domingo, janeiro 31, 2010

Outono

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Ontem ao serão vi o Medina Carreira e a seguir a "Sonata de Outono" do Bergman. Dormi mal.
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A favor do vento

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Estas turbinas de vento, produzidas em Tianjin, são testemunho da entrada fulgurante da China nas tecnologias emergentes.
Nos últimos anos a China tornou-se o maior fabricantes mundial destas turbinas bem como de painéis solares.
No Ocidente crescem os receios do futuro domínio da China na área das energias renováveis.
(Ler o artigo no The New York Times)

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sexta-feira, janeiro 29, 2010

Um piano no telhado

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Há dias no Coliseu ouvi Maria João Pires tocar o Concerto para Piano nº2 de Beethoven com direcção de Eliot Gardiner.
O seu carisma matém-se intacto e o seu piano nunca é amorfo por obra e graça de um belíssimo fraseado.
Só é pena que o Coliseu proporcione uma acustica muito deficiente. Quem, como eu, se encontre nas últimas filas da plateia houve dois pianistas pelo preço de um. O verdadeiro toca no palco e o seu fantasma toca algures perto da cúpula do tecto com um pequeníssimo desfasamento.
É verdade que o Coliseu vem de uma tradição circense mas há limites para tudo.
Já tinha jurado a mim próprio nunca mais lá voltar mas a MJP, tão rara nos palcos, fez-me quebrar a jura.
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quarta-feira, janeiro 27, 2010

Parábola triste

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Era uma vez um país que vinha há anos descendo a escada que conduz ao empobrecimento geral e à decadência.
A cada novo degrau descendente fazia malabarismos orçamentais apenas para evitar a escorregadela eminente e a imediata queda no fundo.
A cada degrau, uma vez conseguido o equilíbrio mínimo para não cair, o povo suspirava de alívio mas continuava a descer.
Não havia ninguém que lhe dissesse como inverter a marcha e voltar as costas ao abismo.

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terça-feira, janeiro 26, 2010

Nas Nuvens

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"UP IN THE AIR", em Portugal "Nas nuvens", protagonizado pelo mais famoso vendedor de cápsulas de café do mundo, George Clooney, é um filme muito interessante e complexo.
Tem como pano de fundo a propensão inata do capitalismo para reduzir os custos e aumentar os lucros, mesmo que seja necessário chegar ao absurdo de fazer a gestão de pessoal e comunicar os despedimentos recorrendo às técnicas do call center.
O mais interessante é que o filme estabelece um paralelo entre a família tradicional e a organização empresarial. Duas estruturas que ainda não conseguimos dispensar mesmo quando sabemos que não funcionam em bases sólidas ou que não respondem adequadamente às nossas necessidades.
O filme ensina que o casamento e o amor são coisas muito distintas. Como também são muito distintos o "trabalho como forma de subsistência" e o "trabalho como realização pessoal". Vulgarmente pensamos que precisamos dos primeiros mas na verdade precisamos é dos segundos.
Um filme que todos os apoiantes do casamento entre pessoas do mesmo sexo deviam ver.
Realização Jason Reitman, com George Clooney (uma escolha muito adequada), Vera Farmiga (excelente) e Anna Kendrick .
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segunda-feira, janeiro 25, 2010

Reflexões de um fotógrafo

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Ludwig Feuerbach disse: “der Mensch ist, was er isst”, somos o que comemos. Talvez possamos também dizer que somos o que vimos ou somos o que fotografámos, se quisermos entender o acto de fotografar como uma forma superior de ver.
Desde que nascemos interpretamos uma quantidade gigantesca de imagens do que nos rodeia, de forma automática e irrenunciável. Nunca chegamos a desvendar o mistério de reparar em algumas e não em outras. De haver algumas imagens que nos marcam e nos acompanham, ou obcecam, uma vida inteira.
Um fotógrafo, quer seja profissional quer seja amador, produz ao longo da vida muitos milhares de fotografias que o moldam e o transformam. Nunca chega a compreender verdadeiramente se foi ele que as escolheu. Elas permanecem e regressam como testemunhas de um passado que resiste à memória da nossa história pessoal, um vestígio daquilo que já não somos ou daquilo que ainda somos mas sem saber.
Ao rever as imagens de que somos feitos vemo-nos sempre confrontados com a peculariedade do nosso percurso e com o sentido daquilo que fomos (somos ?).
O que retratámos mostra quem somos de uma forma mais fidedigna do que as fotografias do nosso próprio rosto.
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domingo, janeiro 24, 2010

A magnitude do problema

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A China criou 11,02 milhões de novos empregos em áreas urbanas em 2009, de acordo com informações divulgadas pela agência de notícias Xinhua. O número superou a meta do governo, de 9 milhões, segundo o Ministério de Recursos Humanos e Seguridade Social.
Cerca de de 5,14 milhões de trabalhadores que haviam sido demitidos foram recontratados no ano passado, também superando a meta, que era de 5 milhões.
A taxa de desemprego urbano na China ficou em 4,3% no ano, com 9,21 milhões de pessoas ainda sem trabalho no país.

O índice de emprego dos licenciados chineses alcançou os 87% em 2009, mais 1% do que em 2008, segundo dados da Segurança social chinesa.
No ano passado, na China, de um total de 7,1 milhões de licenciados que procuou emprego, 6,1 milhões eram recém-formados, diz a Efe.

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sexta-feira, janeiro 22, 2010

Correr é preciso

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Um estudo conduzido pelo National Institute on Aging (Maryland, EUA) e a Universidade de Cambridge, revela que correr regularmente estimula o cérebro. Com este exercício é estimulado o crescimento de centenas de milhares de novas células na região do cérebro ligada à formação e recordação de memórias.
Correr melhora a capacidade que uma pessoa tem de se lembrar das memórias sem as confundir. Uma capacidade crucial para a aprendizagem e outras tarefas cognitivas. O estudo foi publicado na «Proceedings of the National Academy of Sciences».
(Ler o resto no blog Ciência Hoje)

Fico feliz por ver confirmadas científicamente coisas que eu sentia desde que comecei a praticar corrida há mais de vinte anos. Correr é preciso (e correr com certos tipos também).

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quarta-feira, janeiro 20, 2010

Human-aided computing

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Pradeep Shenoy e Desney Tan publicaram recentemente um estudo intitulado "Human-aided Computing: Utilizing Implicit Human Processing to Classify Images". Embora a expressão "human-aided computing" me cause alguns engulhos não posso deixar de achar interessantíssimas as conclusões a que o estudo chega.Trata-se de tentar usar a capacidade automática dos humanos para o reconhecimento de formas. Para o efeito os cientistas procedem à captura de sinais eléctricos medidos na superfície do crâneo. A distribuição espacial das cargas eléctricas permite perceber, com um razoável grau de certeza, se o paciente viu um rosto humano, um animal ou um objecto inanimado.
Estes estudos são motivados pelo desejo de automatizar a classificação dos biliões de imagens que pululam nas bases de dados. Num plano mais geral estas descobertas podem também contribuir para a concepção de novas interfaces homem-máquina.
O que é mais curioso é que se prova que os humanos reconhecem, mesmo sem se dar conta e enquanto realizam outras tarefas, um número enorme de formas que os cercam em cada momento. Essa capacidade de processamento reduz-se drásticamente quando o observador passa do modo automático para o modo "atenção focada numa determinada imagem".
Podemos considerar que é irrisório um resultado científico que apenas permite distinguir as reacções provocadas por uma cara, um animal e um objecto inanimado. No entanto, como noutros domínios, esta pode ser apenas uma fase embrionária que nos levará a conhecer muito mais sobre a interpretação das imagens no médio prazo.
É que sobre a gramática das imagens somos mesmo bastante ignorantes.

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terça-feira, janeiro 19, 2010

Red Bull Gay Race

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António Costa parece ter encontrado a fórmula para a quadratura do círculo. De uma penada resolve dois problemas, a recusa da Igreja em acolher os casamentos gay no dia de S. António e a falta de dinheiro para pagar o festival aéreo da Red Bull.
Os casamentos em causa decorrerão em plena pista de descolagem e serão seguidos de uma romantica "lua de mel" nos céus de Lisboa de onde os noivos farão o lançamento das grinaldas sobre os espectadores.
A bilheteira e os patrocínios prometem grande sucesso.
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Receitas da publicidade online crescem 30 por cento na China

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Público, 18.01.2009
As receitas geradas pela publicidade na Internet cresceram 30 por cento na China e chegam, agora, aos 74.3 mil milhões de yuan, (cerca de 7,6 mil milhões de euros).
Os dados são da iResearch que aponta para um crescimento na ordem dos 51 por cento, este ano. O estudo é divulgado numa altura em que a Google terá iniciado conversações com a China sobre a censura a conteúdos do seu motor de busca. A empresa não confirmou esta informação.
“Já dissemos que vamos ter uma nova abordagem à China. Vamos discutir a possibilidades de um motor de busca sem filtros”, disse um porta-voz da Google em Londres, citado pela BBC.
A empresa tem um terço do mercado chinês, dominado pelo rival Badu, que tem mais de 60 por cento de quota. Estima-se que na China haja 380 milhões de utilizadores de internet.

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domingo, janeiro 17, 2010

Alegre ilusão

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De vez em quando, ao estilo luso, o pessoal gosta de se galvanizar por uma ilusão redentora qualquer.
Agora é Manuel Alegre. Vai trazer a união à esquerda desavinda, mesmo àquela esquerda que não sabe que o é e também àquela que não sabe por que é que o é.
Mas o problema da esquerda é outro. É não saber que caminho tomar, não conseguir descobrir a saída do labirinto.

Um projecto de futuro é muito mais do que "cuidar dos pobrezinhos" ou impor-lhes, a martelo, a última fractura da moda.
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sexta-feira, janeiro 15, 2010

A Moody's não nos conhece, e nós ?

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Vasco Pulido Valente, no Público de hoje faz algumas afirmações no mínimo curiosas, de que respiguei as seguintes:

A agência de rating Moody"s disse anteontem que a nossa economia não corria o risco de "morte súbita", mas corria o risco de "morte lenta". Para a Moody"s, sem uma considerável melhoria da competitividade (e, correlativamente, da receita fiscal) as coisas não têm salvação e o país pode "caminhar para um cenário de aumento de impostos, o que combinado com uma subida dos juros, irá pressionar ainda mais a sua saúde financeira".
... Em suma, para a Moody"s, Portugal está condenado a empobrecer pouco a pouco, sem grande esperança de um futuro, comparativamente, "normal".
... Para um americano, esta conclusão é trágica. Para um português, não é. Desde 1820 que Portugal sempre viveu na iminência de uma morte lenta.
... A Moody"s não nos conhece.

Quando analisamos o advento do liberalismo em Portugal, no início do século XIX, e o destino da Primeira República no dealbar do século XX constatamos que ciclicamente se têm registado em Portugal uns fogachos de progressismo iluminado, com decisiva influência maçónica. Por falta de sustentação económica e de autêntica participação popular tais experiências têm acabado por dar lugar a "longas noites".
O regime saído da Revolução de Abril parece estar a seguir o mesmo padrão.
Esta observação não é muito original e a minha competência para deduzir conclusões é muito precária mas confesso que isto me preocupa.
Parece-me que na nossa vida política, recheada de peripécias ridículas, esta questão tem sido quase sempre varrida para debaixo do tapete.

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quinta-feira, janeiro 14, 2010

Casamento gay é primeira página na China

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A julgar por este despacho da AFP certos acontecimentos recentes em Portugal tiveram grande repercussão na China.

PEQUIM (AFP) — O respeito aos direitos gays registrou um novo avanço nesta quarta-feira na China, onde o jornal oficial China Daily publicou na primeira página uma foto do primeiro casamento homossexual realizado no país.
A união de Zeng Anquan, de 45 anos, e Pan Wenjie, de 27, aconteceu em 3 de janeiro em um bar gay da cidade de Chengdu (sudoeste), e tratou-se de um casamento simbólico, já que a China não reconhece o matrimônio homossexual.
"Já não temos que nos esconder. Este é o dia mais bonito de minha vida", afirmou Zeng Anquan ao jornal, acrescentando que milhares de homossexuais se casam todos os anos em outros países do mundo. "Por que não nós?", questionou.
No entanto, os preconceitos persistem na China e as famílias dos noivos se negaram a assistir a cerimônia.
"Minha irmã me advertiu que, se eu não deixasse Pan, ela deixaria de me considerar irmão. Centenas de amigos e parentes me ligaram para dizer que se envergonhavam de mim", contou Zeng.
Até 2001, a homossexualidade ainda era considerada doença mental na China.

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quarta-feira, janeiro 13, 2010

Ou não ?

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Está a propagar-se nas televisões uma nova praga, "ou não" ?
Contrariando uma prática comum na língua portuguesa os apresentadores e comentadores começaram a acrescentar a expressão "ou não" em frases do tipo: "todos estão ansiosos para saber se houve vítimas do terramoto".
Normalmente a frase apresentada era suficiente mas agora, não sei bem porquê, os locutores da televisão consideram necessário acrescentar "ou não" como se o oposto de haver vítimas não fosse óbviamente não haver vítimas.
Embora não seja propriamente errado fazê-lo parece uma sobrecarga desnecessária da frase.
Arrisca-se a fazer concorrência a uma outra praga, essa mais grave, que consiste em dizer que o "futebol nada tem a haver com a eventual violência nos estádios", substituindo "a ver" por "a haver".
Esta tem atacado de forma brutal mesmo pessoas cujo estatuto cultural é insuspeito.
E ainda há quem se preocupe com o Acordo Ortográfico.
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A Estrada

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Baseado no romance de Cormac McCarthy, vencedor do Pulitzer de 2007, “A Estrada” é dirigido por John Hillcoat. Não li ainda o livro mas, pelo que sei dele e da sua fama, esperava bem mais deste filme.
O tema dos sobreviventes ao cataclismo global já foi tratado muitas vezes no cinema e este filme não me parece que lhe acrescente algo que valha a pena. O facto de se centrar nas relações do pai com o filho, enquanto tentam chegar ao litoral para sobreviver, também não me parece que traga uma luz nova a essa questão.
Talvez o texto do livro tenha uma riqueza que o filme não me transmitiu, apesar de uma fotografia acertada e de uma cenografia plenamente credível.

Este é um filme muito adequado ao momento presente, que tem laivos de pré-catástrofe. O filme é tão sombrio que saímos de lá aliviados por vivermos, apesar de tudo, comparativamente, num verdadeiro paraíso.

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segunda-feira, janeiro 11, 2010

Que raio havemos de chamar a isto ?

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Há um ano falava-se da crise e de como ela mostrava as mazelas do capitalismo. 2009 prometia ser o ano da regulação, de novas regras, quiçá da morte e substituição do sistema.
Um ano depois a grande excitação da esquerda, que deixou outra vez de falar do capitalismo como um moribundo, é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Uma espécie de vingança dos impotentes que foi aprovada essencialmente porque irrita e escandaliza os "burgueses" que continuam a mandar na economia e a maioria do povo que não votou como devia.

Há um ano o governo do engenheiro Sócrates prometia, custasse o que custasse, tudo fazer para impedir que as pretensões carreiristas dos professores se sobrepusesse aos interesses da generalidade dos cidadãos.
Um ano depois todo o leque parlamentar rejubila pela paz nas escolas al(can)çada pela aceitação de uma avaliação em que 95,5% dos professores são bons, muito bons ou excelentes e uma carreira que, para todos, "é o reino dos céus". Os partidos só discutem a quem atribuir os louros de tal façanha.

Isto em que vivemos no dealbar da nova década já não é propriamente uma democracia mas não sei que raio de nome lhe havemos de chamar. Os tiques democráticos continuam presentes mas funcionam como mero formalismo e servem de álibi ao constante favorecimento de corporações e grupos de pressão (para além do tradicional "poder económico" que agora até se pode queixar de concorrência desleal).

Sucedem-se incontáveis trapalhadas administrativas, fracassos e adiamentos da justiça, uma opacidade generalizada e suspeitas de corrupção ou manipulação a torto e a direito (hoje surgiram dois novos casos: as irregularidades administrativas e económicas no Ministério da Justiça e as promoções irregulares no Ministério das Finanças).
Qualquer funcionário se sente no direito de sonegar informação ao público. Presidentes disto e daquilo, e até ministros, julgam poder recusar-se a estabelecer prazos para a conclusão das tarefas para que foram nomeados. Os nossos dinheiros são gastos de forma muito pouco transparente e só por acaso isso chega ao conhecimento público.
Ninguém é responsabilizado, ninguém é preso e os vários partidos lá se entendem para sobreviver neste pântano que o outro desdenhou. Uma casta vive suspensa acima das nossas cabeças e tem do nosso mundo uma ideia ficcionada. Somos apenas um tema literário dos discursos.

Isto em que vivemos já não é propriamente uma democracia no sentido do “governo do povo e para o povo”. Mas também não é uma ditadura.
Que raio havemos de chamar a isto ?
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domingo, janeiro 10, 2010

De Pompadour a Antoinette

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Membros do Blogue Jugular na sessão parlamentar onde foi aprovada a proposta do PS de casamento entre pessoas do mesmo sexo (neste video, Paulo Corte-Real, Maria João Pires, Ana Matos Pires, Fernanda Câncio, Isabel Moreira, Alexandra Tavares Teles, a deputada do Parlamento Europeu, Edite Estrela, Isabel Advirta, Eduardo Pitta e Sarah Saint-Maxent )


Também temos a nossa Pompadour, agora em versão laptop nas bancadas de S. Bento, twitando em directo as vicissitudes do casamento gay.
Sem a nossa Pompadour, estou convencido, o nosso Louis XV nunca teria tido a energia necessária para vergar a corte, perdão, o partido e concretizar esta bravata libertária contra o entendimento do povo.
Há que tirar-lhe o chapéu por esse feito e recomendar-lhe amistosamente que se retire antes que seja obrigada a interpretar também o papel de Marie Antoinette.
É que cheira a fim de regime.

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sábado, janeiro 09, 2010

Korda


Korda teve a oportunidade fantástica de acompanhar durante anos, como fotografo, a Revolução Cubana e os seus principais ícones. Sabe-se lá porquê.
Mas pagou um preço, ficou toda a vida amarrado ao retrato que fez do Che. Dizem que é uma das imagens mais reproduzidas da história da humanidade.
Uma exposição do trabalho de Korda está na Cordoaria até ao fim de Janeiro.
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sexta-feira, janeiro 08, 2010

Os vasos comunicantes do funcionalismo (continuação)

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Texto de Vasco de Almeida originalmente escrito como comentário ao post "Os vasos comunicantes do funcionalismo".

Às vezes interrogo-me se ainda haverá alguém a preocupar-se com o rumo que as coisas estão a tomar, e não necessariamente pelas mesmas razões que afligem "muitos quadros superiores da função pública".
1. Na realidade, os funcionários públicos e seus representantes defendem, na prática, o alargamento das suas regalias e direitos, independentemente da justificação económica ou exiquibilidade financeira das mesmas.
Que eu saiba, nenhum trabalhador da função pública perdeu a sua remuneração em virtude da eclosão e desenvolvimento da crise internacional: mas isso não impediu um dirigente sindical de reivindicar um aumento de 2,5%, isto numa altura em que não havia indicadores económicos que não estivessem a descer (inclusive a inflação!).
Uma das recorrentes linhas de ataque dos sindicatos dos professores é acusar esta ou aquela proposta de ser economicista, querendo que outros daí deduzam que uma medida economicista é, por definição, má. No entanto, e como a anterior ministra da educação chamou a atenção no início do seu mandato, nos dez anos anteriores as despesas de educação duplicaram e os indicadores do sector regrediram praticamente sem excepção (a maioria das pessoas só começou a reparar no que ela dizia lá para o fim do mandato).
Quando todos os argumentos falham, vem o último, muito citado pela esquerda pura, de que os trabalhadores não são responsáveis pelo estado a que as coisas chegaram; e não foram, pelo menos a título individual (a nível colectivo a história é outra). Mas, por muito que nos custe, a razão não é fonte de bem estar, e não cria o aumento da riqueza que possibilite a redistribuição. Infelizmente, a economia e a moral não andam de mãos dadas.
2. A questão da avaliação dos professores tem muitos ângulos por onde apreciar os problemas do funcionalismo público, alguns deles convenientemente ignorados.
Até à queda do cavaquismo, foi quase como se tivesse havido um pacto entre o PSD e o PCP para o ME: um ficava com a pasta e os quadros superiores, o segundo encarregou-se da representação laboral. Note-se que a paz no sector foi praticamente ininterrupta, uma ameaça de desencadear uma qualquer forma de luta depressa desaguava num acordo.
Quando o anterior governo começou a pôr em causa a profusão de delegados sindicais a tempo inteiro, a paz finou-se.
Até ao 25 de Abril, e talvez mesmo durante algum tempo depois, a maioria dos professores exercia a profissão por vocação, mas logo a seguir a vocação cedeu o lugar aos imperativos económicos familiares.
Independentemente das responsabilidades individuais ou colectivas, o facilitismo foi sempre ganhando terreno e o estatuto social dos professores foi sendo regredindo: os professores por vocação (a esmagadora minoria) defendiam-se pela sua maneira de estar na profissão e na sala de aula, os outros não sabiam defender-se em parte alguma (via-se a olho nu nas reuniões de pais). E é o produto deste sistema que está agora a chegar às escolas sob a forma de professores.
Outro argumento que se ouve invocado com a maior seriedade é que as escolas devem ter maior autonomia, não só no sentido geral mas até ao nível escola a escola. É espantoso como é que se espera que alguém implemente um conceito destes sem cuidar, entre outras, da questão prévia da avaliação individual de desempenho, baseada em resultados mensuráveis e não em profissões de fé.

Se os sindicatos estivessem realmente preocupados com o futuro do ensino público, tiveram já tempo mais do que suficiente para fazer o mínimo indispensável, que era apresentar um modelo credível de avaliação. De avaliação, note-se, não de auto-avaliação: na situação em que o país está, quem quiser auto-avaliar-se deverá também auto-financiar-se.
3. Na base de todos estes problemas, está um outro, bem mais espinhoso: a nossa jovem democracia está prisioneira do funcionalismo público e seus grupos de pressão.
Na realidade, se há direitos que a democracia nos confere, o exercício desses direitos só se aproxima da plenitude quando protagonizado pelo funcionalismo público. Quem é que reivindica direitos independentemente dos custos senão o funcionalismo público? Quem é que tem o seu posto de trabalho praticamente salvaguardado de todas as crises, venham elas de onde vierem, senão o funcionalismo público? Quem é que exerce o direito à liberdade de expressão, das mais variadas e estranhas formas, senão o funcionalismo público? Quem é que tem praticamente o monopólio dos orgãos de representação, senão o funcionalismo público?
Neste sentido, é lógico, coerente, e até profundamente justo que o pai do Estatuto da Função Pública seja o actual detentor do mais alto cargo público.
4. É também paradoxal o posicionamento dos partidos de esquerda relativamente a esta questão: eles aproximaram-se do funcionalismo público pela via do sindicalismo, e têm mantido um virtual monopólio neste tipo de representação.
No entanto, se há uns anos se podia discutir se, e até que ponto, os partidos de esquerda utilizavam a sua implantação sindical para pô-la ao serviço dos seus objectivos políticos, actualmente a questão já parece ser outra: se a reivindicação dessa representatividade serve antes de tudo para oferecer aos diversos lóbis instrumentos eficazes para a sua agenda política. A possibilidade de esses lóbis degenerarem em qualquer coisa de mais sinistro - os indícios abundam - parece não preocupar esses partidos, crentes como estão de que a maioria dos trabalhadores é bem intencionada, e que é sempre possível negociar uma solução aceitável.
5. A sensação esmagadora que fica é que o funcionalismo público no seu conjunto vive numa redoma e está completamente alheado daquilo que se passa fora dela; e pensa que aqueles que não vivem na redoma têm por obrigação mantê-la. Mais cedo do que mais tarde isto vai dar um muito mau resultado.

HOJE

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Finalmente assinado o Acordo para Redução do Défice

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Isabel Alçada e Mário Nogueira assinam o tão esperado Acordo para a Redução do Défice, respondendo às preocupações do Senhor Presidente da Républica e dando o exemplo aos partidos representados na AR. A sua abnegação e desprendimento não podem deixar de inspirar todos os portugueses quando lhes são pedidos grandes sacrifícios para debelar a crise.
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quinta-feira, janeiro 07, 2010

Os vasos comunicantes do funcionalismo


Professores... e os outros
As negociações em curso entre o Ministério da Educação e os sindicatos dos professores sobre a respectiva carreira, estão a deixar muitos quadros superiores da função pública na mais absoluta perplexidade, tal é a disparidade entre as condições que já vigoram para estes últimos e aquelas em discussão com a classe docente. Em cima da mesa está uma versão light de avaliação e progressão, que, ao invés das restantes carreiras, pretende abolir as quotas na avaliação, consagrar a contagem de tempo de serviço entre 2005 e 2007, e até, pasme-se, manter um período de permanência de 4 anos em cada escalão, enquanto nas restantes carreiras os quadros qualificados com "bom" no seu desempenho são forçados a esperar cerca de 10 anos até poderem subir de nível remuneratório. A serem concretizadas tais medidas aos 140 mil professores do ensino público, estes seriam detentores de um estatuto privilegiado, relativamente a outros congéneres também servidores do Estado, o que seria de todo inadmissível, pelo que teria de existir obrigatoriamente uma equiparação extensível às outras carreiras. E isto pela simples razão de que o ministro das Finanças declarou, aquando da implementação do PRACE, que um dos objectivos do programa consistia na uniformização da multiplicidade dos sistemas remuneratórios e de progressão, até aí existentes no sector público.
Rui M. Alves, em Cartas ao Director, DN 06.01.2009

Tudo o que justamente refere Rui M. Alves é agravado pelo facto, ontem revelado pela ministra, de só 0,5% dos professores terem classificação inferior a "Bom".
Logo que os professores tenham alcançado todas estas regalias extraordinárias teremos, como é costume, uma "justa luta" dos restantes funcionários públicos pela sua extensão a todos os servidores do Estado com o argumento de que "a equiparação é da mais elementar justiça".
Foi através de mecanismos como este que o défice orçamental português se tornou quase insanável e o nível de impostos pagos (por quem paga) verdadeiramente insuportável.
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quarta-feira, janeiro 06, 2010

Parábola Imbecil

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Era uma vez um país que descobriu, subitamente, uma enorme injustiça: os muros.
Alguém se lembrou de que os muros, pelo menos os que têm entre um metro e dois metros de altura, dividem a população em dois grupos: os que vêem e os que não vêem por cima do muro.
Trata-se de uma intolerável discriminação, com base nas características físicas, de todos aqueles que são mais baixos do que o muro. Qualquer pessoa sabe, ou devia saber, que ter horizontes largos é um direito inalienável de todos os cidadãos, mesmo dos baixinhos.
Instalada a polémica, entre os que eram a favor e os que eram contra, estes últimos tentaram apaziguar a querela aceitando abrir umas ranhuras nos muros para que todos pudessem ver para lá deles. Nada feito, isso era prolongar a discriminação pondo os baixinhos a espreitar a paisagem através de orifícios o que não era nada dignificante.
Houve também quem dissesse que a paisagem era quase sempre um montão de lixo e que, dado o adiantado estado de degradação dos muros, em breve todos acabariam por ruir resolvendo o problema naturalmente. Foi-lhes respondido que cada um devia poder olhar para onde quisesse, mesmo que para o lixo, e já.
Os políticos, sempre atentos aos votos flutuantes, resolveram legislar que os muros deviam ser reconstruídos por forma a terem menos do que um metro ou mais do que dois metros de altura. Foi um alvoroço pois, alertou-se, isso não resolveria o problema dos anões nem dos basquetebolistas estrangeiros que amiúde nos visitam.
Os limites foram então alterados para os cinquenta centímetros e para os dois metros e meio. Apesar de uma petição reaccionária a legislação foi finalmente aprovada. Mas tudo recomeçou pois alguém se lembrou de dizer que os muros de dois metros e meio criavam uma distinção entre os que passavam a cavalo e os que passavam a pé.
Foi então aprovada a proibição total de qualquer muro, sebe ou vedação em todo o país.
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Arrefecimento Global

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Mais de 1.400 passageiros foram retirados de um comboio que ficou preso na neve por mais de 30 horas, na região da Mongólia Interior, na China, segundo a televisão estatal chinesa.
O comboio chocou contra uma camada de neve de mais de 2 metros, no domingo, e os primeiros passageiros foram retirados na segunda-feira.
Os 15 vagões do comboio, que viajava de Harbin para Baotou, ficaram cobertos pela neve. Os passageiros ficaram presos no comboio sem luz, nem aquecimento.
O norte da China está a enfrentar os piores nevões dos últimos 60 anos.

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segunda-feira, janeiro 04, 2010

O deserto de Lawrence

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Revi recentemente o filme de David Lean que já não via há muitos anos. Agora com a vantagem de ter estado em 2009 no cenário físico de muitas cenas do filme, a zona desértica de Wadi Rum no Sudoeste da Jordânia.

Os enormes espaços de areia, onde emergem rochedos graníticos impressionantes, são realmente um cenário fabuloso que o filme aproveita de forma soberba.

Aqui ficam algumas imagens recolhidas por mim na Primavera de 2009. Para ver mais clique aqui.


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domingo, janeiro 03, 2010

Xangai "Better City, Better Life"

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Estruturas já construídas em Xangai e iluminadas para a passagem do ano.

A construção do Pavilhão de Portugal para a Expo’2010, em Xangai, adjudicada a um consórcio liderado por uma empresa lusa de Macau, deverá arrancar ainda durante o início deste mês. O evento decorre entre 1 de Maio e 31 de Outubro. "É um prazo um pouco apertado, mas exequível", disse fonte ligada à participação portuguesa no certame, o maior organizado pela China depois dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008.
A área da exposição vai ocupar 528 hectares, dez vezes mais do que a Expo’98, em Lisboa, sendo esperados 70 milhões de visitantes, cinco por cento dos quais estrangeiros. O Pavilhão de Portugal, orçado em três milhões de euros, terá 2000 metros quadrados e foi desenhado por Carlos Macedo e Couto, de 58 anos, arquitecto português radicado em Macau.
O edifício beneficiará da proximidade à Praça Europa, espaço para espectáculos com capacidade para 1200 pessoas. Ficará também perto de uma entrada para o recinto e de uma estação de metro. Mais de 200 países e organizações internacionais confirmaram já a participação no evento.
Correio da Manhã, 02.12.2009

A participação portuguesa neste evento mundial que terá lugar em Xangai já em Maio, "Better City, Better Life", parece estar a ser preparada em cima do joelho, à última hora e às escondidas.
O site alusivo à participação portuguesa ( http://www.portugalexpo2010.com.pt/ ) ainda não tem conteúdos e continuo sem descobrir qual o aspecto que terá o pavilhão português ao contrário de muitos outros cujo design é conhecido há meses (eu já em Maio de 2009 tinha aqui publicado alguns)


Pavilhão da Arábia Saudita


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sábado, janeiro 02, 2010

A salvação está no "Família, Família"

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A RTP transmitiu uma versão para famosos do "Família, Família" pouco depois da mensagem televisiva de Cavaco. Convenci-me definitivamente de que Portugal é um país esquizofrénico.
Cavaco diz “A dívida do Estado tem vindo a crescer a ritmo acentuado e aproxima-se de um nível perigoso”; “o endividamento do País ao estrangeiro tem vindo a aumentar de forma muito rápida, atingindo já níveis preocupantes”; “o tempo das taxas de juro baixas não demorará muito a chegar ao fim”; “se o desequilíbrio das nossas contas externas continuar ao ritmo dos últimos anos, o nosso futuro, o futuro dos nossos filhos, ficará seriamente hipotecado”; “quando gastamos mais do que produzimos, há sempre um momento em que alguém tem de pagar a factura”; “com este aumento da dívida externa e do desemprego (…) podemos caminhar para uma situação explosiva”.
Logo depois sucedem-se no televisor as lantejoulas da "gente bonita", todos muito talentosos e amigos, fogosos e esfusiantes de alegria de viver. O público presente no estúdio, e certamente também em casa, segue embevecido o playback pechisbeque dos mais recentes êxitos do pop top.

Devo ser eu que estou equivocado. Talvez o programa seja apenas uma resposta às preocupações do PR que dissera no seu discurso ser necessário “recuperar o valor da família”. “O esbatimento dos laços familiares tem sido um dos factores que mais contribuem para agravar as dificuldades que muitos atravessam.”
Realmente nesta "Família, Família" ninguém parece atravessar qualquer dificuldade.
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sexta-feira, janeiro 01, 2010

E as sucatas da Jamba ? Quem as compra ?

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Dar balanço


1) Há 20 anos, a política girava à volta de Cavaco Silva e de Mário Soares. Hoje, meus amigos, quem se lembra destas personagens?
2) Há 20 anos, o Presidente da República e o primeiro-ministro passavam a vida em guerras mais ou menos estéreis e em intrigas palacianas um contra o outro. Vejam só como a vida política era ridícula e como hoje ela é diferente...
3) Há 20 anos, o partido da oposição estava numa grande crise e aventava-se o seu fim. Hoje, felizmente, todos entendem o papel da oposição.
4) Há 20 anos, a Justiça era acusada de favorecer os ricos e os poderosos, além de ser muito lenta a resolver os casos em litígio. Hoje há respeito pela magistratura.
5) Há 20 anos, jornais como o “Diário de Notícias” pertenciam ao Governo. Hoje essa ideia seria impensável.
6) Há 20 anos, a Galp, a EDP, a PT e outras grandes empresas eram do Estado e uma pessoa só podia ser administrador de qualquer delas se o Governo deixasse. Hoje, tudo mudou e todas essas empresas são privadas.
7) Há 20 anos, uma pessoa para ter uma consulta ou uma operação ficava numa coisa chamada ‘lista de espera’. Hoje chega a parecer ridículo só o nome.
8) Há 20 anos, os professores não eram avaliados. Hoje isso seria um cenário impensável.
9) Há 20 anos, era impossível ver uma ópera de jeito em São Carlos porque o país não tinha dinheiro para pagar produções decentes. Hoje, felizmente, temos o que queremos e da melhor qualidade.
10) Há 20 anos, José Sócrates ainda não tinha acabado o curso de Engenharia Civil nem se tinha revelado um grande estadista.

Balanço de 20 anos de Cartas do Comendador, ou retrato de um país onde tudo mudou (extracto)
Comendador Marques de Correia, Expresso 31.12.2009
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