O senhor Matias é alentejano há 76 anos.
Começou a guardar porcos quando tinha 11 e a sua vida foi uma sucessão de rebanhos, parelhas e juntas.
Está sentado em frente à casa, com as costas apoiadas na taipa. Anoitece.
A mulher foi a Grândola, "ao tratamento". Cortaram-lhe uma perna há semanas. Foi diabetes, parece.
Só volta lá para a meia-noite, quando vier a ambulância dos bombeiros.
O senhor Matias ouve os cães ladrar por trás da casa, mas não vê bem as ovelhas que mordiscam as poucas ervas verdes do fim do Verão. Tem os olhos embaciados pelas cataratas.
O senhor Matias podia ir enxotar as ovelhas, que talvez tenham fugido para a estrada, mas a ciática não deixa.
O senhor Matias já não a sentia há trinta anos e pensava que escapava mas, há uns meses, ela voltou com redobrada força.
A noite vai caindo e já tremelicam umas luzitas para os lados da aldeia mas o senhor Matias não as vê. A ambulância dos bombeiros ainda tarda e os sacanas dos cães nunca mais se calam.
Podia ir lá atrás dar-lhes um berro mas não se atreve a cair, ao tropeço de uma pedra.
Não há aumento de pensões que resolva esta tristeza, que o problema do senhor Matias nem é económico. Que o digam as ovelhas e os porcos que chafurdam no fim do quintal.
Não há geringonça de esquerda, ou de direita, capaz de acabar com esta tristeza quando a noite cai.
Talvez algum chaparro.
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