A histeria comunicacional instalou-se durante a campanha para as Autárquicas como se os únicos candidatos do país fossem o Fataltino e Valentorres.
As Entidades Oficiais, os Comentadores Certificados e os Dirigentes Partidários fizeram um corrupio de apelos para que o povo votante resolvesse nas urnas aquilo que as leis e os tribunais não tinham querido, ou sabido, resolver em tempo útil.
O povo foi até subtilmente ameaçado de conivência com os crimes que os “arguidos” possam ter cometido.
Este verdadeiro torção à separação entre a política e a justiça, que o povo recusou liminarmente, seria justificado pela “dignificação do sistema político”. Ora o povo sabe que o Fataltino e o Valentorres foram “nados e criados” nos partidos, a quem deram bons dividendos eleitorais e foram afastados, só agora, por receio de que os salpicos viessem a atingir esses mesmos partidos.
Os partidos e todos os que mistificaram esta questão, ocultando as suas responsabilidades atrás da “moralização”, ajudaram a dar mais uma forte machadada no nosso regime democrático. Os eleitores mostraram que reprovam esse sacudir da água do capote.
As votações, no geral, mostram que a população decidiu deixar à justiça a punição de eventuais crimes e votar nos candidatos que, bem ou mal, julga servirem melhor os seus interesses. Não votou nos candidatos por eles serem arguidos mas, sem dúvida, votou neles APESAR de serem arguidos.
Isso mostra que, para além de não dar crédito a todos os que apresentaram a eleição de Fataltino e Valentorres como um perigo para a democracia, os votantes entenderam que não tinham que ser eles a corrigir a inépcia e morosidade do sistema judicial. Também disseram que cabe aos eleitores, e não aos partidos, penalizar politicamente aqueles que o mereçam.
O funcionamento errático e obscuro do sistema judicial e político leva à relativização das situações; foi só aquele que fugiu aos impostos ? será condenável fugir a uma prisão preventiva que ninguém sabe quanto tempo vai durar ? dar, pela porta do cavalo, uns cobres para o clube da terra é mais grave do que gastar muitos milhões em estádios sem préstimo ? por que é que o autarca de Ponta do Sol, na Madeira, só foi acusado um dia depois das eleições ? é mais grave preferir os amigos nos fornecimentos à Câmara ou nomear os amigos para cargos e reformas chorudas mesmo que para tal seja preciso indemnizar os demitidos ? quantos autarcas estão a ser investigados pela polícia em todo o país ?
Esta moral relativista pode ser criticável mas mais ainda o serão aqueles que pela sua acção, ou omissão, permitiram que o incumprimento se generalizasse.
Os poderes instituídos detestam ser postos em causa e não é de excluir que os vencedores de FelgOeiras e de GondoMarco venham a pagar, nos tribunais, um preço muito elevado pela sua ousadia.
O sistema político tentou usar quatro casos de contornos rocambolescos, protagonizados por figuras frágeis, para limitar as veleidades dos cada vez mais numerosos que tentam fazer funcionar a democracia à margem dos partidos, apesar dos partidos e mesmo contra os partidos. Alcanena, Redondo, Alvito e Sabrosa são exemplos de vitórias de quem “correu por fora”.
FelgOeiras e GondoMarco não são casos isolados e, muito menos, aberrantes.
Tudo leva a crer que os eleitores desses locais são tão bons, ou tão maus, como quaisquer outros. Tudo leva a crer que os mesmos comportamentos ocorreriam, em circunstâncias equivalentes, em qualquer outro concelho de Portugal.
Que se saiba o Engenheiro Sócrates não enjeitou os votos maioritários (entre os 40 e os 50 por cento) que teve em FelgOeiras e GondoMarco em Fevereiro de 2005. Muitos dos votantes em Fataltino e em Valentorres votaram também em José Sócrates.
É caricato que aqueles que se dizem preocupados com a democracia se atrevam a qualificar os resultados eleitorais em função das motivações que presumem para os eleitores.
O crime dos FelgOeirenses e dos GondoMarquenses seria o de pôr os interesses locais acima do interesse nacional. Quem nos garante que foi o interesse nacional que motivou os votos que dados a Sócrates em Fevereiro ?
É preciso ser muito limitado para não perceber que por este caminho é que se põe a democracia em cheque.
As motivações dos eleitores, quaisquer que sejam, são uma questão íntima, inviolável e um direito soberano. As autarquias são apenas mais uma organização “corporativa” de interesses organizados com base na vizinhança em vez de serem definidos pela profissão ou qualquer outro identificador/diferenciador. As “corporações” são, no essencial, instrumentos para dar expressão e potenciar os interesses individuais.
É lugar-comum considerar que os eleitores, ao votar, estão a fazê-lo com o intuito de promover o Interesse Público. Nada permite confirmar tal crença.
Se tomarmos em consideração a forma como têm reagido às medidas de austeridade de Sócrates os farmacêuticos e os enfermeiros, os juízes e os polícias, os funcionários e os professores teremos que concluir que a maioria absoluta de que ele dispõe não resultou de um mandato patriótico para “salvar as finanças públicas” mas sim de cálculos pessoais interesseiros baseados na ambiguidade quanto aos sacrifícios exigíveis aos portugueses e na promessa, feita durante a campanha, de não aumentar os impostos. É sempre mais fácil esperar que a solução resulte do sacrifício dos outros.
Em conclusão, não faz sentido irem a correr alterar a lei eleitoral para fingir que estão a “proteger a democracia”. Para salvar o Regime basta fazer funcionar a Justiça de forma expedita e corrigir os comportamento dos partidos e dos políticos, deixando de prometer o que não podem cumprir e deixando de gastar o dinheiro que não têm.
P.S. (ao cuidado de Mário Soares) – A eleição em Lisboa de um tipo feio, pouco mediático e sem pedigree partidário, e no Porto de um teimoso, quase-bronco que não se coíbe de mandar o Pinto da Costa “à fava” leva a pensar que o tempo dos ilusionistas está a chegar ao fim.
Impressionante os pontos de contacto entre estas tuas ideias e as do Espada no "Expresso" desta semana... Algumas frases são quase idênticas!
ResponderEliminarSó concordo contigo parcialmente.
ResponderEliminarCom efeito quer eu quer o Espada defendemos que a Justiça deve ser célere para evitar casos como os de Felgueiras, Gondomar, etc.
Ambos nos opomos à tentativa de limitar a liberdade de candidatura aos cargos políticos.
Mas, por outro lado...
O Espada considera os casos do Major e da Fátima, etc, como excepções e eu não.
O Espada está convencido de que os partidos afastaram os "arguidos" com base em princípios e eu não.
O Espada considera que o caso do Isaltino "é diferente" dos outros e eu não.