sexta-feira, março 03, 2017

Anatomia de uma golpada mediática


Tudo o que vou dizer a seguir não tem como intuito nem minimizar a importância do “caso dos off-shores”, nem desmotivar a investigação das causas e culpados do que aconteceu.

O objectivo deste texto é mostrar, a quem ainda não se tenha apercebido, as manobras e golpadas partidárias a que temos estado sujeitos.





1.
A notícia do Público sobre a “fuga dos 10.000 milhões” foi dada mesmo a tempo da ida de António Costa à Assembleia da República, que aconteceu no dia 22 de Janeiro. Mera coincidência? Talvez. Mas a verdade é que a tal “fuga” era conhecida pelo menos desde Outubro de 2016 e a “não publicação” das estatísticas era do domínio publico desde 2011. Por outro lado António Costa encontrava-se sob uma enorme pressão por causa dos SMS de Centeno e precisava de desviar as atenções.
2.
Desde o início, a questão da “fuga dos 10.000 milhões” foi associada nos textos do jornal, sem razão aparente, à não publicação das estatísticas. Sem o afirmar claramente levou-se os leitores a pensar que a falta de tratamento das saídas de dinheiro resultava da não publicação das famosas estatísticas.
Esta foi uma jogada de mestre pois permitiu culpabilizar os adversários politicos pela “fuga” sem qualquer fundamento.




3.
António Costa, no dia 22 de Janeiro, durante o debate quinzenal, usou o artigo do Público para, sem apresentar qualquer informação factual, acusar o governo anterior de “ter deixado fugir 10.000 milhões de euros”. Durante vários dias multiplicaram-se nos meios de comunicação as mais variadas especulações, sem qualquer base factual com excepção da não publicação das estatísticas. Que dessa forma surgiam numa implícita relação de causa efeito.




4.
Só no dia 25 de Fevereiro, vários dias depois, surgiu publicamente a informação de que nem todos os movimentos declarados pelos bancos teriam chegado à base de dados em que se baseia a actividade inspectiva da AT. Depois de terem deixado que se instalasse na opinião pública a ideia de que os movimentos não inspeccionados eram aqueles que não tinham sido publicados. Afinal, admitia-se, a AT tinha tratado todos os movimentos que conhecia apesar de não os ter publicado.
5.
Esta nova situação obrigou o Secretário de Estado a esboçar algumas hipóteses de explicação para o "desaparecimento" das 14 declarações dos bancos. Fez umas vagas referências a erros informáticos e disse também que não há qualquer indício de interferência política no assunto.
Atendendo a que o Secretário de Estado conhece esta situação desde, pelo menos, 31 de Outubro de 2016 seria de esperar um conhecimento muito mais profundo das causas e consequências do que se passou.






6.
Finalmente, como se não bastassem já as manobras anteriores, com claros intuitos partidários, hoje dia 3 de Março, o caso deu uma nova curva. Ficou a saber-se que as declarações bancárias na AT sobre movimentos para off-shores não são feitas sempre nos anos em que ocorrem. Falou-se, por exemplo, do caso do BES em que foi a administração do Novo Banco, depois da resolução em finais de 2014, que comunicou ao fisco saídas de capitais ocorridas nos anos anteriores.
7.
Estas últimas revelações permitem-nos supor que afinal as lacunas da informação tanto podem resultar de deficiências informáticas como de meros atrasos na comunicação da informação pelos bancos.
Passámos vários dias a ouvir falar de publicação de estatísticas mas continuamos sem saber quais os montantes de imposto que deveriam ter sido cobrados, se tudo tivesse corrido normalmente, e se tais montantes devidos, a existirem, ainda podem ser recuperados pelo fisco.


Em suma, o Ministério das Finanças tem vindo a manipular sistematicamente o timing das revelações que faz, com o objectivo de passar culpas para os adversários políticos e também de disfarçar a sua própria inépcia.

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