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Expresso Única (
11 Abr 2009) A Única, do Expresso, publicou esta semana um curioso artigo com o título "A Grande Mentira".
Trata-se de verberar os malefícios do uso, cada vez mais corrente, das tecnologias modernas para "retocar e recriar" as imagens. Diz a abrir:
"O olhar contemporâneo perdeu-se entre as armadilhas do Photoshop, uma ferramenta de tratamento digital de imagem cuja utilização desregrada está a reconfigurar a compreensão da realidade. A veracidade da fotografia- incluindo a jornalística- está em causa depois de mais de um século de uma preguiçosa crença na imagem fotografada."
Depois são apresentados vários exemplos de eliminação de rugas e outras imperfeições para embelezamento de mulheres e automóveis bem como casos de trucagem de fotografias noticiosas para aumentar a sua carga emocional.
A autora, Christiana Martins, está aparentemente preocupada com a perda da credibilidade dos meios em consequência da falta de confiança gerada pela manipulação digital das imagens; "Ver para crer ? Não. Ver para duvidar !", diz ela.
Não sei se este escrito resulta da ingenuidade ou se é obra do cinismo.
Trata-se de ingenuidade se a autora acredita que as possibilidades de manipulação começaram agora ou se pensa que para uma imagem ser "pura" lhe basta ser mostrada tal como foi registada (seja lá isso o que for).
Os programas de tratamento de imagens sem dúvida banalizaram (democratizaram?) as manipulações mas, na maior parte dos casos, limitaram-se a reproduzir sob a forma digital operações já exequíveis no mundo analógico.
Independentemente de terem ou não sido modificadas no computador, todas as imagens carregam um sentido que, de uma forma ou de outra, o autor lhes conferiu. Esta realidade inescapável é agravada pelo uso nesses processos de uma linguagem cuja sintaxe e semântica estão longe de ser óbvias.
Fotografar isto e não aquilo, fotografar agora e não depois, fotografar de um plano superior ou inferior, são formas, como tantas outras, de influenciar a leitura posterior das imagens e dos factos que, pretensamente, estiveram na sua origem.
Fotografar um ditador numa parada militar ou afagando uma criança não é a mesma coisa ainda que a imagem resultante esteja "isenta de manipulações".
Qualquer imagem, como qualquer texto, tem um significado que lhe foi conferido pelo autor.
Não me parece razoável acreditar que um jornalista desconheça o que acabo de escrever e pense que as imagens "reflectem a realidade". Por isso estou em crer que o artigo da Única assenta num certo cinismo, admito que bem intencionado, que consiste em considerar preferível, apesar de tudo, que os leitores confiem cegamente nas imagens publicadas, para bem dos jornais e do que eles representam.
Eu discordo. Acho que é preferível os leitores desconfiarem sempre, quer das imagens quer dos textos que lhes apresentam.
Não só porque têm boas razões para o fazer mas também porque um espírito crítico e questionador impedirá o embrutecimento e o desinteresse. O que é importante para o futuro dos próprios jornais.
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