sábado, agosto 28, 2010

Hipocrisia sobre o Tibete


Em 1904, aproveitando-se do estertor da dinastia Qing em Pequim, uma expedição britânica liderada por Sir Francis E. Younghusband, um aventureiro ao serviço do Império Britânico, dominou o forte de Gyantse e marchou até Lhasa, a capital do Tibete, tornando-se a primeira força ocidental a forçar a abertura do Tibete e a arrancar concessões comerciais dos seus lamas.

A expedição de Younghusband foi enviada por Lord Curzon, o vice-rei da Índia, para forçar o 13º Dalai Lama a concordar com concessões comerciais. O Tibete também havia começado a ganhar importância no que ficou conhecido como o Grande Jogo, onde os impérios britânico e russo rivalizavam por influência na Ásia Central.
Na vila de Guru, as tropas britânicas encontraram um acampamento de 1.500  tibetanos. Ocorreram hostilidades. As tropas britânicas, que incluíam sikhs e gurkas, abriram fogo. Em quatro minutos, 700 tibetanos fracamente armados caíram, mortos ou feridos.
Mais tarde, num desfiladeiro a apenas 32km de Gyantse, os britânicos assassinaram mais 200 tibetanos.
Os tibetanos montaram a sua última resistência no forte de Gyantse, chamado dzong, ou Jong, em tibetano. Depois de terem esgotado o prazo de rendição, em 5 de julho, os britânicos atacaram a partir do sudeste do forte.
"A rendição do jong teria um efeito esmagador sobre o moral tibetano", escreveu Hopkirk. "Havia uma superstição antiga de que, se o grande forte caísse nas mãos de um invasor, seria inútil uma maior resistência".

Em 1910, bem depois da partida dos britânicos, 2 mil soldados chineses ocuparam Lhasa. Mas em 1913, após a desintegração da dinastia Qing por acção das potências ocidentais e do Japão, iniciou-se um período de "independência de facto" do Tibete.

Os comunistas chineses retomaram o controle do Tibete novamente em 1951, numa demonstração de nacionalismo destinada a redimir os "cem anos de humilhação" a que a China tinha sido sujeita.

Não há nada como a história para mostrar a hipocrisia daqueles que tendo praticado o colonialismo desavergonhadamente choram agora lágrimas de crocodilo pela independência do Tibete.
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6 comentários:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Fernando,

Colocadas as coisas dessa forma, NENHUM português (nem espanhol, francês, inglês, holandês, italiano, alemão, etc...) pode defender o direito de um povo que a pretenda à sua autodeterminação. Todos praticaram o colonialismo desavergonhadamente.
Nem se pode declarar escandalizado com a lapidação de mulheres adúlteras no Irão. Todos tiveram a Inquisição, ou as suas espécies de, a perseguir desavergonhadamente as mulheres e os homens herejes.

Ora se houve causa que uniu depois do 25 de Abril TODOS os portugueses (com excepção do AJJ e do ex-maoista Durão Barroso, por motivos diferentes) foi justamente o apoio activo e determinante de Portugal, antigo colonizador, à autodeterminação do povo de Timor.
Estou convicto que na altura não pensaste nada de semelhante ao que escreveste aqui.
Porquê a mudança de ideias?

F. Penim Redondo disse...

Manuel,

o importante é perceber que ontem como hoje os propósitos humanitários são um mero pretexto na diplomacia dos impérios. Ontem o Tibete foi invadido para evitar a influência do Império Russo e hoje apoia-se o Dalai Lama para minar o crescente poder chinês.
Os tibetanos e a sua cultura são um mero pretexto para quem dá as cartas mesmo que não sejam para os incautos que seguem estas agendas mediáticas.

Ao contrário do que pensas nunca apoiei a "causa timorense" que, desde o início, percebi ser uma convergência contra-natura dos saudosos do império, dos que queriam preservar um bastião católico em território islãmico e dos que anteviam as benesses do petróleo.
A história dos últimos anos, com laivos de farsa, tem mostrado infelizmente que eu tinha razão.

A atitude imperial consiste na arrogância de, mesmo após a descolonização, considerar que se tem o direito de determinar a forma dos estados colonizados.
O Tibete na China, Timor na Indonésia ou Cabinda em Angola. Mesmo que para isso seja preciso diabolizar as antigas colónias. Para melhor as desmembrar.
Não alinho nisso.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Fernando,
A descolonização não é apenas uma questão geo-estratégica de jogo entre potências.
A vontade dos povos também pode entrar na equação... ou não?

F. Penim Redondo disse...

Manuel,

não sejamos ingénuos.
A vontade dos povos, colonizados ou colonizadores, é guiada por discursos.

O que eu estou a tentar dizer é que há certos discursos que não me convencem.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Se a vontade dos povos fosse guiada por discursos, e não pelo exercício livre e esclarecido da vontade de cada indivíduo, não havia vantagem nenhuma nos sistemas democráticos, que até costumam ficar bem aquém das tiranias no domínio da eloquência.
Na realidade, verifica-se que há vantagem, e esmagadora.
Não consideres ingénuo respeitar a vontade livremente expressa dos povos, como se eles fossem inteligentes. Porque são.

F. Penim Redondo disse...

A democracia consiste em dar a oportunidade ao povo de escolher um dos discursos disponíveis.

Por exemplo em Setembro passado havia dois principais discursos:

1. Uma senhora de idade jurava a pés juntos que o país estava demasiado endividado
2. Um rapaz bem parecido pintava um quadro entusiasmante de desenvolvimento baseado em grandes projectos de infraestruturas

O povo escolheu maioritáriamente o segundo discurso embora ele se baseasse numa omissão grave e, por causa do seu irrealismo, tivesse sido abandonado logo após a votação.

A liberdade democrática exerce-se portanto através da escolha de discursos, narrativas que descrevem a realidade passada, presente e futura.
O povo é totalmente livre de se enganar e mesmo de se auto-flagelar.

Eu respeito os resultados eleitorais mas tal não me obriga a abandonar a opinião de que a campanha de Sócrates foi uma autêntica venda de peixe podre.

Percebes?