mau homossexual. É que dentro da forma de viver a homossexualidade há comportamentos indignos e perversos que nunca podem conduzir à felicidade. Com isso criam-se estigmas sobre os homossexuais que depois são muito difíceis de vencer.

É um livro sobre as perplexidades da sua geração de homossexuais?
Sim. Publicamente, saí do armário desde que comecei a publicar, nos anos 70. Nuca iludi a minha condição e os meus livros sempre a espelharam não iludindo os problemas desta vivência. Hoje, porém, vivemos um período de muito facilitismo. O armário hoje é ridículo. Atravessamos um momento tonto e fútil. Pior: nalguns casos o orgulho da afirmação faz-se pela agressividade e pela vitimização artificial de cada homossexual.

A comunidade homossexual entendeu estas suas perplexidades?
Receberam o livro com muitas reservas. Está-se a viver um momento muito esquerdista militante, muito barulhento e a reflexão que proponho acham-na desmobilizadora. Não se pode fazer uma apologia absoluta da homossexualidade, nem de quase nada na vida. Mas quem me leu com atenção e com esforço sério percebe que sou claro e coerente em muitas questões, nomeadamente na crítica à educação religiosa que condicionou o desenvolvimento sexual saudável de muitas gerações.

O título do livro, "Contra - Natura", não é uma provocação?
Talvez. Mas cumpre duas ordens de razão: remete para a realidade histórica que vivi. Quando dois homossexuais eram apanhados nas esquinas de qualquer noite clandestina e eram identificados pela polícia, "contra-natura" era a expressão que aparecia estampada nos autos para caracterizar o tipo de práticas a que se dedicava quem era apanhado em flagrante. Ao mesmo tempo este título dá ao romance um ar rebelde, selvagem, provocador.

Mas acha que um jovem homossexual espanhol não pode ser feliz no amor se não perceber estas dicotomias entre Natureza e História que propõe Ortega y Gasset, ou as armadilhas do pensamento existencialista?
Entendamo-nos: a homossexualidade é um assunto de minorias. Somos uma anomalia estatística e não há forma de dar a volta a esta realidade. E é uma minoria com problemas específicos. Se entendermos a felicidade como uma sucessão de casos sustentados em amores líquidos, em trocas de fluxos, talvez seja possível. Mas há um dia em que queremos mais. Escrevo romances para serem lidos por toda a gente, mas espero que alguns percebam que faz parte do código genético dos meus livros a reflexão sobre problemas muito sérios com que um homossexual se confrontará mais cedo ou mais tarde.

Mas reconhece que a homossexualidade hoje pode ser vivida de forma mais livre? Ou não?
Obviamente. A sociedade é mais aberta e a discussão muito mais fácil.

Há no seu livro uma nostalgia em relação à vivência canalha, despudorada da homossexualidade vivida na clandestinidade?
Não. Mas a verdade é que a prática homossexual se contradiz por natureza numa vivência que se procura normalizável. É por isso que sempre será difícil para mim acreditar na tradução jurídica do casamento como motivo de felicidade imediata. Se calhar bastava contarmos o número de divórcios que existem no casamento heterossexual para pensarmos duas vezes. Acrescente-se ainda o facto de que quando dois homossexuais decidem viver juntos o que prevalece ao longo do tempo é um projecto de companheirismo mútuo e onde as questões eróticas, sexuais muitas vezes não conseguem ser formatadas e a fidelidade assegurada. Neste sentido o casamento homossexual pode ser algo contra-natura.

Álvaro Pombo: homossexual, cristão, homem de direita. A terceira característica em relação a si não é um rótulo apressado e abusivo?
Claro. Eu sou um homem de esquerda, crente e que sempre votei à esquerda. O problema é que em Espanha actualmente tudo tem que ter rótulos, etiquetas e estar arrumado em certezas e dogmas. Esquecem-se que sempre fui um defensor dos direitos cívicos da minoria a que pertenço. Mas não embarco em folclores.

(excertos da entrevista ao Público, publicada no dia 7 de Outubro, que pode ser lida na íntegra aqui)

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segunda-feira, outubro 12, 2009

A tomada de Lisboa

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No dia 9 de Setembro o Diário de Notícias noticiava em grandes parangonas: "Costa reeleito com maioria folgada face a Santana" e mostrava este gráfico em que o PS bate a coligação da direita por 12 pontos percentuais.

Trata-se de uma grosseira manipulação que logo denunciei pois, para além de atribuir a Santana um resultado baixíssimo, apresenta um somatório da esquerda (PS+PCP+BE) que nunca foi alcançado em Lisboa, 62%.

O DN, depois de ter publicado o email dos jornalistas do Público, parece querer continuar a prestar serviços a quem ocupa o governo.

Dito isto há que reconhecer, na linha do meu post anterior que a vitória de António Costa é excepcional. Como então expliquei a esquerda em 2001 e 2005 não teve mais do que 45% dos votos em Lisboa e portanto o resultado de Costa é notável na medida em que conseguiu "secar" o BE e a CDU a seu favor. Para este resultado, como ao longo do país, contribuiu sem dúvida a proximidade da vitória do PS nas legislativas de 27 de Setembro.

Relativamente a 2001 (vitória de Santana) e 2005 (vitória de Carmona) a direita perdeu muita da sua força. Basta dizer que Santana alcançou em 2001, sem o apoio do CDS, um total de 130.000 votos e agora só obteve 108.000.

O que esta vitória de Costa tem de mais amargo é não só a heterogeneidade da equipa eleita, que pode trazer alguns problemas no futuro, como o facto de ter sido construída não sobre um programa entusiasmante mas sim sobre o medo do regresso de Santana.

Santana foi diabolizado numa manobra que o PS vem repetindo eleição após eleição. Quem se opõe ao PS é objecto de uma avalanche mediática de destruição de carácter e, como no caso paradigmático de Santana, chega-se ao ponto de não ser preciso discutir ideias bastando acenar com a lepra do adversário. O último a provar deste remédio foi o próprio Presidente da República.

É lamentável que estas eleições em Lisboa se tenham realizado sem que esteja esclarecida a veracidade das acusações e insinuações que permitiram as intercalares de 2007 e o surgimento de Costa na CML. Carmona Rodrigues e outros membros da vereação anterior foram sacrificados mas ainda não se provou nada contra eles e o caso parece, como é costume, estar a deslizar para as calendas. Ficará sempre no ar a dúvida sobre se esta vitória do PS em 2009 teria sido possível sem a intensa campanha mediática que derrubou o executivo de Carmona em 2007 e sem a lentidão da justiça que tarda em esclarecer a veracidade dos factos em que tal campanha se baseou.

Isto é muito mau e faz temer que o PS se esteja a converter numa espécie de partido-regime, numa presença tentacular que se torna quase impossível desalojar do poder.
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domingo, outubro 11, 2009

Longe da "obra feita"

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Encontro-me no Alentejo. Um sítio fabuloso especialmente onde os candidatos não conseguiram ter "obra feita".

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sábado, outubro 10, 2009

Dia de reflexão

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sexta-feira, outubro 09, 2009

A improvável vitória de António Costa

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Nos dois últimos actos eleitorais autárquicos não intercalares em Lisboa, em 2001 e em 2005, em ambos, a direita no seu conjunto (PSD+CDS) teve cerca de 49% dos votos e a esquerda (PS+PCP+BE) teve cerca de 45%.
Parece pois pouco provável que o PS sózinho esteja em condições de bater o conjunto dos partidos da direita, mesmo com forte efeito "voto útil" em detrimento do BE e do PCP.
Se tal acontecer bem pode António Costa clamar uma excepcional vitória.

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quinta-feira, outubro 08, 2009

Há realmente escutas em Belém

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quarta-feira, outubro 07, 2009

O fetichismo da maioria de esquerda


Recorrentemente, e por maioria de razão em época de formação de um governo minoritário, regressa a “maioria de esquerda”.
Durante muitos anos, ainda o BE não tinha agrupado os grupelhos, foi um estandarte empunhado pelo PCP para invocar a salvífica convergência política, sempre postergada, com o Partido Socialista.
Com o crescimento acentuado do Bloco nos anos recentes agravou-se a tendência para falar do avanço da esquerda, embora em 2009 o somatório PS+BE+PCP tenha sofrido um retrocesso e o CDS em conjunto com o PSD tenham crescido cerca de 3%.
A própria “esquerda à esquerda do PS”, apresentada como fortíssima com os seus 18% e um milhão de votos, não alcança sequer o nível de 1983 e está muito abaixo de 1979.
Apesar de tudo isto fala-se como se o país fosse maioritáriamente habitado por esquerdistas que só a teimosia do PS impede de se realizarem politicamente.
Dando de barato que existe consenso sobre o que é ser de esquerda persistem ainda assim grandes interrogações sobre a existência da maioria de esquerda.
Já era altura de decidir se o PS, ou pelo menos uma parte dele, é de esquerda ou de direita. Conforme as conveniências o PS é apresentado antes das votações, para lhe caçar votos, como um componente da maioria de direita e depois das eleições, para formar governo, como um componente da presumida maioria de esquerda.
A maioria de esquerda é uma construção que supõe uma base comum em todos os votos do PS, PCP e BE. Mas não seria natural pensar que a fronteira esquerda-direita passa por dentro do PS o que implica, portanto, a necessidade de determinar que parte do PS somar à esquerda e que parte do PS somar à direita? Quantos votantes do PS aceitam, por exemplo, o casamento homossexual ou as nacionalizações no sector bancário?
A cabeleireira ou a lojista que votam no charme grisalho do senhor engenheiro, no parlapié mavioso de Louçã ou na “autenticidade” de Jerónimo são forçosamente de esquerda ?
Mesmo admitindo que haja homogeneidade nos votos do PS, do BE e do PCP ainda teríamos que encarar uma outra dificuldade. Os votos somados dos três partidos equivalem a 55% dos votantes, mas os votantes foram só 60% dos inscritos. Isto significa que nos “partidos de esquerda” realmente votaram apenas 33% dos inscritos.
Os que invocam a maioria de esquerda fazem de conta que os 40% de abstencionistas não existem. Confundem os resultados eleitorais com o “país sociológico” num primarismo de que se pode partir para todo o tipo de equívocos e de desastres.

A maioria de esquerda, sem dúvida desejável, deve ser vista como uma hegemonia ideológica e organizativa a construir pela adesão da maior parte dos portugueses a princípios e projectos humanistas e emancipadores.
Não é um estatuto conjuntural para exercício do poder por vanguardas iluminadas, assente em equívocos, omissões e cálculos que um próximo ciclo político desbarate e dissolva.
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terça-feira, outubro 06, 2009

Citação de Outono

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Todos vivemos integrados em grupos diferentes. As crianças convivem com crianças, os adolescentes com outros adolescentes e assim sucessivamente, em todas as faixas etárias. Em muitas festas de conhecidos meus, os filhos ? mesmo que não fossem muito jovens ? não estavam presentes, tinham saído. Já para não falar dos grupos políticos e dos grupos étnicos. A sociedade é feita de barreiras, de silêncios, de indiferenças, de preconceitos.
Todos nós assimilamos os preconceitos do nosso grupo social, político e cultural: falamos apenas entre nós, lemos os nossos jornais e vemos os espectáculos televisivos que nos agradam. Quando nos deparamos com alguém que é odiado pelo grupo, a antipatia é imediata. O mesmo acontece com os livros e com os filmes, que nem sequer são investigados, mas logo descartados. Nem sempre lemos bons livros nem vemos excelentes filmes: seguimos cegamente as indicações do nosso grupo.
Mesmo assim, acontece conseguirmos libertar-nos desta escravidão do preconceito e, por instantes, abre-se-nos a mente e temos coragem para falar com esta pessoa, ler aquele livro e ver o filme que rejeitámos. E acabamos por constatar, estupefactos, que encontrámos algo de belo, interessante e divertido. Abre-se-nos uma perspectiva nunca antes imaginada. Só quem tem uma mente aberta sabe julgar de forma objectiva.
Francesco Alberoni, IONLINE, 06.10.2009

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segunda-feira, outubro 05, 2009

Lamento no 5 de Outubro

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A República é um belo ideal que se vai afastando da sua pureza e da sua origem.
Minada por todo o tipo de poderes fácticos, manjedoura de castas, tem visto o povo alhear-se e afastar-se perigosamente.
Quando a democracia se converte numa destruição mútua do carácter dos adversários, e o civismo se transforma em fanatismo, não se sabe em que basear uma nova esperança.
A decadência económica no palco global, que arrastará a prazo o agravamento das condições sociais, potenciará ainda mais os perigos para a sobrevivência deste regime.
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sábado, outubro 03, 2009

Encompassing the Globe

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Quem não viu já só tem uma semana. Todos às Janelas Verdes apesar de o estacionamento ser um pesadelo.
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Manobras no quarto poder

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Henrique Monteiro, Expresso 03.10.2009


Diversos especialistas dedicam várias horas a criticar o poder maléfico dos media e dos jornalistas. O que a actual crise mostrou, porém, foi uma coisa muito simples: os media são um espelho do país — por muito que analistas achem mais fácil partir o espelho do que mudar aquilo que o espelho reflecte.
Vejamos: assessores de Belém colocaram notícias num jornal; outro jornal denunciou uma fonte anónima de um concorrente, omitindo como obtivera acesso a dados internos do rival. Poderíamos discutir estes factos a sério se eles decorressem de alguma investigação criteriosa. Mas eu tenho tempo suficiente de jornais para dizer calmamente, sem medo de ser desmentido: não houve investigação nenhuma!
Há ainda a contar com a flagrante falta de ética em que incorreu o “DN” quando revelou uma fonte de um jornal rival. Aliás, o director desse diário, referindo acto semelhante ocorrido em 2004 — quando foram reveladas, por outra publicação, fontes do seu jornal — considerou que se tratava de “um acto nojento do ponto de vista ético e deontológico”, como lembrou Graça Rosendo no “Sol”. E acrescentava, como se previsse o argumento que agora usa: “o interesse público devidamente agitado, servirá como cortina de fumo ao crime jornalístico”. Concordo inteiramente com o que disse há cinco anos.
Esta conjugação de falta de ética e de cuidado jornalístico com movimentações subterrâneas e intrigas das altas instâncias do Estado provoca uma mistura que abala o regime, a credibilidade dos políticos e dos meios, mesmo a de quem (como o Expresso) se mostrou prudente e afastado da intriga (dissemos que o caso era tonto e chamámos-lhe sillygate, o que o discurso do PR confirmou).
Ao contrário do que dizem os arautos da regulação, como Santos Silva, a imposição de regras exteriores não impede as manipulações. Pelo contrário, o Governo, apesar da fúria reguladora, planta notícias em diversos jornais, apenas se distinguindo da Presidência e de outros actores pelo facto de ser bem mais profissional.
Enganam-se, pois, os que pensam que a Imprensa é um quarto poder. A imprensa é um contrapoder, cuja influência deve limitar abusos, corrupções, compadrios e jogadas políticas.
Porém, o seu inquinamento é exterior. Vem do verdadeiro poder que actua em boa parte da Comunicação Social como se esta fosse o seu ‘quarto de brinquedos’. Um poder que abusa da fragilidade económica dos media para os pressionar e que conta com a docilidade de certos proprietários de meios cujos créditos dependem muito de boas vontades políticas e financeiras.

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sexta-feira, outubro 02, 2009

Abertura do ano escolar

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Hoje de manhã, na Expo, ao longo do Tejo, reinava o chavascal que se ilustra mais acima, fotografado com recurso ao telemóvel.
À medida que esta geração, formada sob a orientação pedagógica da Super Bock, vai ascendendo aos mais altos cargos da nação o futuro do país vai-se tornando mais cambaleante.
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quinta-feira, outubro 01, 2009

Em directo de Tian An Men

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Assista em directo às festividades em Tian an Men a propósito dos 60 da República Popular da China clicando AQUI.

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Parabéns China

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Hoje é o dia do 60º aniversário da República Popular da China. Para comemorar decidi publicar uma curta selecção de fotografias feitas por mim nos primeiros dias deste mês, quando me encontrava em Pequim. Nelas podem ver-se aspectos da cidade moderna dos negócio internacionais e cenas de rua nos hutongs (bairros populares).
Também se ilustram a força da publicidade e o modernismo do metro; os restaurantes populares de noodles e os recantos idílicos em pleno centro; a laboriosidade e o charme.
Aqui ficam os meus parabéns para a China e para o extraordinário povo chinês.
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