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Há coisas simples que deviam ser fáceis de entender e que o economista Vítor Bento explica de forma cristalina no seu recente livro Perceber a Crise para Encontrar o Caminho.
A primeira é que somos uma economia pequena, incapaz de se sustentar por si só, que nunca - sublinho: nunca - conseguiu, no século XX e com excepção do período da II Guerra, exportar mais do que tem de importar. Até para alimentar estes onze milhões de almas. A segunda é que, dependendo a nossa economia da competitividade das nossas exportações, entre 1999 e 2007 os custos unitários do trabalho cresceram 28 por cento (pior só a Grécia e a Irlanda). A terceira é que a produtividade por hora de trabalho diminuiu por comparação com a média europeia, o que significa que produzimos mal e a nossa mão-de-obra já não é barata. A quarta foi que, apesar de só nos antigos países de Leste se ter investido mais do que em Portugal, a relação entre o volume dos investimentos e a criação de riqueza foi a mais baixa da Europa, a par com Itália, o que significa que investimos muito mas mal nestes últimos dez anos. A quinta é que consumimos, em média, mais 10 por cento do que produzimos, o que significa que nos endividámos - Estado, empresa e particulares - até à total irracionalidade: a nossa dívida externa correspondia no final de 2007 a 202 por cento do PIB. Finalmente, porque continuamos sem ter as contas públicas minimamente em ordem, ao contrário do que se chegou a anunciar.
A acrescentar a este quadro geral há que referir a insistência em investimentos sem qualidade para induzirem o crescimento, mas que trarão mais dívida externa, o estrangulamento do crédito, a assumida degradação de muitas prestações sociais, em especial das pensões de reforma, a incapacidade (medida por instâncias internacionais) de reduzir a burocracia pública e o total colapso do sistema de Justiça.
Em muitos aspectos estamos hoje pior do que em 1983-84, quando o FMI teve de intervir em Portugal, mas os economistas que alertam para a possibilidade de uma ruptura nas nossas contas públicas não exageram: hoje boa parte dos números macroeconómicos são piores do que nessa época, e se o euro nos protege, o euro também nos retira capacidade de reacção. Para além de que não se vê quem queira enfrentar estas verdades.
Mas uma coisa é certa: "O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia".
Obrigado, Vítor Bento, por nos teres recordado estas palavras certeiras, mesmo não sendo de tua autoria. O diagnóstico data de Maio de 1871 e é da lavra de Eça de Queirós...
Editorial de José Manuel Fernandes no Público 04.05.2009
Depois deste diagnóstico demolidor só me resta ler o livro para ver o que restou como solução para o país. Se é que restou alguma coisa.
Acho que se deve saudar esta iniciativa editorial sobre a crise e como sair dela, num país onde quase só se discutem os fait-divers.
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Há 35 minutos
1 comentário:
Só que - tal como acontece com todas as explicações "politicamente correctas", no meio disto tudo o sistema capitalista sai incólume. A culpa (da crise...) é sempre uma outra coisa qualquer que não o próprio capitalismo...
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