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Na Primavera de 1973
descobri, por acaso, que estava a ser seguido pela PIDE. Atravessei a Ponte
Salazar por engano e, no regresso, estranhei ver de novo o Opel Manta castanho
que já no percurso inverso rodava atrás de mim.
Acelerei a fundo o meu
potente Alfa Romeo e consegui deixar o Opel para trás, mas de pouco valeu.
Já sabiam onde eu morava e
montaram plantão à minha porta.
Eu, tal como a minha mulher, eramos
nessa altura empregados muito bem pagos da maior empresa mundial das emergentes
teconologias da informação.
Passámos a viver na eminência
da prisão, com tudo o que isso significa de instabilidade e desespero. O meu
filho mais velho tinha então apenas dois anos.
Cortei todos os contactos
clandestinos com o meu partido, o PCP, e comecei a tentar desfazer-me das
enormes quantidades de materiais comprometedores que havia em minha casa (em
resultado de uma outra história, vivida com o Mário de Carvalho, que talvez um
dia seja contada).
Às horas mais estranhas saía
de casa, de repente, carregando uma ou duas malas, e arrancava no Alfa Romeo a
grande velocidade. Violava sentidos proibidos e invertia a marcha em locais
totalmente contraindicados para o efeito.
Rumava à serra de
Montachique, aproveitando a longa subida para me certificar de que não era
seguido. Procurava um local ermo e largava as malas cheias de panfletos e
jornais. Depois voltava para casa e, dias depois, repetia este jogo de gato e
rato.
Com a passagem do tempo fomos
ficando cada vez mais cansados de espreitar os nossos guardas pela janela, de
esperar o desfecho anunciado mas que não se cumpria.
Só assim se explica a reacção
que num certo dia não consegui evitar.
Enrosquei a teleobjectiva
200mm na minha Pentax Spotmatic e saí porta fora a fotografar os pides. A
teleobjectiva permitia-me obter, à distância de umas dezenas de metros,
fotografias bastante nítidas das caras dos agentes que nesse dia montavam
guarda junto à minha casa.
Disparei, disparei e eles,
com a surpresa, mostravam-se atarantados. Alguns enfiaram-se no carro e
desandaram, às pressas. Até houve um que apanhou o eléctrico em andamento e
zarpou.
Eu nessa altura tinha em casa
um laboratório fotográfico que me permitiu fazer a revelação das fotografias.
No dia seguinte, em envelope
carimbado para parecer correspondência comercial, expedi para um amigo que eu
sabia poder fazer chegar aquele material ao partido.
Soube mais tarde que essa
carta nunca chegou ao seu destino.
Um ano depois deste episódio,
a 18 de Abril de 1974, fui preso tal como a
minha mulher.
Gostava de um dia, por
milagre, recuperar as imagens daquela inusitada sessão fotográfica…
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3 comentários:
Um militante do PCP a escrever Ponte Salazar...
È que ninguém lhe chamava assim, o nome porque todos a conhecíamos era PONTE SOBRE O TEJO.
A idade tem destas coisas....
Usei "Ponte Salazar" de propósito, como efeito literário. Não sou daqueles que apagam inimigos das fotografias
Mas ninguem em Lisboa lhe chamava Ponte Salazar meu caro, por isso estranhei ter escrito o que escreveu.
Salazar chamava-se ao RAPA BOLOS.
E isto nada tem a ver com apagar inimigos das fotografias, aliás um costume muito usado lá para as suas bandas partidárias....
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