terça-feira, março 20, 2007

Entre as Brumas da Memória II

Li com muito interesse o livro de Joana Lopes, colaboradora do nosso blog, referente a Os católicos portugueses e a ditadura. O período abrangido, que corresponde grosso modo aos anos 60 do século passado, foi para muitos de nós, hoje sexagenários, o período de formação e de abertura para o mundo. Apesar, das vivências de cada um, estes factos constituem, no entanto, um património comum daqueles anos tão importantes para o fim do fascismo.
Assim, recordaria que um exemplar da Igreja Presente me foi dado na Faculdade por um católico progressista da época, que hoje deve ser afim do PSD e atarefado funcionário da SONAE.
Por outro lado, a visita de Paulo VI a Portugal foi acompanhada por mim na televisão para perceber até que ponto ela era aproveitada pelo regime. E guardo dessa visita a sessão de autógrafos, que foi dada por esses dias, pelo poeta soviético Ievtuchenko, de quem tinha sido lançado a Autobiografia Prematura pela Dom Quixote.

Ainda hoje conservo a assinatura do poeta na foice e martelo que fazia parte de uma das suas fotografias que compunham o livro. Para quem não se recorde, Ievtuchenko foi autorizado a entrar em Portugal, conjuntamente com milhares de peregrinos que vinham de Espanha, para participar nas cerimónias de Fátima presididas por Paulo VI.
Mas o mais inesquecível é, para mim, a cena descrita pela autora das célebres conferências subordinadas ao tema "Lusitania, Quo vadis?", a que assisti, principalmente a última que decorreu na tal fábrica de papel situada na Avenida do Brasil, em que devido ao meu aspecto “certinho e bem comportado” pude aceder, dado que foi estabelecida uma verdadeira barreira, pois não cabiamos todos na sala. Quem na altura desempenhava o papel de porteiro, se bem me recordo, seriam o Jorge Sampaio e o Vítor Wengorovius.
Há da parte de Joana Lopes uma recordação muito comedida sobre o papel desempenhado por "dirigentes estudantis da extrema-esquerda muito aguerridos", que ficaram no exterior da fábrica. Na verdade, cá fora Arnaldo Matos e os seus companheiros do MRRP não faziam mais do que insultar os que estavam lá dentro, parafraseando a canção do Luís Cília,”É sempre a mesma melodia, Mário Soares e a social-democracia”, em que substituíram o Salazar da letra da canção pelo Mário Soares. Este comportamento, que era verdadeiramente provocador e que nessa conjuntura visava atrair os polícias para reprimir a sessão, verificou-se repetidas vezes a quando das eleições de Outubro de 1969, principalmente em relação aos comícios da CEUD e em que Mário Soares participava. Para o MRRP, nesse momento, Soares era o inimigo principal, como depois, ou mesmo concomitantemente, veio a ser o PCP.
Para terminar, não deixaria de notar esta espantosa moção aprovada por 68 padres em que se propõe “denunciar os sistemas de exploração capitalista que provocam o esmagamento económico e cultural de grandes camadas da população”. Que boas ideias manifestavam esses padres em 1969. Hoje, arrancar uma condenação tão explícita do capitalismo, já nem provavelmente do PCP.
Passados todos estes anos e conhecendo da vida pública alguns dos intervenientes desta história, penso como tanta gente se acomodou e como é possível a Igreja ainda estar pior hoje do que estava há 40 anos e que os leigos, pela amostra dos que apareceram a combater o aborto, não sintam um friozinho na alma pelos disparates que produzem.

2 comentários:

F. Penim Redondo disse...

Também eu me lembro da emoção da sessão com o Ievtuchenko. Penso que ele disse alguns poemas.

Para além do mais a Maria Rosa, que encontrei lá, era ainda apenas uma hioótese de namorada...

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Nessa vinda do Ievtuchenko a Portugal, que me parece que foi recentemente recordada a quando de uma homenagem à Snu Abecassis, a primeira proprietária da D. Quixote, foram realizadas diversas iniciativas. Houve duas, que me recorde, a primeira a sessão de autógrafos realizada numa livraria na Estefânia, de que não me recordo o nome e que já não existe, e a sessão de declamação de poesia no Capitólio, que foi a que tu assististe, mas a que eu já não fui.
Jorge Nascimento Fernandes