Não é por considerá-los retardados que a União Europeia deixa de amar os seus cidadãos. Sendo louca por eles, pretende evitar que lhes aconteça algum mal. Tomando-os por estúpidos, sabe que a sua hipotética liberdade, prejudicada pelo escasso discernimento, os conduziria a trágicos desenlaces. Em consequência, a missão da UE consiste em resguardá-los da possibilidade de escolher (erradamente) e, em simultâneo, forçá-los a escolher (acertadamente). Estes tocantes cuidados reflectem-se nas instâncias políticas da UE, que em geral dispensam o voto popular, e na vida quotidiana.
Veja-se o caso Microsoft. Uma esmagadora maioria dos computadores europeus está equipada com software da empresa americana. O consumidor europeu, na sua ignorância, adquire produtos da Microsoft por achá-los incomparavelmente mais eficazes ou mais baratos que os similares. A Microsoft, para cúmulo da desvergonha, adiciona software gratuito ao Windows e ao Office, e o consumidor, na sua cegueira, recebe os brindes com satisfação.
O consumidor é uma besta. Por sorte, uma besta defendida pela vigilância da UE, que em 2004 condenou o tenebroso Bill Gates por "abuso de posição dominante" e vê agora um tribunal seu e isento confirmar a multa de 497 milhões. Trata-se de um enorme passo para libertar o europeu médio das suas decisões individuais e orientá-lo no sentido do Bem, leia-se da quinquilharia informática cara e disfuncional que ele até aqui recusava. Os competidores da Microsoft, protegidos da obrigação de agradar à clientela, agradecem. A Microsoft, que mudou o mundo, resigna-se ao rancor de ociosos sem préstimo. Os ociosos acrescentaram 497 milhões aos genéricos subsídios da prostração. E o consumidor, salvo de si mesmo, é capaz de não perceber devidamente este extraordinário triunfo em prol de uma extraordinária concepção de concorrência. O consumidor, não sei se já referi, é idiota.
in Diário de Notícias, 23 de Setembro 2007
Alberto Gonçalves, sociólogo, albertog@netcabo.pt
3 comentários:
Realmente, só a extrema ignorância pode levar alguém a considerar os produtos da micro$$$oft incomparavelmente mais baratos (o mesmo se poderia dizer da sua alegada incomparável eficiência, mas isso é algo que já não se pode quantificar em cifrões).
A propósito do pacote de aplicações Office, existem alguns grátis como os fornecidos pela SUN Microsystems e pela IBM e existem inúmeros outros MUITO MAIS BARATOS do que o autêntico assalto ao bolso do consumidor europeu que é o Microsoft Office 2007 (entre 180 euros para estudantes/casa e 1000 euros!).
Por outro lado, existem INÚMEROS sistemas operativos GRÁTIS (SOLARIS/UNIX e LINUX) compatíveis (apesar de se poder alegar que não são tão intuitivos, alguns são intuitivos o suficiente para serem considerados superiores ao windows XP). Existe ainda o MacOS X que muita gente considera superior ao VISTA e é MESMO MUITO mais barato (tem o senão de ser apenas compatível com equipamento macintosh).
caro anónimo, parece querer dar razão ao autor do texto.
Os consumidores, milhões e milhões deles, são mesmo estúpidos ?
Ou terão as suas razões ?
Eu, por exemplo, considero que sem a Microsoft a sociedade da informação que temos hoje não existiria.
O que é mais confrangedor é ver a UE a atacar a Microsoft agora, quando esta já se encontra mergulhada em dificuldades.
Autenticos moinhos de vento...
O futuro é o GOOGLE e as suas aplicações online que vão, essas sim, minar a base de clientes da Microsoft.
A UE mete-se naquilo que não sabe e ainda por cima pelos motivos errados. Acaba por fazer favores aos seus adversários futuros.
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