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Há exactamente 50 anos, durante o Verão de 1959, fui caixeiro e moço de recados na AFARI. A AFARI ainda lá está, na Rua Augusta, e ainda é uma loja de fotografia. Eu é que já não sou caixeiro.
A minha carreira escolar sofreu no ano lectivo 1958/1959 um grande sobressalto que terminou num estrondoso chumbo de quase todos os compinchas da rambóia (entre os quais o meu amigo Luís Maia que reencontrei na blogoesfera).
O meu pai (tirano) decretou que eu trabalharia durante as férias "para aprender", já que durante o ano escolar eu pouco aprendera pelo menos daquilo que ensinavam então no equivalente do 8º ano.
No Diário de Notícias, se não falho, encontrei um anunciozinho que me apressei a responder e que me rendeu, naquelas férias, a astronómica quantia de trezentos escudos (a que hoje se chama um euro e meio).
Ocorreu-me tudo isto recentemente quando bebia uma limonada na Rua Nova do Almada, exactamente como há 50 anos, num cafézito junto à Boa-Hora que, dizem os jornais, está em perigo de vida. A limonada, excelente, lembrou-me aquelas que eu bebia quando era mandado entregar uns pacotes mais acima, na Instanta do Chiado (suponho que eram negativos para revelar ou coisa quejanda).
Na loja eu, apesar da cabulice, falava o melhor francês e inglês o que fazia de mim alguém quando entrava algum estrangeiro, trazido pelo esparso turismo de então. Nesses momentos eu justificava o meu salário e percebia finalmente o alcance da escola.
De toda aquela experiência ficou-me a descoberta da fotografia e um embrião da consciência de classe. E os trezentos paus, bem entendido.
Talvez também uma certa ligação à Baixa que me fez chorar de raiva quando ouvi, algures no Minho, que o Chiado estava a arder.
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6 comentários:
Fernando.......adorei a sua história. A forma como a escreve.
A consciência de classe é importante para perceber o que nos rodeia, mas além disse ganhar 300 escudos e ainda o gosto pela fotografia.
Há coisas que chegam na hora certa da vida e para as quais deviamos pagar.
Pagava para saber como dar essa consciência de classe a um dos meus filhos.
Obrigada
Maria
Maria, todos nós gostaríamos que os nossos filhos também apreciassem uma boa limonada. Nem sempre isso é possível.
Só nos resta tentar e, caso prefiram Coca-Cola, dar-lhes à mesma um grande abraço
Pois é meu caro Penim (era o teu nome escolar, nem Fernando nem Redondo), recordaste bem esse tempo do chumbo colectivo, que hoje à distância sessentão e avô, identifico como uma experiência, que talvez secretamente quase todos entendemos fazer, talvez para experimentar para ver o que é que acontecia lá por casa.
Também me correu mal a ideia, tanto assim que fui compelido a ir trabalhar nas férias para o escritório dum tio meu do ramo das retrosarias e que ficava na Sé.
Também tenho na memória o sabor duma magnífica limonada esta na R.do Comércio quase na esquina com a R.da Conceição, mais perto do meu local de trabalho ao fim do dia já que as horas de expediente, eram passadas nas cobranças, que bem me poderia ter servido de tirocínio, para hoje poder ser um destinto cobrador de fraque.
Realmente não foi uma boa ideia ter chumbado
Nada de choros sobre o leite derramado. Simplesmente porque, na circunstância,não me parece que haja leite algum derramado.
Já o Goethe dizia que "quem não sabe ensina". E, mais recentemente, o John Steiner completou: " quem não sabe ensina nas escolas".
Por mim, penso também que as escolas continuam a ser um local pouco recomendável para aprender o que quer que seja.
Pronto ... está bem; - concedo que talvez esteja a ser um pouco radical ...
nelson anjos
Mereço o prémio do DISTINTO camelo, pela minha mania de escrever ao correr do teclado, sem conferir e ler mais atentamente o que escrevo
Caro Maia, eu padeço do mesmo mal de escrever a correr. Hoje, na internet funciona mesmo assim.
Um abração
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