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Muita coisa em Portugal nos faz recusar este princípio do "debate desinibido, robusto e aberto". A nossa tradição ancestral do respeitinho, a qualificação como ofensa pessoal de qualquer crítica incómoda aos políticos, o esmero dos serventuários do poder em punir vozes cáusticas ou dissidentes, o poder abusivo e retaliatório dos "donos do Estado", nada disso favorece a forma como entendemos a liberdade de expressão.
Parece-me por isso exemplar o caso relatado pelo PÚBLICO no domingo passado em que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu não levar a julgamento o jornalista do Açoreano Oriental, Estêvão Gago da Câmara, processado por difamação pelo deputado socialista Ricardo Rodrigues. Gago da Câmara referira-se ao envolvimento do deputado do PS com um gang internacional como advogado, sócio e procurador duma sociedade off-shore. O tom era virulento, mas assentava em factos públicos ou demonstráveis.
Eis o eco de Brennan. Disse o Tribunal de Ponta Delgada que "a imprensa quer-se robusta, desinibida e desassombrada". E o Tribunal da Relação, mesmo reconhecendo que gang era "insultuoso" ou "indelicado", confirmou que a peça estava "justificada em factos".
Infelizmente, são avanços como este que podem estar em perigo se ouvirmos em demasia o reeleito presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento. No seu discurso de tomada de posse este juiz-conselheiro defendeu a criação de um órgão especial para julgar jornalistas "composto paritariamente por representantes das próprias classes profissionais e da estrutura política do Estado".
Já não bastava que os políticos fizessem as leis que regulam a profissão de jornalista; que definissem os membros e poderes da entidade reguladora; que contratem agências de comunicação para plantar notícias; que manipulem a publicidade do Estado; ou que pressionem magistrados no contexto de processos que os envolvam directamente e indirectamente. Numa formulação própria duma ditadura, Noronha Nascimento também quer representantes da "estrutura política do Estado" (?) com poderes disciplinares sobre os jornalistas. Ceausescu não diria melhor.
Pedro Lomba, Público 22.12.2009
É pelo menos paradoxal que seja o PS, partido que emergiu históricamente como o paladino da liberdade e das liberdades, quem mais se queixa da imprensa e dos jornalistas em Portugal.
E é ainda mais paradoxal que tal aconteça precisamente quando, quase todos os dias, surgem suspeitas de que o Governo manipula, ou tenta manipular, orgãos de informação.
Depois dos jornalistas são os juizes, e as quebras do segredo de justiça, os mais visados pelas críticas da direcção do Partido Socialista. Talvez dessa forma o PS tenha conseguido pôr o Presidente do STJ a propor uma espécie de censura.
Interrogo-me cada vez mais sobre se o Partido Socialista não terá demasiadas coisas para ocultar.
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