Nada pode escamotear a dimensão desta derrota para a esquerda portuguesa. Após anos em que teve uma sólida maioria sociológica no país, e após uma crise do capitalismo que lhe deu, temporariamente, uma hegemonia no discurso, com uma esquerda radical que tinha a maior proporção de votos da Europa, deixamos (eu incluo-me neste “nós”) o país nas mãos do FMI, do PSD mais neoliberal de sempre, e do CDS de Paulo Portas com o dobro dos votos do BE e do PCP. Não há ninguém de esquerda que possa olhar para este panorama e ficar satisfeito.
O discurso de “estivemos onde tínhamos de estar” e “estaremos onde tivermos de estar” é absolutamente inadequado para uma ocasião destas. Onde está a reflexão que permite saber onde se situa esse “onde”?
Nós à esquerda temos uma análise impecável desta crise. Impecável até demais. Sabemos onde falhou o sistema financeiro. Sabemos onde falhou o neoliberalismo. Sabemos onde falhou o centro-direita, e o centro-esquerda, e a social-democracia. Sabemos tudo, é fantástico. Só não sabemos responder a esta pergunta: onde falhámos nós?
Sim, porque nós havemos de ter falhado em qualquer coisa. Se não tivéssemos falhado, não teríamos a troika a tomar conta da casa. Se não tivéssemos falhado, não teríamos, dois anos depois de os bancos terem estourado com o sistema financeiro, o discurso hegemónico a estourar com o estado social em favor da mítica austeridade.
A esquerda não será séria se achar que fez tudo bem e que, para o futuro, só há que continuar a fazer o mesmo.
Para a esquerda, o tempo está virado do avesso. O dia das eleições foi ontem. O dia da reflexão só agora começou.
Ver este importante texto de Rui Tavares, completo, AQUI
8 comentários:
Destes seis anos de Governação, é minha opinião que os primeiros foram bons e que se mexeu em coisas (direitos instituidos e excessivos) que até aqui ninguém tinha querido mexer.
No entanto nos últimos tempos parece-me que o Governo estava perdido e não tinha um rumo perfeitamente definido, ficando sempre a ideia de decisões ao sabor do vento e de correr atrás do prejuízo.
A agravar isto tudo, as declarações do ex-Primeiro Ministro, eram muitas vezes contraditas por ele mesmo, e em espaços de tempo muito curtos, levando a um sentimento de descredibilização por muitos portugueses.
Sou da opinião que a derrota se deve muito ao facto de ser José Sócrates o candidato do PS (o que de alguma forma me pareceu uma teimosia sua), pois muita gente havia perdido a confiança nele e não estaria disposta a dar-lhe o mesmo benefício da dúvida que daria a um PS com outro candidato.
O País foi governado por um visionário, dito de sequerda, e a esquerda, dita vera, andou sempre aos papeis, esta é a realidade. O povo chamou a direita, porque a esquerda...
se começarmos por declarar que a derrota começa quando a esquerda no poder deixa de o ser, parece um bom iniício de análise
esquerda e direita não são palavras são conceitos ideológicos são opções que se tomam.
Sócrates só não governou à esquerda porque não quis, tinha maioria para isso, até ao fim.
Não se trata de governar com o programa dos outros, mas de ajustar políticas que agora até a troika acha que devem ser feitas como a reavaliação das PPP que o BE se fartou de falar.
A vaidade e a teimosia de Sócrates, impediram o estabelecimento dessa plataforma à esquerda. Louçã é professor de economia, ninguém melhor do que ele para poder entender que poderia haver limitações a algum radicalismo.
opções são a escolha entre baixa de TSU para transferir dinheiro do bolso dos reformados (veremos que será assim) para o dos patrões ou colectar mais valias bolsistas para apoiar desempregados
sao algumas destas escolhas que definem a diferença entre esquerda e direita, o resto são palavras
um abraço, amigo
Quando eu era pequenino a esquerda propunha uma alternativa ao capitalismo, agora limita-se a tentar minimizar as suas consequências. Esta transformação é o mal de raiz para o qual ainda não se encontrou solução convincente.
Não seria bom começar por definir claramente o que é ser de esquerda em vez de encher a boca com uma espécie de superioridade moral da esquerda. Confesso que não me revejo na maioria das posições ditas de esquerda. Desta esquerda "conservadora" que quer manter privilégios relativos (estou a falar de velhos e novos empregados) à custa do sacrifício de gerações de candidatos a um simples emprego. Não posso aceitar que haja uma geração de jovens muito mais qualificados que os da minha geração (tenho 59) que não encontram oportunidades de se realizar profissionalmente, nem sonhar em constituir família dada a precariedade da sua situação profissional. Dir-me-ão: a culpa é da direita. Será! Mas porque não analizar honestamente as causas deste "conflito de gerações". Algo está errado na esquerda que não aporta novas ideias para este tema.
Não caberá à esquerda trazer novas contribuições? Insistir em manter o status quo não é de esquerda, é conservadorismo. Não chega repetir à exaustão que se é de esquerda. São precisas novas ideias.
Caro Fernando
Este comentário visava unicamente corrigir-te a afirmação do que o CDS teve o dobro dos votos do BE e do PCP. Se considerares os dois juntos isso não é verdade. Teve os mesmos deputados e menos votos do que os dois juntos (7,86% do PCP+5,19 do BE > 11,74 do CDS). Se considerares os dois separadamente só em relação ao Bloco é que o CDS teve o dobro de votos, em relação ao PCP isso não sucedeu.
Depois li o teu comentário e desculpa que te diga, se estás a falar do PCP há muito que este não propunha ser uma alternativa ao capitalismo. A Revolução Democrática e Nacional, que tu com certeza leste, não era uma alternativa à sociedade capitalista, mas sim uma etapa intermédia que pretendia derrubar o fascismo. A chegada do socialismo ficava para as calendas gregas, tal como agora. Os esquerdistas da época, que tu de certeza combatias, é que queriam o socialismo já. Tenho textos no meu blog que explicam isso muito bem. Não podemos embelezar o passado a nosso belo prazer.
Caro Jorge,
como deves ter reparado o texto é do Rui Tavares. Eu publiquei por achar importante este tipo de questionamentos.
Quanto à alternativa ao capitalismo, que me atraíu na minha juventude, ela na época era bem definida e até observável. Bastava visitar a União Soviética. A Revolução Democrática e Nacional era uma fase de transição, bem caracterizada, para um socialismo que todos pensávamos saber como era.
Caro Fernando
Não tinha percebido que o texto era do Rui Tavares. Portanto o erro é dele. Desculpa.
Quanto ao segundo ponto. È evidente que na altura era essa a perspectiva. O socialismo havia de vir num futuro longínquo, mas aquilo porque nos batíamos era pelo fim do fascismo, que dirias tu agora era um capitalismo mais humanizado, na altura considerava-se uma etapa para o advento do socialismo. Tu provavelmente, porque estavas na tropa, não passaste por essa fase, mas eu que vivi o movimento associativo estudantil até quase os anos 70, tive fartas discussões com todos aqueles que queríamos socialismo já e nós, os do PCP, que defendíamos o socialismo para depois.
Por outro lado, se a União Soviética era já ali, no fim da Europa, nenhuma revolução socialista tinha vingado na Europa ocidental depois da Revolução Russa, exceptuando aquelas que foram impostas pelo Exército Vermelho. Isto na altura não era claro para nós, mas muitos já intuíamos isso. Este foi o drama da alternativa ao capitalismo no século XX. Por isso, volto ao começo. Não tentemos embelezar alguma coisa que nunca foi o objectivo imediato dos comunistas, pelo menos a partir de 1936. E mesmo antes foi o que se sabe, com a derrota da revolução alemã.
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