domingo, julho 31, 2011

A esquerda e Sísifo



O capitalismo é o único sistema que temos e não temos nada que o substitua. O que precisamos é que seja ético.
Mário Soares ao Expresso, 30.01.2011


Mário Soares faz desta vez um diagnóstico correcto embora conclua pela resignação. A esquerda em Portugal está refém desta ideia mesmo quando se recusa a reconhecê-lo, mesmo quando usa uma linguagem radical para o encobrir.

O capitalismo, tomado como um monstro de mil cabeças, remete a acção política para o campo da mitologia, e a história eleitoral portuguesa mostra que a esquerda está condenada, como Sísifo, a carregar o pedregulho desde o sopé uma e outra vez.
Melhor seria usar uma definição mais operativa do capitalismo. Trata-se simplesmente de um modo de produção que se baseia na produção de mercadorias em troca de um salário.
Marx dizia já em 1865, dirigindo-se à classe operária: Em vez do motto conservador "salário diário justo para um trabalho diário justo" deverá inscrever na sua bandeira a palavra de ordem revolucionária "Abolição do sistema de salários!".

Não faz qualquer sentido exigir um capitalismo com ética.
Enquanto a esquerda não recusar a inevitabilidade da empresa capitalista como forma de produzir, e não deixar de exigir emprego assalariado, nunca conseguirá sair do círculo vicioso.
Mas não se consegue detectar nenhum esforço da esquerda para propor novas formas de organização dos trabalhadores no acto de produzir.

Em alternativa ao capitalismo a esquerda actual só concebe a omnipresença do Estado como empregador universal. Mas o Estado, como a história mostra, não é o zelador mítico do "interesse comum"; em cada momento é apenas uma mistura conjuntural de clãs ideológicos, grupos de interesses e mafias burocráticas.


10 comentários:

nuno vieira matos disse...

Bom diagnóstico. My feeling exactly.

J Eduardo Brissos disse...

Claro que não faz qualquer sentido exigir um capitalismo com ética (ou energia nuclear sem radiações e alheira sem gordura).

Mas isso da defesa do capitalismo, ético, 3ª via, etc. são cenas da esquerda reformista e não como referes de (toda) "a esquerda em Portugal".

E felizmente ainda por cá vai havendo também uma esquerda anti-capitalista que, melhor ou pior, se vai empenhando na luta para sairmos do "circulo vicioso".

E já agora que falas nisso a caracterização do Capitalismo como "um modo de produção que se baseia na produção de mercadorias em troca de um salário" deixa de fora (esconde) a questão central do MPC que é a apropriação pelo capitalista da mais valia criada pelos trabalhadores.

F. Penim Redondo disse...

É verdade que a mais valia criada por quem trabalha é apropriada pelos detentores do capital. Mas isso, como sabes, não é uma marca identitária do capitalismo já que a apropriação d mais valia já existia noutros modos de produção.
A forma específica como essa apropriação se faz no capitalismo, que o distingue dos modos anteriores, é o assalariamento.

J Eduardo Brissos disse...

Segundo o old Karl a mais valia é um dos traços distintivos do MPC (modo de produção capitalista) e no sentido em que a usa não se aplica a outros modos de produção.

Claro que a criação e apropriação de excedente não é exclusivo do MPC. Existe também noutros modos de produção, mas assumindo formas que não a de mais valia.

Quanto ao termo mais valia já era usado com outros significados antes de Marx, por exemplo pelos fisiocratas que diziam que só a terra, a Mãe Natureza, é que criava mais valia.

F. Penim Redondo disse...

Não me parece que se avance muito com discussões semânticas.
Quem quer o fim do capitalismo devia concentrar-se era em criar alternativas para o assalariamento, que é o cerne da questão.
Alternativas mais justas, bem entendido.

J Eduardo Brissos disse...

Mas é conveniente saber do que falamos quando falamos de...

F. Penim Redondo disse...

Eu conheço a definição do Marx para mais valia mas prefiro o conceito geral de excedente.
A fórmula da mais valia está um bocado desactualizada pois o mundo da produção alterou-se muito desde o século XIX. Insistir na mais valia, tal como foi definida no seu tempo, é reduzir a valia do marxismo nos dias de hoje.

J Eduardo Brissos disse...

O "saber do que falamos" queria dizer tentar compreender aquilo que estás a transmitir, e vice versa tentar explicar aquilo que estou a dizer.

Portantos, qual é a actualização que achas que é preciso fazer ao conceito de mais valia para o nosso tempo? Ou consideras que é um conceito que já não se aplica à realidade actual?

F. Penim Redondo disse...

No essencial a desactualização do conceito mais valia resulta de ter sido concebido em termos de tempo de trabalho.
Desenvolvi essa ideia no livro que publiquei e pode ser lido aqui:

http://digital-ismo.blogspot.com/2008/07/0501-superar-os-anacronismos.html

J Eduardo Brissos disse...

No meu caso reler, pois já tinha lido o teu livro (uma boa parte) na altura da publicação. Enfim, continuo a achar que és muito injusto com o old Karl, que é mais profundo e complexo do que o pintas. Mas isso é uma conversa que não cabe nestas caixas de comentários.