domingo, junho 28, 2009

Futilidades

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António Barreto (Retrato da Semana no Público, 28.06.2009)

Um conjunto de argumentos põe em relevo as vantagens partidárias. Se os votos forem separados, ganham uns partidos, se forem no mesmo dia, ganham outros. A mesma coisa, ou parecida, se as legislativas se realizarem antes ou depois das autárquicas. Quer isto dizer que ninguém tem legitimidade para preferir uma data ou uma ordem: imediatamente lhe saltam em cima com acusações de interesses ilegítimos e de oportunismo. Quem assim faz esquece-se de que os argumentos são totalmente reversíveis.

Outro argumento é o dos custos. Nem sempre se percebe se estamos a falar de custos directos para os votantes, despesas para os partidos ou encargos públicos. De qualquer modo, quem alude aos custos está em geral a pensar nos interesses dos partidos. Com efeito, quem quer as eleições separadas garante que a democracia bem merece um punhado de euros, enquanto os que desejam actos conjuntos referem a poupança assim obtida. É, no entanto, certo que a despesa ou a poupança não parecem um argumento muito forte.

O aparentemente mais sério argumento é o da abstenção ou da participação. Também neste domínio, a consistência não é visível. Juntar eleições, para uns, significa mais participação; separá-las, para outros, teria o mesmo efeito.

Não consta que haja solidez nas razões apontadas. Nem sequer estudos concludentes. A única dúvida razoável é a que alude ao cansaço: maçados com duas deslocações seguidas à distância de uma ou duas semanas, os eleitores poderiam optar por apenas uma. Mas são meras suposições. Além de que não se sabe muito bem se seria a primeira ou a segunda a sofrer dessa terrível fadiga. Como não se sabe se o cansaço é argumento mais importante do que a natureza das eleições e o que está em causa. Apesar de anónimas e limitadas aos emblemas dos partidos, as legislativas chamam mais eleitores. Mas as "grandes figuras" municipais também têm algum efeito. Reflexão tortuosa é a que se apoia na previsão das intenções dos eleitores. Nas autárquicas, diz-se, os cidadãos querem escolher um presidente de câmara e bater no Governo. É estranho, mas é o que consta. Nas parlamentares, os mesmos eleitores esquecem tão vis desejos e designam racionalmente o Governo que preferem. As estatísticas eleitorais sugerem alguma coisa, nomeadamente o facto de poder haver diferenças na orientação de voto entre as duas eleições, assim como uma maior presença do PSD nas autarquias (o que não é uma regra absoluta). Mas não são constantes que permitam certezas.

O último dos argumentos é o mais brutal. Juntar eleições teria como efeito criar a confusão nos eleitores. Já desorientados com a existência de três boletins de voto (freguesia, assembleia municipal e vereação camarária ou presidente da câmara), ficariam completamente perdidos com a eventualidade de terem de lidar com quatro. Muitos votos ficariam assim perdidos. Brancos e nulos, possivelmente. No partido errado, com certeza.

É comovedor este desvelo dos partidos e de alguns comentadores encartados. O esforço que fazem para cuidar dos pobres cidadãos, tão vítimas de manobras, tão deficientes mentais e tão incapazes de decidir por si! A minuciosa atenção que prestam aos eleitores, tão frágeis e vulneráveis, que perdem literalmente a cabeça perante quatro boletins de voto! Se repararmos bem, quase todos os argumentos conduzem ao mesmo: a incapacidade dos eleitores, a sua falta de discernimento, o seu cansaço fácil e a rapidez com que se confundem. Na verdade, esta discussão ridícula tem um só objectivo, o de começar a arranjar explicações para os fenómenos que os incomodam: derrotas eleitorais e elevadas taxas de abstenção. Na noite (ou nas noites) das eleições de Outubro, já sabemos qual a justificação que mais vezes se vai ouvir: a data das eleições é a culpada.

A propósito das datas e seguramente em consequência da abstenção nas europeias, já começou a ladainha piedosa dos que querem o bem dos cidadãos e a nobreza da democracia. Já se ouvem propostas para "melhorar o sistema" e dar novo "tónus" à democracia. Em vez de se inquietarem com a fictícia democracia europeia e a inutilidade do Parlamento Europeu, propõem que o voto seja obrigatório! Em vez de pensarem na reformulação de alguns processos, designadamente no voto pessoal, sugerem punições para quem escolhe abster-se! Preparemo-nos, pois, para a próxima revisão da Constituição. Lá veremos dispositivos para reforçar a democracia. Sempre com um denominador comum: a cegueira perante as deficiências do nosso sistema e a vontade de resolver os problemas com normas legais e punitivas. Já agora, uma modesta contribuição: as eleições deveriam ser obrigatoriamente em dia de chuviscos. Mas não de mais, que levam as pessoas a ficar em casa, nem de menos, que deixam os eleitores ir à praia.

4 comentários:

Aristes disse...

O então ministro de serviço que deu a cara pela lei da "verdadeira" Reforma Agrária, é agora pregador da "verdadeira" democracia. Acima dos partidos, como convém aos "verdadeiros" democratas.

F. Penim Redondo disse...

Caro Aristes, o meu pai costuma dizer que não é por um burro dar um coice que se lhe corta uma perna

Anónimo disse...

A nossa política nunca atingirá a idade adulta enquanto estiver assente no princípio de que o povo é burro e bronco.
Os políticos em vez de mandatários do povo consideram-se seus pastores. Com o direito de esclarecer o povo mesmo que o povo não queira.

Se as pessoas rejeitam ser "esclarecidas" é porque pensam que as campanhas, tal como vêm sendo praticadas, não esclarecem nada.

Os profissionais da política deviam pensar sobre a recuperação da sua credibilidade em vez de acusarem o povo de irresponsabilidade.

Anónimo disse...

Há uma curiosa semelhança entre o modo como os senhores do sistema politico partidário tratam o povo e o ideário polìticamente correcto sobre a educação das crianças e jovens.
Considera-se que eles são uns seres frágeis, que têm de ser levados ao colo por entre os escolhos dos exames e uns irresponsáveis que não podem ser severamente punidos mesmo quando presos em flagrante delito.
Ao mesmo tempo, basta que façam uma birra, para que lhes comprem de imediato o chupa-chpa ou os ténis de marca.
Este mesmo "povo" que não consegue distinguir a bota da perdigota quando toca a eleições é o mesmo a quem ,quando organizado em corporações ruidosas, os governantes fazem todas as vontades.
Vivemos portanto numa politica de infantário....