domingo, novembro 20, 2005

Short Cuts



Por obra e graça do canal Hollywood tive a oportunidade recente de rever (e gravar) o filme "Short Cuts - Vidas Cruzadas" dirigido por Robert Altman em 1993.

Quando o vi pela primeira vez, há uns anos, fiquei profundamente impressionado. Ao revê-lo agora apenas confirmei que se trata de um filme extraordinário.

Mostra (durante três horas) um certo número de vidas "entrelaçadas" o que só por si está longe de ser original e até tem produzido alguns filmes detestáveis. Os motivos de interesse são outros.

Um polícia, um médico, uma "palhaço ao domicílio" que anima festas de aniversário, uma pintora, uma empregada de balcão numa cafetaria, um limpador de piscinas, um comentador de TV, uma prestadora de serviços pornográficos via telefone, uma violoncelista, um condutor de limousine para encontros amorosos, um piloto de helicóptero, uma cantora de jazz, um decorador de bolos comemorativos, um maquilhador de efeitos especiais e outros, cruzam-se e voltam a cruzar-se (em Los Angeles, como no excelente "Colisão" que ainda recentemente comentámos).

A lista das profissões, onde não figura nenhuma ligada à produção de mercadorias convencionais, mostra uma sociedade "desenvolvida" com grande pendor para os "serviços interpessoais" e onde a "classe operária" ou desapareceu ou é invisível.

As relações afectivas mostram-se ressequidas e distorcidas como se estivessem atacadas por uma praga (curiosamente o filme decorre sob o pano de fundo de uma praga de moscas que os helicópteros todas as noites tentam envenenar aspergindo químicos sobre a cidade).

Com o decorrer da acção vamos intuindo que o mal-estar e, depois, a tragédia radicam na mercantilização de gestos e comportamentos que costumavam situar-se no plano das relações afectivas, tornando "profissionais" as relações que deviam ser íntimas e fazendo cair as barreiras que costumavam separar as amizades, a família e os afectos da luta, quantas vezes impiedosa, pela sobrevivência económica.

Aqueles que ainda pensam que a alienação resulta da preponderância das coisas no relacionamento entre os humanos deviam perceber que é ainda pior quando o que se compra e o que se vende são os próprios humanos.

(mais sobre o filme)

Sem comentários: