A decisão do governo de acabar com a publicidade na RTP, gradualmente ao longo de três anos, desencadeou várias reações de partidos de esquerda que considero surpreendentes.
Toda a gente parece ter interiorizado que não temos outro remédio se não aturarmos os abusos da publicidade.
Ninguém se insurge contra a publicidade, sequer contra os seus excessos e desmandos. Nem os que sempre verberam a influência dos “privados”, nem os ambientalistas perante a promoção do consumismo, nem os puristas da cultura mesmo quando Mozart é posto a ajudar na venda de sapatos, nem os zelosos da alimentação saudável quando vêem promover hamburgueres de sete pisos, nem os caçadores de “fake news” quando as encontram por todo o lado nos spots publicitários.
Nos anos 70, depois da revolução em Portugal, começou a ser viável visitar a URSS. Muitos dos que lá iam revelavam uma certa desilusão por um motivo algo caricato; não tinham visto anúncios publicitários nas ruas de Moscovo.
Também hoje parece não se conceber uma televisão sem publicidade. E a verdade é que, com excepção da RTP, as televisões, tal como funcionam, não conseguiriam sobreviver sem publicidade.
Temos assim uma situação estranha; os meios de comunicação, que são um pilar da democracia, só conseguem sobreviver com publicidade. Aqueles que desconfiam constantemente da interferência dos poderosos nos conteúdos da informação não acham isto perigoso? Quando o dinheiro dos anunciantes serve para pagar comentadores desde a estrema esquerda à estrema direita podemos ainda falar, sem receios, da liberdade de imprensa?
E os “conteúdos de entretenimento”, tantas vezes meras fábricas de audiências para despejar publicidade, não os achamos deprimentes, ou até pavorosos?
Já sei que me vão dizer: sem a publicidade não haveria isto nem aquilo nem aqueloutro.
Conformamo-nos então com esta chantagem?
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