segunda-feira, março 03, 2008

O pedido de demissão de Sócrates está na ordem do dia

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O país assiste atónito ao afundamento da primeira maioria absoluta do Partido Socialista, apesar de na campanha eleitoral em 2005 Sócrates ter pedido a maioria absoluta como uma espécie de seguro contra a incerteza.

Passados três anos o PS não tem qualquer rival partidário que o atormente mas todos temos a sensação de que a sua capacidade para governar nos moldes que tinha anunciado é cada vez mais titubeante.
O ministro da saúde já foi despedido, sob um paradoxal coro de elogios à sua competência, e a ministra da educação vai segui-lo a muito curto prazo apesar de ser outro dos membros do governo que parece saber para onde quer ir.

O governo está cada vez mais enredado e manietado por forças contrárias que desafiam o conceito de democracia tradicional, talvez porque a maioria absoluta não dá muitas hipóteses à luta partidária convencional. Sucedem-se as campanhas mediáticas, as providências cautelares, os pedidos de demissão, as manifestações e as greves com laivos de desobediência civil.

Se isto fossem expressões genuínas de grandes massas do povo talvez tivéssemos razões para nos congratular mas as sondagens aí estão para nos mostrar que o governo continua a gozar de grande popularidade e, mais importante ainda, que a população não descortina qualquer alternativa credível no panorama partidário. Se todo este ruído é apenas a expressão de particularismos, jogos de interesses corporativos e aproveitamentos demagógicos, então talvez tenhamos boas razões para temer pelo futuro da nossa democracia.

Se aqueles que moram nos arredores de um SAP que se decidiu encerrar, ou os professores que não admitem ser avaliados, desfilando nas ruas, têm o poder de correr com os ministros de um governo que tem maioria na Assembleia da República, então o cidadão votante interrogar-se-á sobre a utilidade de visitar as urnas de quatro em quatro anos. Ninguém parece saber muito bem como gerir este equilíbrio entre a "legitimidade democrática" e os descontentamentos, quantas vezes desproporcionados, de grupos sociais que têm um enorme poder funcional. Em termos de crise de funcionamento da democracia é indiferente saber se a razão está do lado do governo ou de quem protesta nas ruas.

Neste quadro é legítimo desenvolver a seguinte antevisão para o período que nos separa das próximas eleições em 2009:

- as reformas desencadeadas pelo governo encontram cada vez mais obstáculos da parte daqueles que se consideram lesados (quaisquer que sejam as medidas que se tomem haverá sempre quem legitimamente possa invocar prejuízos)

- os ministros vão sendo substituídos por versões light que, de cedência em cedência, desbaratam o próprio sucesso obtido ao nível das contas públicas

- o PSD e o CDS, que actualmente são a principal fonte do anedotário nacional, bebem novo folego nos recuos do governo e renovam-se para as eleições.

- o PCP e o BE, que podem reclamar a parte de leão nas derrotas de Sócrates, vão para as eleições de 2009 em condições de roubar uma parte importante do eleitorado da esquerda do PS.
- as forças centrífugas no interior do PS, com destaque para Manuel Alegre, são aceleradas com efeitos imprevisíveis.

Quem olhe para esta descrição não poderá estranhar que Sócrates se demita e provoque eleições antes de 2009 já que a passagem do tempo lhe é desfavorável em todos os tabuleiros referidos.

O PS tem maior probabilidade de ganhar as eleições em 2008 do que em 2009 mas, como já se percebeu, ganhar as eleições não é tudo. Tal manobra, para além de aumentar as hipóteses de vitória nas eleições, destinar-se-ia também a referendar as reformas do governo e a desbaratar a oposição das classes profissionais e dos interesses regionais que a elas resistem.

Se ainda há salvação para Sócrates ela só poderá vir de um apelo dramático ao povo que assiste pela televisão à infindável guerra de trincheiras entre o governo, o poder judicial, os sindicatos e as autarquias.

Será que Sócrates tem a necessária coragem populista ?
Por ironia do destino, ou talvez não, três anos depois do derrube de Santana (também ele apoiado numa maioria absoluta) o populismo volta a ser o fantasma de Portugal.

12 comentários:

Joana Lopes disse...

Já discutimos, pelo telefone, o conteúdo do que agora escreveste.
Há muitos imprevisíveis em política, mas não acredito que o nosso futuro próximo vá por aí.
Talvez porque Sócrates é autoritário mas não é populista nem louco como Santana ou Menezes.
Também porque o país veria uma demissão como tu a descreves como uma espécie de birra, castigá-lo-ia (penso eu de que..) Ganharia mas garantidamente sem maioria absoluta, o que seria para ele uma derrota clara - e então perderia mesmo o pé.

Mário Redondo disse...

Excelente análise.
Mas, tudo ponderado, concordo com a Joana Lopes. Ou antes, espero que o Sócras não me desiluda... (apesar de tudo, a saída do Campos Ferreira foi fundamentalmente de iniciativa do próprio, por isso só fiquei meio desiludido!).
A demissão seria o retorno aos velhos jogos. Não pode fazer mais - a curto ou médio prazo - do que arrastar José Sócrates para a "sopa" de onde ele aparentava ter conseguido sair.
O que tem de ser feito - e, claro, exige coragem - é aguentar até ao fim do mandato, contra todo o "ruído". Isso sim seria o trampolim para nova maioria absoluta e uma verdadeira re-legitimização do trabalho deste governo.

F. Penim Redondo disse...

Sem querer ser chato acrescento o seguinte:

- a situação actual parece ser a subalternização definitiva dos partidos que, mais do que comandar os movimentos, parecem estar remetidos à sua parasitação

- o que distingue a agitação actual é a sua não integração num projecto viável de governação alternativa. Por isso não é possível "castigar" Socrates nas urnas por ter feito birra

- os verdadeiros populistas, que não sabemos se Sócrates pode ou não ser, percebem quando é que o povo está realmente farto de confusão.

- é realmente um jogo arriscado dizer ao povo: "ou me apoiam nas reformas com que eu quero salvar o país ou vão cair no caos".
Quem o fizer pode realmente ser repudiado nas urnas mas eu pergunto: Sócrates tem alguma alternativa a isto que não seja a morte lenta e sem glória ?

Joana Lopes disse...

Mário: já confundes o ex-ministro da Saúde com o Prós e Contras mas não faz mal!
E descubro que és «socrático», o que é interessante...
Um abraço

Anónimo disse...

O partido do Governo agendou um grande comício nacional para o Porto no próximo dia 15, exactamente uma semana depois da Marcha da Indignação promovida pelos professores, que se vai realizar este sábado em Lisboa.

A decisão foi tomada na reunião do secretariado nacional do PS que hoje se realizou e onde o partido da maioria decidiu ainda agendar, já para este fim-de-semana, reuniões de militantes em todas as federações distritais do país, com a presença de dirigentes nacionais.

Na terça-feira a seguir à marcha de professores, o PS reúne também a sua comissão política nacional. O pretexto é a comemoração de três anos da tomada de posse do Governo Sócrates, mas o objectivo é “mobilizar os socialistas e através deles dirigir-se à sociedade portuguesa” para falar sobre a “agenda de reformas” em curso, explicou Augusto Santos Silva, em conferência de imprensa realizada na sede do partido.

Mário Redondo disse...

Joana:

Sim, pode dizer-se que sou "socrático"!
Em parte por exclusão de partes e falta de alternativa, mas também em grande parte por uma questão de coerência com as minhas próprias posições do passado.
Andei muito tempo muito desiludido com o espectáculo da política em Portugal, e julgo ter sido acompanhado por uma larga fatia da população portuguesa, nomeadamente da minha idade.
A principal razão para essa desilusão e consequente desinteresse não foi ideológica. Foi acima de tudo a constatação da falta de seriedade, da chicana política, da pura e simples perda de tempo e de energia em guerras palacianas, que tem caracterizado os últimos dez anos da política portuguesa.
Disse várias vezes ao meu pai: se aparecer um político que seja sério, ou pelo "engane bem", vai governar o país com maioria absoluta durante pelo menos dois mandatos.
Qualquer pessoa que não esteja também, de alguma forma, envolvida na "chicana" - seja dentro dos aparelhos, seja nos habituais fóruns de discussão política - vê à evidência que o Sócrates é esse político. Como se dá a (feliz?) coincidência de esse conjunto de pessoas constituir a larguíssima maioria da população portuguesa, os resultados são fáceis de adivinhar.

Sei que estou a deixar de fora, nesta pequena "história pessoal" dois aspectos. Por um lado, a "substância" política: o mérito, ou falta dele, das ideias de Sócrates, ou desta ou daquela reforma ou medida em concreto. Faço-o, para já, propositadamente, porque - por mais duro que seja reconhecê-lo - me parece que nas presentes circunstâncias é um aspecto secundário.
Por outro lado, também não quero entrar já na discussão - tão cara ao meu pai - da inevitável tentativa de manipulação da tal "maioria silenciosa" por parte das corporações e dos múltiplos interesses que se movem para derrubar o Sócrates.
Mas sempre vou dizendo: o sucesso ou falhanço últimos dessas inevitáveis tentativas de manipulação serão a mais fiel medida do grau de "enfartamento" da população portuguesa perante as manobras chicaneiras da politiquice reinante...

o castendo disse...

Bom dia Fernando,
Parabéns. Ontem logo pela manhã conseguistes deixar-me de cara à banda. Deixei passar 24h e ainda não acredito.
«Se aqueles que moram nos arredores de um SAP que se decidiu encerrar, ou os professores que não admitem ser avaliados (...)».
Não queres vir tu e a Rosa cá a casa a Penalva do Castelo? O tempo melhorou e podem trazer os fatos de banho (rio ou piscina). Mostro-te o que são concelhos sem estradas decentes (sabias que a viatura do INEM em Cinfães é um TT?), sem transportes públicos (é normal as pessoas com carro darem boleia a quem vai a pé), com um índice de envelhecimento entre os 155 e os 165. Etc., etc., etc.. Quanto aos professores apresento-te uns quantos que querem ser avaliados, mas que acham que deve ser como na informática. Primeiro escolhiam-se umas escolas, testava-se o modelo, fazia-se o balanço, corrigia-se o que houvesse para corrigir e depois implementava-se em todo o lado.
Quanto ás sondagens recordo-te que são meros indicadores de opinião, como sabes melhor do que eu (e como as eleições americanas mais uma vez testemunham...). E que, mesmo assim, 66% acham que o governo vai mal...
E...
O resto, que é muito, não cabe aqui e fica para quando nos encontrarmos.

F. Penim Redondo disse...

Caro "castendo", pensava que era clara a minha preocupação expressa no texto: qual é o futuro da democracia em Portugal ? Pelo caminho que estamso a seguir receio ter que voltar, na minha velhice, a suportar as agruras de uma nova ditadura.

Eu nem sou um grande crente na democracia formalista mas a contrapartida não pode ser que cada um que eventualmente seja, ou se julgue, prejudicado recuse qualquer autoridade. Sob pena de voltarmos à barbarie.

Deste ponto de vista é quase irrelevante quem tem, ou não tem, razão.

O resto é, como dizes, coisa para discutir longamente...

Anónimo disse...

Estou completamente "banzado" com este seu post. E também com alguns comentários. Não o imaginava um apoiante da "socretidura".
Uma pequena correcção ao sr. mário redondo: não é socrático, é "socretino", por causa das confusões com o verdadeiro sócrates, o filósofo - grande homem, culto, polémico mas de palavra verdadeira, enfim, uma verdadeira antítese...

F. Penim Redondo disse...

Caro zedeportugal,

aconselho-o a aprender a ler.
Para o país progredir temos que reduzir a iliteracia.

Anónimo disse...

Caro F. Penim Redondo.

Muito obrigado pelo seu conselho. Peço desculpa por ser um iletrado.
Mas o meu amigo, que é letrado, conhecerá com certeza o ditado: Um bom conselho, serve sempre mais a quem o dá do que a quem o recebe. ;)
No hard feelings?

PS: Ah! Só mais uma coisinha que me lembrei mesmo agora, uma pequenina dúvida. Poderá o meu amigo explicar-me a diferença entre autoridade e autoritarismo?
Olhe que perguntar não ofende! :)

F. Penim Redondo disse...

Caro zedeportugal,

para compreender bem a diferença entre autoridade e autoritarismo vou dar um exemplo.

Se alguém discute as ideias de outrem, tentando demonstrar a sua bondade ou maldade, estamos a falar de autoridade.

Se, em vez disso, alguém resolve começar a atribuir rótulos, com razão ou sem ela, e a falar como se lhe competisse julgar as opções dos outros então estamos no campo do autoritarismo.

Em resumo: eu não votei no Socrates, nem estou à espera que ele me dê um tacho mas isso não me obriga a diabolizá-lo nem me impede de reconhecer as coisas positivas que o homem também tem feito.

Mas mesmo que eu fosse apoiante do Sócrates o meu amigo zé não tinha nada que ver com o assunto. Não tem qualquer estatuto que lhe dê o direito de se pronunciar sobre as minhas escolhas políticas. O meu apoio a Sócrates seria, se fosse, um problema de índole pessoal.

Do Sócrates pode dizer mal à vontade, claro. E dos outros políticos também.