sexta-feira, dezembro 14, 2007

Uma espécie de democracia

À entrada para a cerimónia da assinatura do "Tratado de Lisboa" Mário Soares declarou que deixou de ser favorável a um referendo como processo de aprovação. E acrescentou: a maior parte daqueles que defendem o referendo fazem-no porque são contra o tratado.
Finalmente, contra todas as probabilidades, consigo concordar com Mário Soares.
Não percebo que se defenda o referendo ao tratado a não ser na esperança de o ver rejeitado o que, adianto já, é uma opinião tão boa como qualquer outra. Acho é que devia ser assumida sem rodeios.
Defender-se o referendo porque (1) o referendo é necessário para garantir a democraticidade do processo (2) é a forma de permitir que seja o povo decidir (3) é preciso ultrapassar o alheamento do povo relativamente à política e aos politicos, parece-me que não convence ninguém.
A generalidade das pessoas não aceita a ideia de que um formalismo, com participação fraca e mal informada, possa ter tão profundos significados e consequências. Se, por absurdo, tal acontecesse seria um verdadeiro logro.

Quem está convencido de que o projecto europeu é um equívoco, que nunca chegará a bom porto, pode querer a realização de referendos para demonstrar, rapidamente, que não vale a pena insistir.
Mesmo esta ideia, embora um pouco deprimente, não me parece nada absurda.

2 comentários:

Anónimo disse...

Lá assinaram todos, com muito sol e muito alívio, o tal tratado. Excepto Gordon Brown, que vai provavelmente ser corrido por causa disso. Para nós, o tratado, a Constituição, ou como lhe quiserem chamar, não muda nada. Não ficamos com menos poder, porque, informalmente, já não tínhamos poder nenhum. Perdemos dois deputados, que não nos fazem qualquer espécie de falta e, na prática, um comissário, que só faz falta a políticos sem reforma. De resto, a gentinha dos ministérios não deixará de passear pela "Europa" (60 milhões por ano) a fingir que é "normal" e anda a tratar do bem da pátria. É verdade que não houve referendo. Mas quem queria o referendo, tirando o Bloco e o PC, que vivem noutro mundo e descobriram no tratado perigosas tendências para o liberalismo?
Os portugueses não se interessaram pelo assunto. O que se compreende. A "Europa" é útil a Portugal por duas razões. Primeiro, porque dá dinheiro: um dinheiro que já foi largamente espatifado em falcatruas de vária espécie. Segundo, porque serve de polícia. Sem a "Europa", e com os partidos que nos governam, o défice tinha chegado aos 9 ou 10 por cento e a dívida tinha furado o tecto. Isto só não sucedeu por causa de um senhor espanhol que, de Bruxelas, nos meteu na ordem. E se os militares estão em sossego e a casa constitucionalmente arrumada é também porque a loucura indígena não pega em Bruxelas. Bruxelas civilizou um pouco este mato remoto e miserável. À superfície, reconheço, e pelo velho método da sopa do convento. De qualquer maneira, valeu a pena.
O tratado, que não existia, não contribuiu para este milagre português. Nem agora criou uma nova "Europa". Resolveu o problema burocrático do "alargamento" e libertou os "grandes" do peso dos "pequenos". Claro que, ao mesmo tempo, abriu o caminho da dissolução. Daqui em diante, quem "avançar" (como eles costumam dizer), avançou; e quem não avançar, não avançou. E o buraco entre os que avançam e os que não avançam irá inevitavelmente aumentar. Quanto ao cidadão comum, continua preso ao sítio onde nasceu. Para circular por essa "Europa", que em teoria é dele, precisava pelo menos que a segurança social, a saúde, o ensino e, principalmente, as leis da habitação fossem iguais. Não são. Com tratado ou sem tratado, a "Europa" não é uma comunidade, é uma colecção de países com uma burocracia no meio. Mais com o tratado do que sem o tratado.

Vasco Pulido Valente

Anónimo disse...

http://umjardimnodeserto.nireblog.com/

"Para nós, o tratado, a Constituição, ou como lhe quiserem chamar, não muda nada."

Não é verdade. Aliás, se pensar melhor admitirá que já mudou muito. Quando este país se transformar de novo num "criminoso parque infantil da Europa", uma espécie de campo de jogos dos poderes em presença - tal como já o foi no passado recente, ao tempo da 2ª guerra -, quando os senhores de Bruxelas finalmente tiverem todo o poder para decidir o destino da nossa (ainda tão pouco aproveitada) riqueza marinha, quando nos tiverem coarctado completamente a liberdade de viver com as suas estúpidas listas de normas e regras "em defesa da nossa saúde e bem-estar", ... então será forçado a admitir que "o mundo" mudou", que o novo paradigma é estranho e, especialmente, inaceitável, para quem teve o imenso privilégio de viver pobremente (é verdade!) mas em LIBERDADE durante 33 anos.
Só alguém a quem nunca faltou a liberdade pode querer trocá-la por um saco de moedas.