Era daqueles que seguia diariamente o concurso da RTP Um Contra Todos, achava que era um contributo divertido para estimular a nossa cultura geral, apesar de muitas das perguntas se reportarem a "fait-divers" mais comezinho, tipo onde nasceu ou com quem esteve casado este ou aquele actor, ou ainda em que clube ou em que lugar jogava tal futebolista.
A História de Portugal, para não assustar os concorrentes, restringia-se aos últimos 50 anos ou algumas das perguntas sobre literatura portuguesa referiam-se às inesgotáveis obras da Margarida Rebelo Pinto. Malato, o apresentador do programa, tem espírito e consegue, em algumas tiradas dar um tom progressista, num local que prima sempre pelas opiniões reaccionárias ou, pelo menos, pela defesa da ideologia dominante. Veja-se, por exemplo, quando o Jorge Gabriel apresentou um programa semelhante referiu-se a Chávez, como um anti-americano primário, reproduzindo as ideias feitas sobre esta matéria.
Foi com este estado de espírito que resolvi inscrever-me no concurso. Depois de muitos telefonemas para cá e para lá, mas sempre afáveis e simpáticos, e um interrogatório por telefone a testar os meus conhecimentos gerais, eis que surge o dia em que devo comparecer às 10h30 na Televisão. Pedem-me que leve duas mudas de roupa, não vá eu ir à cadeira. Como são gravadas três sessões por dia, tem que se dar ao telespectador a sensação de que o concorrente está a ser inquirido em três noites diferentes
Como não sabia o tempo que levaria a chegar à televisão e devido aquele espírito antes-de-já, que é próprio dos sexagenários, cheguei com vinte minutos de antecedência. Esperava eu que entrasse, fosse levado para uma sala e esperasse até chegarem todos os 51 concorrentes. Engano meu. Esperámos à porta da televisão, por acaso não foi ao vento e à chuva, porque nesse dia fazia Sol, mas por aquilo que me foi dado perceber, devia ser essa a situação normal. Só mesmo às 10h30 é que chegou uma menina que confirmou a nossa presença. Depois, reuniu-nos e levou-nos para o estúdio, onde nos entregaram um conjunto de folhas, para nos identificarmos e declararmos que renunciamos a todos os direitos de reclamar contra a Endemol, a produtora do programa. Tipo quando instalamos um novo software no nosso computador e a firma produtora nos espolia voluntariamente de todas as possibilidades de no futuro reclamarmos contra qualquer maldade que ela nos faça. Já se sabe que assinei sem me dar ao trabalho de ler todas as alíneas, tal como aceito todos os programas de computador sem ler todos os direitos a que renuncio. Tristes vão os tempos que para se fazer qualquer coisa é preciso comprometermo-nos a não pormos em tribunal com quem nos relacionamos. Qualquer dia para fazermos amigos temos que previamente assinar uma declaração a dizer que no futuro não nos tornaremos seus inimigos.
A sala onde esperamos, onde assinamos a declaração e onde comemos é sempre a mesma, acanhada, com mesas de contraplacado e desprovida de qualquer decoração. Lateralmente tem um pequeno bar, com máquinas de café portáteis e em que o balcão é igualmente uma mesa. Um local sem condições e pouco simpático. No entanto, convencido que estava a fazer um favor à televisão participando no seu concurso, pensei que, tal como em todos os locais onde há conferências, colóquios, etc., poderia ir tomar o coffe break sem pagar nada. Puro engano, o café era a 0,50 €, como em qualquer cafetaria, com muito melhores condições. Sobre pagamentos, soube também que, aos participantes que vinham da província, não era paga a estadia em Lisboa, ao contrário do que sucedia anteriormente. É a crise.
Esperámos e só por volta do meio-dia fomos para o estúdio para gravar o programa. Depois de muitas experiências, justificáveis para quem como eu estava naquelas andanças pela primeira vez, lá se dá início à sessão. O Malato aparece com ar de sono, dizendo que a mãe o tinha acordado às dez, ainda por cima ligando a seguir o aspirador. Todo o programa tem este ar familiar, com um tal Betão, um brasileiro grande, a comandar as tropas, contando anedotas ordinárias, que ultrapassam as raias do dizível. As referências sexuais, supersticiosas e religiosas, tipo seita, são comuns durante todo o dia. O Malato sempre com um ar enfastiado e cansado, transmite a sensação de que é uma grande estafa fazer o programa. O que não deixa de ser verdade porque, segundo percebi, durante três dias, 4º, 5º, e 6º feiras, do fim da manhã até às oito da noite, foi a hora a que acabou a última gravação, vai, apesar das longas interrupções, fazendo momices e perguntas aos seleccionados.
Apesar de já ter sido avisado telefonicamente, os concorrentes têm que estar de pé durante as gravações, resta-lhes nos intervalos um banquinho de plástico, da loja dos trezentos, para aliviarem o seu cansaço. As gravações são morosas, sempre antecedidas de novos ensaios, que, para um leigo, dão a sensação de que se está à espera que o apresentador se disponha a gravar. Como experiência fica-nos um dia que começa às 10h30 e acaba ás oito da noite, a maioria dele passado em pé, sem se ver a luz do dia, almoçando gratuitamente na sala onde se espera, mas com lanche e cafés pagos. No fundo, uma canseira. Há concorrentes que se oferecem para ir lá no dia seguinte, eu pagava para não ir.
E o concurso. Falava-se à boca pequena, que a primeira concorrente que foi seleccionada para ir à “cadeira”, e em teoria ela deveria sê-lo por ter sido a mais rápida a responder a uma determinada pergunta, já tinha sido previamente escolhida. Não sei se é verdade, mas que a senhora vinha muito bem arranjada, como se fosse para uma passagem de modelos, quando todos os concorrentes aparecem vestidos informalmente, é a pura das verdades. Só a sua ignorância é que era maior do que o seu ar.
Já se sabe que chumbei quando me perguntaram, para além das que estavam indicadas, qual era a modalidade que faltava no pentatlo: canoagem, natação ou salto em altura. Fugiu-me logo o dedo para o disparate: salto em altura. Era natação. O desporto não é o meu forte.
A História de Portugal, para não assustar os concorrentes, restringia-se aos últimos 50 anos ou algumas das perguntas sobre literatura portuguesa referiam-se às inesgotáveis obras da Margarida Rebelo Pinto. Malato, o apresentador do programa, tem espírito e consegue, em algumas tiradas dar um tom progressista, num local que prima sempre pelas opiniões reaccionárias ou, pelo menos, pela defesa da ideologia dominante. Veja-se, por exemplo, quando o Jorge Gabriel apresentou um programa semelhante referiu-se a Chávez, como um anti-americano primário, reproduzindo as ideias feitas sobre esta matéria.
Foi com este estado de espírito que resolvi inscrever-me no concurso. Depois de muitos telefonemas para cá e para lá, mas sempre afáveis e simpáticos, e um interrogatório por telefone a testar os meus conhecimentos gerais, eis que surge o dia em que devo comparecer às 10h30 na Televisão. Pedem-me que leve duas mudas de roupa, não vá eu ir à cadeira. Como são gravadas três sessões por dia, tem que se dar ao telespectador a sensação de que o concorrente está a ser inquirido em três noites diferentes
Como não sabia o tempo que levaria a chegar à televisão e devido aquele espírito antes-de-já, que é próprio dos sexagenários, cheguei com vinte minutos de antecedência. Esperava eu que entrasse, fosse levado para uma sala e esperasse até chegarem todos os 51 concorrentes. Engano meu. Esperámos à porta da televisão, por acaso não foi ao vento e à chuva, porque nesse dia fazia Sol, mas por aquilo que me foi dado perceber, devia ser essa a situação normal. Só mesmo às 10h30 é que chegou uma menina que confirmou a nossa presença. Depois, reuniu-nos e levou-nos para o estúdio, onde nos entregaram um conjunto de folhas, para nos identificarmos e declararmos que renunciamos a todos os direitos de reclamar contra a Endemol, a produtora do programa. Tipo quando instalamos um novo software no nosso computador e a firma produtora nos espolia voluntariamente de todas as possibilidades de no futuro reclamarmos contra qualquer maldade que ela nos faça. Já se sabe que assinei sem me dar ao trabalho de ler todas as alíneas, tal como aceito todos os programas de computador sem ler todos os direitos a que renuncio. Tristes vão os tempos que para se fazer qualquer coisa é preciso comprometermo-nos a não pormos em tribunal com quem nos relacionamos. Qualquer dia para fazermos amigos temos que previamente assinar uma declaração a dizer que no futuro não nos tornaremos seus inimigos.
A sala onde esperamos, onde assinamos a declaração e onde comemos é sempre a mesma, acanhada, com mesas de contraplacado e desprovida de qualquer decoração. Lateralmente tem um pequeno bar, com máquinas de café portáteis e em que o balcão é igualmente uma mesa. Um local sem condições e pouco simpático. No entanto, convencido que estava a fazer um favor à televisão participando no seu concurso, pensei que, tal como em todos os locais onde há conferências, colóquios, etc., poderia ir tomar o coffe break sem pagar nada. Puro engano, o café era a 0,50 €, como em qualquer cafetaria, com muito melhores condições. Sobre pagamentos, soube também que, aos participantes que vinham da província, não era paga a estadia em Lisboa, ao contrário do que sucedia anteriormente. É a crise.
Esperámos e só por volta do meio-dia fomos para o estúdio para gravar o programa. Depois de muitas experiências, justificáveis para quem como eu estava naquelas andanças pela primeira vez, lá se dá início à sessão. O Malato aparece com ar de sono, dizendo que a mãe o tinha acordado às dez, ainda por cima ligando a seguir o aspirador. Todo o programa tem este ar familiar, com um tal Betão, um brasileiro grande, a comandar as tropas, contando anedotas ordinárias, que ultrapassam as raias do dizível. As referências sexuais, supersticiosas e religiosas, tipo seita, são comuns durante todo o dia. O Malato sempre com um ar enfastiado e cansado, transmite a sensação de que é uma grande estafa fazer o programa. O que não deixa de ser verdade porque, segundo percebi, durante três dias, 4º, 5º, e 6º feiras, do fim da manhã até às oito da noite, foi a hora a que acabou a última gravação, vai, apesar das longas interrupções, fazendo momices e perguntas aos seleccionados.
Apesar de já ter sido avisado telefonicamente, os concorrentes têm que estar de pé durante as gravações, resta-lhes nos intervalos um banquinho de plástico, da loja dos trezentos, para aliviarem o seu cansaço. As gravações são morosas, sempre antecedidas de novos ensaios, que, para um leigo, dão a sensação de que se está à espera que o apresentador se disponha a gravar. Como experiência fica-nos um dia que começa às 10h30 e acaba ás oito da noite, a maioria dele passado em pé, sem se ver a luz do dia, almoçando gratuitamente na sala onde se espera, mas com lanche e cafés pagos. No fundo, uma canseira. Há concorrentes que se oferecem para ir lá no dia seguinte, eu pagava para não ir.
E o concurso. Falava-se à boca pequena, que a primeira concorrente que foi seleccionada para ir à “cadeira”, e em teoria ela deveria sê-lo por ter sido a mais rápida a responder a uma determinada pergunta, já tinha sido previamente escolhida. Não sei se é verdade, mas que a senhora vinha muito bem arranjada, como se fosse para uma passagem de modelos, quando todos os concorrentes aparecem vestidos informalmente, é a pura das verdades. Só a sua ignorância é que era maior do que o seu ar.
Já se sabe que chumbei quando me perguntaram, para além das que estavam indicadas, qual era a modalidade que faltava no pentatlo: canoagem, natação ou salto em altura. Fugiu-me logo o dedo para o disparate: salto em altura. Era natação. O desporto não é o meu forte.
Resta-me a consolação de numa das sessões ter chegado aos últimos seis. Esta terminou com a pergunta, que a concorrente em jogo não soube responder, quem é que tinha realizado os filmes “Acossado”, “O Desprezo” e “Pedro o Louco”. Como eu gostaria de ter dito ao Malato que era o Jean-Luc Godard, e que o primeiro era o “À Bout de Souffle” (1959), segundo “Le Mépris” (1963) e o terceiro “Pierrot le Fou” (1965). Que “Acossado” termina com o Jean-Paul Belmondo a morrer, caído no chão da rua, e a fechar com a mão os olhos a si próprio e o terceiro , com o mesmo actor, com dinamite enfiado na cabeça a tentar apagar o rastilho que tinha acabado de acender. Como estes foram os filmes da nossa juventude ou pelo menos da memória que guardamos deles e mesmo que os odiássemos, era porque eles eram o cinema do nosso tempo.
2 comentários:
Eh pá, eu jurei não ser fanático mas falha-me o discernimento para perceber o encanto destes concursos de perguntas (agora pomposamente chamados "quiz", para quem não vê televisão mas vai responder em bares e onde calha).
Tenho vários amigos infectados mas prometo não fazer nenhum genocídio.
P.S. Já que falas em cinema é estranho não mencionares o maravilhoso "Ginger e Fred". Vinha a matar (salvo seja)
Pois eu, ao contrário do Fernando, só não me inscrevo por vergonha - e, agora, também pelas descrições do Jorge.
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